O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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UMA GUERRA HÍBRIDA INFECTADA COM VÍRUS

2020-03-20

Pepe Escobar, Asia Times/O Lado Oculto

Entre os incontáveis e arrasadores efeitos geopolíticos do coronavírus, um já está perfeitamente evidente. A China reposicionou-se. Pela primeira vez desde o início das reformas de Deng Xiaoping, em 1978, Pequim encara explicitamente os Estados Unidos como uma ameaça, como declarou há um mês o ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, na Conferência de Segurança de Munique, durante o auge da luta do seu país contra o coronavírus.

Pequim, cuidadosa e gradualmente, vem construindo a narrativa de que, desde o início do ataque do coronavírus, os dirigentes do país tinham conhecimento de que estavam sob um ataque de guerra híbrida. A terminologia usada pelo presidente Xi Jinping é uma pista da máxima importância. Declarou oficialmente que se tratava de uma guerra. E que tinha de ser declarada uma “guerra popular” como contra-ataque.

Além do mais, o presidente descreveu o vírus como um demónio, ou diabo. Xi é confuciano. Ao contrário de outros pensadores da Antiguidade chinesa, Confúcio tinha relutância em discutir forças sobrenaturais e em fazer juízos sobre o além-túmulo. No entanto, num contexto cultural chinês, demónio significa “demónios brancos”: guailo, em mandarim, gweilo, em cantonês. Xi Jinping proferiu, portanto, uma declaração poderosa e codificada.

Quando Zhao Lijian, um porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, sugeriu num tweet incandescente a possibilidade de que “talvez o Exército dos Estados Unidos tenha trazido a epidemia para Wuhan” – a primeira declaração nesse sentido feita por um responsável de primeiro plano – Pequim lançou um balão de ensaio para sinalizar a hora de tirar as luvas de veludo. Zhao Lijian fez uma associação directa com os Jogos Mundiais Militares realizados em Wuhan em Outubro de 2019, nos quais participou uma delegação de 300 militares norte-americanos.

Zhao Lijian citou directamente o diretor do CDC (Centro de Controlo e Prevenção de Doenças) norte-americano, Robert Redfield, que, quando interrogado sobre se alguma morte por coronavírus fora identificada postumamente nos Estados Unidos, respondeu que “recentemente alguns casos, de facto, tiveram esse diagnóstico nos Estados Unidos”.

A explosiva conclusão de Zhao é a de que o COVID-19 já estava a circular nos Estados Unidos antes de ser identificado em Wuhan – devido à incapacidade norte-americana, agora amplamente documentada, de testar e verificar as diferenças entre o COVID-19 e a gripe comum.

Junte-se tudo isto ao facto de as variações do genoma do coronavírus detectadas no Irão e em Itália terem sido sequenciadas, verificando-se que não pertencem à variedade que infectou Wuhan. Os meios de comunicação social chineses interrogam-se agora abertamente sobre estes factos e estabelecem a ligação entre o encerramento, em Agosto do ano passado, do laboratório militar de armas biológicas em Fort Detrick, considerado “inseguro”, os Jogos Militares e a epidemia em Wuhan. Algumas dessas perguntas já tinham sido levantadas – sem resposta – internamente nos Estados Unidos.

Event 201

Continuam sem resposta outras perguntas sobre o pouquíssimo transparente Event 201, realizado em Outubro de 2019 em Nova York: um ensaio para uma pandemia global provocada por um vírus mortífero – que por acaso era o coronavírus. Essa milagrosa coincidência ocorreu um mês antes do surto do vírus em Wuhan.

O Event 201 teve como patrocinadores a Fundação Bill & Melinda Gates, o Fórum Económico Mundial (WEF), a CIA, a Bloomberg, a Fundação John Hopkins e a ONU. Os Jogos Militares Mundiais começaram em Wuhan exactamente no mesmo dia.

Independentemente de sua origem, que ainda não foi estabelecida de forma conclusiva por mais que Trump fale no “vírus chinês”, o COVID-19 já coloca questões tremendamente graves relativas à biopolítica (onde está Foucault, quando precisamos tanto dele?) e ao bioterror.

A hipótese de trabalho de que o coronavírus é uma bioarma muito poderosa, embora incapaz de provocar o Apocalipse, torna-o um veículo perfeito para um controlo social generalizado – à escala global.

A ascensão de Cuba como potência em biotecnologia

A imagem de Xi usando uma máscara hospitalar ao visitar recentemente a linha da frente em Wuhan foi uma demonstração explícita a todo o planeta de que a China, com enorme sacrifício, está a ganhar a “guerra popular” contra o COVID-19. A Rússia, por seu lado, numa jogada bem ao estilo Sun Tzu contra Riade, cujo resultado final foi um barril de petróleo muito mais barato, ajudou, para todos os efeitos práticos, a relançar a inevitável recuperação da economia chinesa. É assim que uma parceria estratégica funciona.

O tabuleiro de xadrez tem vindo a alterar-se a uma velocidade estonteante. Assim que Pequim identificou o coronavírus como um ataque biológico foi declarada uma “guerra popular”, contando com a força total do Estado chinês. Metodicamente. Custe o que custar. Entramos agora num novo estágio, que será usado por Pequim para recalibrar significativamente a interacção com o Ocidente, e em termos muito diferentes tratando-se ora dos Estados Unidos ora da União Europeia.

O poder brando é de suprema importância. Pequim enviou a Itália um voo da Air China levando 2300 enormes caixas cheias de máscaras com os seguintes dizeres: “Somos ondas de um mesmo mar, folhas de uma mesma árvore, flores de um mesmo jardim”. A China também enviou um robusto pacote de ajuda humanitária ao Irão a bordo – o que é significativo – de oito voos de aviões da Mahan Air – uma companhia aérea actualmente submetida às sanções ilegais e unilaterais do governo Trump.

O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, não poderia ter sido mais explícito: “O único país que pode ajudar-nos é a China. Por esta altura já todos percebemos que a solidariedade europeia não existe. É um conto de fadas que nunca saiu do papel”.

Submetida a sanções severas e demonizada desde sempre, Cuba ainda assim é capaz de façanhas científicas – até mesmo na biotecnologia. O antiviral Heberon – ou Interferon Alpha 2b – uma terapia, não uma vacina, foi usado com muito êxito no tratamento do coronavírus. Uma joint-venture na China produz uma versão inalável e pelo menos quinze países já estão interessados em comprar o medicamento.

Agora compare-se tudo o que acima foi descrito com a oferta do governo Trump para subornar com mil milhões de dólares os cientistas alemães que pesquisam actualmente uma vacina experimental contra o COVID-19 para a empresa de biotecnologia CureVac, sediada na Turíngia, de modo a que o medicamento seja “apenas para os Estados Unidos”.

Uma operação psicológica de engenharia social?

Sandro Mezzadra, coautor com Brett Neilson da obra seminal The Politics of Operations: Excavating Contemporary Capitalism (A Política das Operações: Escavando o Capitalismo Contemporâneo), já está a tentar situar o ponto em que nos encontramos agora em termos da luta contra o COVID-19.

Estamos perante a escolha entre uma vertente malthusiana – inspirada pelo darwinismo social – “liderada pelo eixo Johnson-Trump-Bolsonaro” e, do outro lado, uma vertente que aponta para a “requalificação da saúde pública como instrumento fundamental”, a exemplo da China, da Coreia do Sul e da Itália. Há lições importantes proporcionadas também por Coreia do Sul, Taiwan e Singapura.

A opção dura, observa Mezzadra, é entre “uma seleção natural da população”, com milhares de mortos, e a “defesa da sociedade” através do emprego de “graus variáveis de autoritarismo e controlo social”. É fácil imaginar quem teria a ganhar com esta reengenharia social, uma remix para o século XXI de A Máscara da Morte Vermelha, de Poe.

No meio de tanta ruína e desalento, contem com a Itália para nos oferecer nuances luminosas ao estilo de Tiepolo. A Itália escolheu a opção Wuhan, com consequências imensamente graves para sua já frágil economia. Os italianos em quarentena reagiram de forma extraordinária, cantando nas varandas: um verdadeiro acto de revolta metafísica.

Para não mencionar a justiça poética do facto de a verdadeira Santa Corona (coroa, em latim) estar enterrada na cidade de Anzu desde o século IX. Santa Corona foi uma cristã morta sob o imperador Marco Aurélio no ano 165 e é, há séculos, uma das santas protectoras das epidemias.

Nem mesmo a chuva de biliões de dólares por acto da divina misericórdia do FED (Reserva Federal, Banco Central norte-americano) foi capaz de curar o COVID-19. Os dirigentes do G-7 tiveram de recorrer a uma videoconferência para se darem conta de que não sabem absolutamente nada – mesmo que a luta chinesa contra o coronavírus tenha dado ao Ocidente uma vantagem de várias semanas.

O Dr. Zhang Wenhong, de Xangai, um dos maiores especialistas em doenças infecciosas da China, cujas análises até agora foram de uma exactidão surpreendente, diz que o país está a sair dos piores dias da “guerra popular” contra o COVID-19. Mas não acredita que tudo esteja terminado no Verão. Extrapole-se agora o que ele diz para o mundo ocidental.

Estamos a entrar ainda na Primavera e já sabemos que é necessário um vírus para esmagar sem dó nem piedade a Deusa do Mercado. Na sexta-feira, 13 de Março, o Goldman Sachs afirmou a 1500 empresas que não existia risco sistémico. Isto é falso.

Fontes do sistema financeiro de Nova York contaram-me a verdade: o risco sistémico tornou-se muito mais grave em 2020 que em 1979, 1987 ou 2008, devido ao perigo imensamente maior de um colapso do mercado de derivados de 1,5 triliões (milhares de biliões) de dólares.

Segundo essas fontes, nunca houve na história algo semelhante à intervenção do FED por meio da sua pouco entendida eliminação das exigências de reservas para os bancos comerciais, desencadeando uma expansão potencialmente ilimitada do crédito a fim de evitar uma implosão dos derivados oriunda do total colapso do mercado de commodities e de acções em todo o mundo.

Esses banqueiros pensavam que isto iria funcionar mas, como sabemos agora, todo esse som e fúria nada significaram. O fantasma de uma implosão de derivados – nesse caso não provocada pela possibilidade anterior, o encerramento do Estreito de Ormuz – continua a existir.

Mal começámos ainda a entender as consequências do COVID-19 para o futuro do turbo-capitalismo neoliberal. O certo é que toda a economia mundial foi atingida por um curto-circuito insidioso e literalmente invisível. Isto talvez seja apenas uma “coincidência”. Ou pode ser, como alguns ousadamente sugerem, parte de uma possível operação psicológica massiva de modo a criar o ambiente perfeito, em termos geopolíticos e de engenharia social, para o domínio de amplo espectro

Além do mais, ao longo da árdua caminhada que temos pela frente, com o seu imenso e inevitável sacrifício humano e económico, com ou sem uma reinicialização do sistema mundial, uma questão da máxima urgência continua a impor-se: as elites imperiais optarão, ainda assim, por dar continuidade à sua guerra híbrida de espectro total contra a China?


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