O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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HÁ 30 ANOS, A “MÃE DE TODAS AS GUERRAS” SEM FIM

2021-01-17

Passam exactamente 30 anos sobre o momento em que os Estados Unidos e os seus velhos e novos aliados – nascidos estes no espaço de influência da União Soviética então em desagregação – lançaram a operação “Tempestade no Deserto” contra o Iraque de Saddam Hussein. Também foi chamada “a mãe de todas as guerras”, sabe-se hoje que com inteira razão pois ela gerou uma sucessão de guerras sem fim cujos efeitos moldam a actual estratégia imperial: Jugoslávia, Afeganistão, novamente Iraque, Líbia, Síria, a que devem somar-se os conflitos não directamente assumidos contra o Irão e o Líbano. A agressão marcou o regresso das forças armadas portugueses a intervenções de carácter colonial, que se multiplicaram até hoje - acções violadoras da Constituição que escapam à fiscalização constitucional. E pôs em evidência que a guerra se transformou no praticamente único recurso das forças dominantes à escala mundial.

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Há 30 anos, na madrugada de 17 de Janeiro de 1991, começou no Golfo Árabe-Pérsico a operação “Tempestade no Deserto”, a guerra contra o Iraque que abriu a sequência de “guerras sem fim” depois do fim da guerra fria. Foi lançada pelos Estados Unidos e os seus aliados do momento nos quais, depois da queda do muro de Berlim, se dissolveram o Tratado de Varsóvia e a própria União Soviética. O facto criou uma situação geopolítica completamente nova, que permitiu a Washington desenhar uma nova estratégia para obter as maiores vantagens. 

Durante os anos oitenta do século XX os Estados Unidos apoiaram o Iraque do presidente Saddam Hussein na guerra contra o Irão do ayatollah Ruhollah Khomeini. Mas quando esta guerra terminou, em 1988, os norte-americanos tentaram proceder de maneira a que o Irão não adquirisse um papel determinante na região. Montaram, para isso, uma política de “dividir para reinar”. Forçaram o Koweit a exigir o reembolso imediato do crédito concedido ao Iraque e a prejudicar Bagdade reforçando a exploração das reservas petrolíferas que se estendem sob o território dos dois países.

Washington fez crer aos dirigentes iraquianos que os Estados Unidos ficariam neutros no conflito entre os dois países; porém, quando em Julho de 1990 as tropas iraquianas invadiram o Koweit, Washington formou uma coligação internacional contra o Iraque. Uma força de 750 mil soldados, dos quais 70% norte-americanos, foi enviada para o Golfo sob as ordens do general norte-americano Norman Schwarzkopf. Durante 43 dias, a partir de 17 de Janeiro, a aviação dos Estados Unidos e aliada efectuou, com 2800 aviões, mais de 110 mil saídas lançando 250 mil bombas, entre elas engenhos de fragmentação que largaram mais de dez milhões de sub-munições.  Ao lado dos norte-americanos, participaram nos bombardeamentos forças aéreas e navais britânicas, francesas, italianas gregas, espanholas, portuguesas, belgas, holandesas, dinamarquesas, norueguesas e canadianas. Em 23 de Fevereiro, as tropas da coligação, envolvendo mais de meio milhão de soldados, lançaram a ofensiva terrestre. A operação terminou a 28 de Fevereiro com um “cessar-fogo temporário” proclamado pelo presidente George H. Bush (o pai).

Estados Unidos, a única potência

Imediatamente após a Guerra do Golfo, Washington lançou uma mensagem inequívoca aos seus adversários e aliados: “os Estados Unidos continuam a ser o único país com uma força, um alcance e uma influência em todas as dimensões – política, económica e militar – realmente mundiais. Não existe qualquer alternativa à liderança norte-americana” (Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Agosto de 1991).

A Guerra do Golfo foi o primeiro conflito no qual participaram tropas de alguns países europeus, como Itália e Portugal, sob comando norte-americano, violando as respectivas Constituições: o artigo 11 no caso italiano e o artigo 7 no caso português. A NATO não participou oficialmente enquanto tal, embora tenha colocado as suas forças e as suas bases à disposição. Alguns meses mais tarde, em Novembro de 1991, o Conselho do Atlântico lançou o “novo conceito estratégico da Aliança”, na esteira da nova estratégia norte-americana. Em Itália, no mesmo ano, foi lançado “o novo modelo de defesa” que, violando a Constituição, estabelece como missão das forças armadas “a tutela dos interesses nacionais em todo o lado onde seja considerada necessária”. 

A guerra como recurso único

Com a Guerra do Golfo nasceu a estratégia que está na base das sucessivas guerras sob comando norte-americano – Jugoslávia nos anos noventa, Afeganistão 2001, Iraque 2003, Líbia 2011, Síria 2011 e outras – apresentadas como “operações humanitárias” para exportar a democracia”. Milhões de mortos, deficientes, órfãos e refugiados resultaram da Guerra do Golfo, qualificada por Bush pai como “o cadinho da Nova Ordem Mundial”. Aos quais devem somar-se um milhão e meio de mortos, dos quais 500 mil crianças, provocados no Iraque por 12 anos consecutivos de embargo; e muitas outras vítimas mortais, devidas aos efeitos a longo prazo dos projécteis de urânio empobrecido usados massivamente na operação. Sem esquecer as vítimas de novo embargo imposto através da segunda guerra contra o Iraque, lançada em 2003.

Nesse mesmo “cadinho” foram queimados milhões de milhões de dólares destinados à guerra: a Comissão de Orçamento do Congresso norte-americana calcula que os Estados Unidos despenderam na segunda guerra contra o Iraque, a longo prazo, dois biliões de dólares (dois milhões de milhões).

Lembremo-nos de tudo isto quando, nos tempos que correm, muitos dirigentes e a comunicação Social corporativa evocarem o 30º aniversário da Guerra do Golfo repetindo a máxima de Bush de que se tratou do “cadinho da Nova Ordem Mundial”



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