ARMAS NUCLEARES: O HOLOCAUSTO ANUNCIADO

2018-10-18
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
A existência de armas nucleares, estratégicas e/ou táticas, representa uma terrível ameaça para a Humanidade. A detonação de uma pequena fração das armas existentes seria suficiente para acabar com a vida na Terra. Não só a vida humana mas a vida como a conhecemos hoje na sua imensa variedade de animais plantas, vírus, bactérias e fungos.
Um grupo de países e organizações não-governamentais levou à Organização das Nações Unidas (ONU) uma proposta de Tratado para a Proibição das Armas Nucleares. O tratado foi aprovado em Julho de 2017.
Tratado de Proibição de Armas Nucleares
Na votação nas Nações Unidas que aprovou o Tratado, um total de 122 Estados votaram a favor e apenas a Holanda votou contra. Os países detentores de armas nucleares e outros países, 68 ao todo, não votaram e registou-se a abstenção de Singapura.
Estes Estados estão, como se lê no preambulo do Tratado, “Profundamente preocupados com as consequências humanitárias catastróficas que resultariam de qualquer uso de armas nucleares, e reconhecendo a consequente necessidade de eliminar completamente tais armas, forma que continua a ser a única maneira de garantir que as armas nucleares nunca serão usadas de novo sob quaisquer circunstâncias” (UNODA, 2017).
Para que o Tratado entre em vigor é, agora, necessário que 50 Estados o ratifiquem.
Os Estados mais envolvidos na defesa do Tratado foram o Brasil, o Egipto, o México, a África do Sul e a Nova Zelândia. Um grupo heterogéneo de países de média dimensão ameaçados por vizinhos armados de armas nucleares. Da Europa, a Irlanda e a Áustria juntaram-se a este grupo promotor.
Portugal não assinou o acordo.
Ao contrário de Portugal, a grande maioria dos países de expressão portuguesa, Angola, Brasil, Cabo-verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste assinaram o acordo. Portugal e Moçambique ficaram isolados.
Entretanto já 19 países ratificaram o acordo e a meta dos 50 parece cada vez mais plausível (Quadro 1). Curioso constatar que foi o Vaticano, a Santa Sé, o primeiro país a ratificar o acordo.
Em Portugal, várias organizações, incluindo o Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC), têm vindo a pugnar para que o nosso país se junte aos 122 signatários deste importante Tratado.
Quadro 1
Países que ratificaram o Tratado de Proibição de Armas Nucleares

Evolução das Armas Nucleares
Se bem que o número de ogivas nucleares tenha atingido o seu pico na década de 80 do século XX e tenha depois declinado significativamente, o poder destruidor não diminuiu.
Quadro 2
Número estimado de ogivas nucleares no Mundo

A redução dos arsenais estratégicos nucleares americanos e russos nos últimos anos resulta do tratado New START (Strategic Arms Reduction Treaty – Tratado de Redução de Armas Estratégicas) assinado em 2010 entre estas duas potências e que veio substituir o anterior tratado START.
O tratado START assinado em 1991 entre a ainda União Soviética e os Estados Unidos permitiu a grande redução do armamento nuclear que se deu na década de 90 do século passado e a primeira década do século XXI. O tratado expirou em 2009, sendo substituído pelo New START.
Bombas cada vez mais sofisticadas e mais destrutivas
Desde o fim da II Grande Guerra que as armas nucleares têm vindo a evoluir no sentido de se tornarem cada vez mais sofisticadas e destrutivas.
Inicialmente apenas podendo ser lançadas de bombardeiros, elas podem ser hoje disparadas de foguetões que percorrem grandes distância em poucos minutos, de submarinos ou mesmo de plataformas terrestres.
A precisão dos misseis que transportam ogivas nucleares sofisticou-se com o uso de novas tecnologias sendo hoje praticamente milimétrica. Por seu lado as bombas são mais pequenas e mais leves, permitindo que um mesmo veículo de transporte carregue diversas ogivas que se separam na fase final do percurso para atingir múltiplos alvos.
A rapidez do transporte também se dilatou enormemente, mas acima de tudo aumentou a potência destrutiva das bombas. Em Hiroxima a potência da explosão que destruiu a cidade era de cerca de 15 quilotoneladas, isto é equivalente à explosão de 15.000 quilos de dinamite; já a de Nagasaki foi superior, situando-se nas 20 quilotoneladas.
Hoje uma bomba tática como a B 61-12 que referimos acima tem uma potência que pode atingir as 340 quilotoneladas, i.e. 22 vezes mais potente que a bomba de Hiroxima que, quando rebentou, matou imediatamente mais de 30% da população da cidade.
Mas as mais potentes, de caracter estratégico, atingem potências da ordem das megatoneladas. A bomba B83, por exemplo, pode atingir as 1,2 megatoneladas, cerca de 60 vezes mais do que a bomba de Nagasaki.
Hoje, uma única bomba pode matar imediatamente grande parte dos habitantes de um país de média dimensão.
Um perigo nas mãos de qualquer pessoa, grupo ou Estado.
Armas nucleares próprias
Oito países têm declaradamente armas nucleares. Dois deles concentram a esmagadora maioria delas. Rússia e Estados Unidos, em conjunto, possuem mais de 93% de todas as armas existentes do planeta.
Destes oito países, cinco são designados Estados Nuclearizados ou NWS (nuclear-weapon states) pelo Tratado de Não Proliferação (NPT). Os dois citados mais a França, Reino Unido e República Popular da China.
Três outros não assinaram o NPT e desenvolveram as suas próprias armas, a Índia e o Paquistão. A Coreia do Norte detém a tecnologia, já promoveu testes nucleares tendo detonado várias bombas. Estima-se que tenha entre zero e 15 bombas.
O único país que mantém um silêncio completo não revelando a sua posse é Israel, que se supõem ter entre 75 e 400 ogivas nucleares. Esta ambiguidade é ilegal face a todos os tratados em vigor e, contudo, Israel não é obrigado a revelar a realidade nem a desarmar-se. Veja-se, pois, o contraste com a Coreia do Norte.
Contando com Israel serão nove países a deter armas nucleares, mas apenas dois tem arsenais verdadeiramente gigantescos.
Recordemos, contudo, que uma única bomba hoje equivale a dezenas de bombas das usadas contra o Japão.
Armas Nucleares Partilhadas

Todos os países com armas nucleares partilhadas pertencem à NATO; um único país “partilha” as suas armas nucleares: os Estados Unidos.
Esta prática é, segundo vários juristas, ilegal à luz do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – “Desde a década de 1950, os Estados Unidos estão envolvidos na partilha de armas nucleares com seus aliados da NATO. Hoje, entre 150 a 200 armas nucleares táticas permanecem no solo europeu. No entanto, o Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) proíbe a transferência de armas nucleares para Estados que não tenham armas nucleares” (Khalessi,2015).
As armas nucleares partilhadas mais comuns são as da classe B 61, bombas táticas e que são lançadas por aviões, nomeadamente os bombardeiros Tornado desenvolvidos conjuntamente pelo Reino Unido, Itália, Alemanha. As recentes bombas B61-12 são “uma nova arma. Sendo uma munição nuclear guiada, ela pode atingir alvos com muito mais precisão do que as suas antecessoras. A capacidade de penetrar abaixo da superfície tem implicações significativas para os alvos endurecidos, dentro do alcance do B61-12” (Korzun, 2016). Uma arma da nova geração, muito flexível, de potência ajustável e de grande precisão, considerada pelos especialistas a que mais facilmente os Estados Unidos podem ser tentados a usar.
Quadro 3
Países com armas nucleares “partilhadas”

O armamento nuclear cada vez mais sofisticado e destrutivo, hoje simples armas nucleares táticas tem um potencial explosivo equivalente a duas dezenas de bombas semelhantes à de Hiroxima, representa um enorme perigo para a Humanidade e para a vida na Terra.
A única forma de eliminar este perigo de aniquilação total passa por eliminar todo o arsenal nuclear.
A grande maioria dos países do mundo, preocupados com este perigo, assinou um Tratado de Proibição de Armas Nucleares que está agora em fase de ratificação, sendo que 19 países já o fizeram.
Portugal ficou de fora. Não assinou o tratado. Portugal não possui armas nucleares e é ameaçado pela sua existência nas mãos de terceiros, que a todo o momento as podem usar contra nós.
É, pois, do nosso interesse apoiar os esforços internacionais para que estas armas sejam banidas.
*Economista, MBA
Referências
Khalessi, Daniel (2015) “Strategic Ambiguity: Nuclear Sharing and the Secret Strategy for Drafting Articles I and II of the Nonproliferation Treaty”, The Nonproliferation Review, Volume 22 Número 3-4, pp 421-439
Korzun, Peter (2016) Donald Trump’s Stance on B61-12: Issue of Fundamental Importance, Stategic Culture Foundation, [online] https://www.strategic-culture.org/news/2016/12/04/trump-stance-b61-12-issue-fundamental-importance.html, acedido a 16 de Outubro 2018
Kristensen, Hans M. e Robert S. Norris (2018) “United States nuclear forces, 2018”, Bulletin of the Atomic Scientists, Volume 74, Número 2, pp 120-131
Nassauer, Otfried (2001) “Nuclear Sharing in NATO: Is it Legal?”, Science for Democratic Action, Volume 9, Número 3, pp 1-5
Peter KORZUN
UNODA - United Nations Office for Disarmament Affaires (2017) Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons – Signature and Ratification, UNODA