O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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COLONIALISMO EM MARCHA, HOJE COMO ONTEM

2020-08-01

Portugal e a Itália estão entre os países subcontratantes do Pentágono no Mediterrâneo e em África. Se bem que o Comando Africano dos Estados Unidos (AfriCom) permaneça ainda na Alemanha, Washington delegou uma parte das missões marítimas e todas as operações terrestres na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Estónia, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia e República Checa, sob comando da França. A parte norte-americana conserva, bem entendido, o controlo das operações, designadamente por via aérea. Velhos e novos aparelhos coloniais em marcha, travestidos de “missões de paz”, actuam além-fronteiras para servirem interesses estratégicos e económicos. O exemplo de Itália.

Manlio Dinucci, Roma; Il Manifesto/O Lado Oculto

O ministro italiano da Defesa, Lorenzo Guerini (Partido Democrático, Pd), manifestou grande satisfação pelo voto “solidário” do Parlamento em relação às missões internacionais. Exceptuando algumas divergências sobre o apoio à Guarda Nacional de Tripoli, maioria e oposição aprovaram de modo compacto, sem votos contra e com algumas abstenções, 40 missões militares italianas na Europa, África, Médio Oriente e Ásia.

Foram prorrogadas as principais “missões de paz” em curso desde há décadas na esteira das guerras dos Estados Unidos e da NATO nos Balcãs e no Afeganistão (com participação portuguesa), na Líbia e na de Israel no Líbano, que faz parte da mesma estratégia. A estas guerras acrescentaram-se algumas novas: a operação militar da União Europeia no Mediterrâneo, formalmente para “impedir o tráfico de armas na Líbia”; a missão da União Europeia de “apoio ao aparelho de segurança no Iraque”; a missão da NATO de reforço do apoio a países situados no flanco sul da aliança.

O envolvimento de Itália e outros países europeus na África Subsaariana regista um forte crescimento. Forças especiais italianas participam na Task Force Takuba (que inclui forças portuguesas), destacada no Mali sob comando francês. Operam também no Níger, Chade e Burkina Faso no quadro da operação Barkhane, onde estão envolvidos 4500 militares franceses com blindados e bombardeiros, oficialmente e apenas contra as milícias jihadistas.

No Mali, a Itália participa também na missão da União Europeia Eutm, que proporciona treino militar e “aconselhamento” às forças armadas deste país e de alguns outros limítrofes.

No Níger, a Itália tem a sua própria missão bilateral de apoio às forças armadas e, ao mesmo tempo, participa na missão da União Europeia Eucap Sahel Niger numa área geográfica que inclui também a Nigéria, o Mali, a Mauritânia, o Chade, o Burkina Faso e o Benim.

O Parlamento italiano, por outro lado, aprovou o emprego de “um dispositivo aeronaval nacional para actividades de presença, vigilância e segurança no Golfo da Guiné”. Objectivo declarado: “vigiar nesta zona os interesses estratégicos nacionais (leia-se os da companhia petrolífera ENI), apoiando a frota comercial nacional que aí transita”.

Um concentrado de matérias-primas

Não é por acaso que estas zonas africanas onde se concentram as “missões de paz” são as mais ricas em matérias-primas estratégicas – petróleo, gás natural, urânio, coltan, ouro, diamantes manganês, fosfatos e outras – exploradas pelas multinacionais norte-americanas e europeias.

O seu oligopólio, contudo, está a ser posto em causa pela crescente presença económica chinesa. Não conseguindo contrariá-la apenas através de meios económicos, e sentindo simultaneamente diminuir a sua própria influência no interior dos países africanos, os Estados Unidos e as potências europeias recorrem à velha mas ainda eficaz estratégia colonial: garantir os seus próprios interesses económicos com meios militares, incluindo o apoio às elites locais que assentam o próprio poder nas forças armadas. 

A luta contra as milícias jihadistas, razão oficial de operações como a da Task Force Takuba, é a cortina de fumo que esconde os verdadeiros objectivos estratégicos. O governo italiano declarou que as missões internacionais servem para “garantir a paz e a segurança dessas zonas, para a protecção e a tutela das populações”. Na realidade, as intervenções militares expõem as populações a riscos ulteriores e, reforçando os mecanismos de exploração, agravam o seu empobrecimento - com um aumento constante dos fluxos migratórios para a Europa.

Para proteger milhares de soldados e veículos envolvidos nas missões militares, a Itália gasta directamente num ano mais de mil milhões de euros, fornecidos (com dinheiros públicos) não apenas pelo Ministério da Defesa mas também pelos do Interior, da Economia, das Finanças e pela Presidência do Conselho.

Esta soma, porém, não passa da ponta do iceberg das crescentes despesas militares (mais de 25 mil milhões anualmente), devido ao ajustamento do conjunto das forças armadas a esta estratégia. Aprovada pelo Parlamento por um consenso bipartidário unânime.




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