AS AMBIÇÕES DA ALEMANHA NO MÉDIO ORIENTE
2020-01-30
Thierry Meyssan, Reseau Voltaire/O Lado Oculto
Setenta e cinco anos depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha pretende voltar a ser uma potência na cena internacional. Escolheu o Médio Oriente para fazer esse regresso. Mas é difícil e perigoso elevar-se a este nível sem qualquer outra experiência que não seja a histórica.
De acordo com o plano redigido em 2013 por Volker Perthes, que foi embaixador em Beirute, a Alemanha prepara-se para substituir soldados norte-americanos no Médio Oriente. E manifesta-se impaciente depois de ter sido privada, durante 75 anos, do papel internacional que acredita pertencer-lhe. Trata-se, para Berlim, de uma questão de honra nacional.
A Alemanha pretende utilizar o seu exército “para estabelecer a paz” onde quer que seja, apesar de ser o país que teve de suportar as guerras perdidas do nazismo.
Campanha de ilusões
Em primeiro lugar, a Alemanha esperou entrar vitoriosa em Damasco ao lado dos bravos “democratas” que se acantonam em Idleb. Porém, estes nada mais são do que jihadistas! Depois teve esperança de substituir os soldados norte-americanos no Norte da Síria quando o presidente Donald Trump anunciou, pela segunda vez, a sua retirada. Infelizmente ele voltou atrás, cedendo ao Pentágono. A Alemanha absteve-se de intervir durante a operação turca contra os curdos do PKK/YPG, tendo em conta a forte população imigrada de origem turca e curda. Então imaginou cobrir as suas actuações sob um alibi humanitário, apresentando um projecto de resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas e suscitando vetos indignados da Rússia e da China.
Em Outubro de 2019, Berlim enviou discretamente peritos para tactear terreno junto do presidente egípcio, Abd al-Fattah al-Sissi, e do emir do Qatar, sheik Tamim Hamad Al-Thani. Depois fixou-se definitivamente na Líbia e organizou a conferência de Berlim em 19 de Janeiro de 2020.
Fracasso na Líbia
Mais uma vez não passou de uma estocada na água. Os dois principais rivais líbios, Fayez el-Sarraj e Khalifa Haftar, nem sequer se falaram. Mas a chanceler Merkel recebeu, na ocasião, o apoio unânime da sua classe dirigente para “investir na paz”. O comunicado final da reunião expõe a visão imaginária de um cessar-fogo que ninguém deseja e de um exército alemão a fazê-lo respeitar.
O que não é fácil de entender no Médio Oriente depois de 75 anos de ausência, não apenas na região mas na arena internacional.
Talvez a Alemanha encontre uma nova ocasião com o seu aliado militar de sempre, a Turquia. Mas não parece fácil: a União Europeia tem 2600 milhões de euros em atraso no pagamento do Pacto das migrações, revelou o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Çavusoglu. Berlim e Ancara não deixaram de se enfrentar desde a tentativa de golpe de Estado de 2016 e do meio milhão de prisões que se seguiu, designadamente de 59 cidadãos alemães que continuam detidos. E confrontam-se de novo a propósito da exploração de gás natural no Mediterrâneo.
Mas existem ainda muitos laços históricos entre os dois países, para o melhor e para o pior (Rudolf Hess participou no genocídio dos não-muçulmanos perpetrado pelos Jovens Turcos, depois tornou-se director do campo de extermínio de Auschwitz, antes de ser condenado à morte pelo tribunal de Nuremberga). Laços humanos também porque a mais importante comunidade turca expatriada reside na Alemanha desde a guerra fria. A República Federal acolheu igualmente os dirigentes da Irmandade Muçulmana depois da tentativa de golpe de Estado de Hama (Síria) em 1982 e criou-lhes um gabinete especial no Ministério dos Negócios Estrangeiros no início da guerra contra a Síria.
A chanceler Angela Merkel deslocou-se entretanto a Istambul para inaugurar um novo campus da universidade germano-turca e declarou mais uma vez a vontade do seu país em “ajudar” a região. Por exemplo, propôs a construção de dez mil habitações para as pessoas que cheguem de Idleb. Mas falava de civis ou de jihadistas?