O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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ACÇÕES CONTRA VACINA RUSSA CHEGAM ÀS REDES SOCIAIS

2021-01-19

Os gigantes tecnológicos de Silicon Valley proprietários das redes sociais e cada vez mais os controladores absolutos da internet decidiram suspender a conta Twitter da vacina russa contra a Covid-19, Sputnik V, alegando ter detectado “actividades suspeitas” com origem no Estado norte-americano da Virgínia, que alberga a sede da CIA e de outras agências de espionagem dos Estados Unidos. Embora a conta tenha sido reactivada algum tempo depois, ficou dado mais um sinal de poder dos gigantes privados que se assumem de uma maneira mais evidente a cada dia que passa como os grandes filtros censórios da comunicação social globalizada.

Alan MacLeod, MintPress/O Lado Oculto

A conta do Twitter da vacina russa Sputnik V foi suspensa depois de os impérios tecnológicos de Silicon Valley – Google, Facebook, Oracle, entre outros – nela terem detectado “actividades suspeitas”. O que faz erguer ainda mais as sobrancelhas de desconfiança é o local identificado como a origem desses movimentos de hackers: a Virgínia, nos Estados Unidos.

A situação levou imediatamente os fiscais da internet a tentar averiguar quem estaria por detrás dos supostos actos de pirataria. “E quem poderia querer sabotar uma iniciativa global de saúde de um dos inimigos oficiais de Washington?”, interrogou-se Morgan Artyukhina, antigo colaborador de MintPress. De uma maneira óbvia, a Virgínia é o lar de muitas agências norte-americanas de segurança nacional envolvidas na guerra online, incluindo a CIA. Muitos utilizadores das redes sociais comentaram a situação como o resultado de um ataque fracassado contra os canais da vacina russa. A conta desta no Twitter acabou por ser restaurada.

Interesses contra a saúde pública

Baptizada com o nome do primeiro satélite artificial colocado na órbita da Terra, a vacina russa da Covid-19 está entre as primeiras a serem desenvolvidas e colocadas no mercado. Uma vez que as nações economicamente mais poderosas optaram por comprar grandes quantidades de vacinas ocidentais ainda em fase experimental, antes mesmo de aprovadas, a Sputnik V está a ser administrada principalmente na Rússia, Ásia e América Latina. Cerca de 750 milhões de doses foram já encomendadas por 50 países, incluindo 200 milhões pela Índia e 160 milhões pela Federação Russa. Enquanto isso, o Brasil encomendou 100 milhões e o México 24 milhões. Bolívia, Argentina e Venezuela são igualmente clientes importantes.

Em Dezembro, a Hungria tornou-se o primeiro país da União Europeia a comprar as vacinas russas, não sendo ainda de excluir a possibilidade de a distribuição ser mais alargada no continente europeu tendo em conta as muitas vicissitudes que envolvem os ensaios de terapia genética que os fabricantes como a Pfizer e a Moderna qualificam como “vacinas”.

No caso da vacina russa, produzida de acordo com as técnicas tradicionais, os testes foram também alargados a vários países do Sul Global, tonando-se alguns deles igualmente produtores. Neste momento a Sputnik V é produzida em nove países.

Tal como no caso de outras vacinas, a variante russa deve ser administrada em duas doses, com duas semanas de intervalo. Deverá ser armazenada a temperaturas de -18 graus Celsius.

A Sputnik V foi desenvolvida pelo Gamaleya Institute de Moscovo. É uma vacina de vector viral, o que significa que usa outro vírus para transportar o ADN que codifica a resposta imune pretendida das células. Os genes codificadores das proteínas do coronavírus foram inseridos em dois vírus de gripe comum geneticamente modificados para que não possam ser replicados no corpo humano. Os resultados dos testes sugerem uma eficácia entre 91 e 95%, da mesma ordem da declarada nos casos da Moderna e da Pfizer/ BioNTech – utilizando estas técnicas nunca usadas e testadas em vacinas humanas.

Há vários meses que dirigentes políticos e a comunicação social corporativa dos países ocidentais montaram uma campanha lançando dúvidas e implantando o medo sobre a segurança e a eficácia do produto russo, descrevendo-o como “polémico” (The Guardian) ou “apressado” (BBC) – apesar de a Comissão Europeia se ter comprometido a comprar centenas de milhões dos medicamentos de terapia genética da Pfizer e da Moderna quando nem sequer existiam resultados de testes, mesmo não tendo sido cumprida a fase de experimentação em animais. Outros meios de comunicação como a CNN e a CNBC caracterizaram a vacina russa como insegura e ineficaz. 

Reprodutores da guerra fria

Estes episódios não podem propriamente considerar-se surpreendentes tendo em conta a russofobia manifestada pela comunicação social corporativa que influencia a opinião pública à escala global.

É muito conhecida a versão posta a circular pelas chefias do Partido Democrata dos Estados Unidos alegando que o governo de Moscovo interferiu nas eleições norte-americanas de 2016 fazendo-as pender para o lado de Trump. O que foi completamente desmontado pelas próprias investigações oficiais norte-americanas, mas continua a fazer o seu caminho.

De acordo com as mesmas versões, o presidente russo, Vladimir Putin, teria em seu poder dados comprometedores contra Donald Trump, transformando este numa espécie de “candidato siberiano”. A russofobia na casta política democrata atingiu tais níveis que o ex-chefe da inteligência nacional, James Clapper, compareceu no programa Meet the Press da NBC para afirmar que os russos são “geneticamente levados a recrutar, infiltrar-se e a procurar favores”. Não se conhece qualquer acção de repúdio por esta declaração xenófoba.

Da mesma maneira, as chefias do Partido Democrata viram a mão russa por detrás do recente assalto ao edifício do Capitólio, em 6 de Janeiro.

Nancy Pelosi, a democrata que preside à Câmara dos Representantes, declarou que, com o assalto, Trump “deu a Putin o maior de todos os seus presentes, uma vez que o objectivo deste é diminuir a visão da democracia no mundo” e a acção contra o Capitólio “foi uma ferramenta de Putin para isso”.

Ben Rhodes, conselheiro do ex-presidente Barack Obama, declarou por ocasião da operação terrorista que “este é o dia pelo qual Vladimir Putin esperou desde que teve de deixar a Alemanha Oriental como um jovem oficial do KGB”. Já Omer Benjakob escreveu no israelita Haaretz que “o golpe no Capitólio foi uma vitória impressionante da campanha de desinformação de Putin”.

É relevante notar, no entanto, que embora os democratas apresentem Trump como alguém controlado por Putin a verdade é que o presidente cessante adoptou uma política extremamente agressiva em relação a Moscovo. Continuou a apoiar e armas as forças nazis na Ucrânia na sequência do golpe da Praça Maidan, aumentou as sanções contra a Rússia, bombardeou uma base militar russa na Síria e abandonou tratados cruciais de desarmamento nuclear.

Como consequência, a opinião dos norte-americanos sobre a Rússia continuou a degradar-se. Ainda em 2011, a grande maioria dos norte-americanos inquiridos em sondagens tinham uma opinião positiva da Rússia. Hoje os pareceres favoráveis estão em 28%, contra 72% dos desfavoráveis. Na fase final da guerra fria, em 1989, 62% dos inquiridos encaravam a União Soviética como “altamente” ou “principalmente” favorável, de acordo com dados históricos do Instituto Gallup.

Apesar das campanhas ocidentais contra a vacina russa da Covid-19, a Sputnik V é considerada um instrumento de valor superior e muito fiável no Sul Global, de acordo com um estudo realizado em 11 nações e conduzido pelo grupo de pesquisas britânico YouGov. 

Muito embora a questão russa continue a ser central na política dos Estados Unidos, o mais provável é que esta história de pirataria em torno da Sputnik V e consequente silenciamento temporário da sua conta no Twitter mereça muito menos destaque do que outros supostos episódios aos quais é atribuído o dedo “inconfundível” de Moscovo.


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