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MACEDÓNIA NA NATO PELA MÃO DE TSIPRAS

Alexis Tsipras celebra com o seu homólogo macedónio, Zoran Zaiev, a vitória da NATO. A tutelar da "política externa" da União Europeia aplaude

2018-09-03

Louise Nyman, Skopje

A Antiga República Jugoslava da Macedónia (FYROM), agora em trânsito para se designar Macedónia do Norte, iniciou em meados de Julho a via-sacra de submissão que a levará ao seio da NATO, que assim avançará um pouco mais na conquista dos Balcãs à custa de mais uma população maioritariamente cristã ortodoxa, logo “próxima dos russos”.

Este processo dito de “negociação da adesão” ao atlantismo, que foi antecedido de alguns acertos regionais patrocinados pela NATO, a União Europeia e as Nações Unidas, é de importância estratégica para os promotores, a pontos de ter merecido, há três anos, uma tentativa de golpe de Estado replicando o método que conduziu a Ucrânia à situação em que hoje se encontra – dita “democrática”. A manobra fracassou, mas a ulterior activação de contradições dentro da classe dirigente do território macedónio acabou por proporcionar as condições equivalentes e suficientes às pretendidas através da intentona.

Nesses acertos para desimpedir o caminho expansionista da NATO participou, de forma empenhada, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, concretizando assim mais uma das suas rápidas conversões ao sistema de globalismo militarista – depois da fulminante aliança com o primeiro-ministro sionista, Benjamin Netanyahu.

A importância da integração da ex-república jugoslava na NATO é tal que determinou, numa penada, a pretensa solução de uma velha disputa territorial e de baptismo envolvendo a Grécia e as sucessivas administrações desta região macedónia. A chave do problema era simples, afinal, ou assim a tornaram a presença tutelar das bandeiras das Nações Unidas, da União Europeia e sobretudo da NATO – a esta bastou-lhe estar simbolicamente.

De um lado Tsipras; do outro, Zoran Zaiev, o primeiro-ministro “socialista” neoliberal da FYROM – em favor do qual a CIA promoveu a tentativa de golpe de Maio de 2015 – enterraram em poucas horas, entre sorrisos e brindes, uma contenda de séculos.

A Macedónia ex-jugoslava vai chamar-se Macedónia do Norte, permanecendo a designação da província grega da Macedónia inalterada, embora fosse de supor que deveria passar a ser Macedónia do Sul.

Do território ex-jugoslavo têm de desaparecer, entretanto, quaisquer alusões à figura e à memória do imperador Alexandre o Grande. Assim sendo, o aeroporto de Skopje, a capital, tem de mudar de nome; e as estátuas do lendário conquistador distribuídas pelo território terão de ser apeadas, para assim tentar apagar memórias de 24 séculos.

Para a oposição macedónia, que permitiu a Zaiev chegar à chefia do governo por não conseguir entender-se, apesar de a sua maioria ter elegido o presidente George Ivanov, trata-se de “uma capitulação”; do lado grego há também factos demonstrativos de que Tsipras tem “as orelhas a arder” por causa da ligeireza com que, pretensamente, resolveu o assunto. Nada que a NATO não resolva com grande simplicidade, sobretudo quando a totalidade da Macedónia estiver no seio da Aliança – mesmo que a fronteira permaneça.

“We love NATO” – mas pouco

Para celebrar não o acordo – que o mainstream global festejou desgastando ainda mais o adjectivo “histórico” – mas sim a abertura das portas da NATO à Macedónia, o primeiro-ministro Zoran Zaiev mandou organizar nada menos que 15 concertos musicais, a transmitir também através das rádio e televisão públicas.

A verdade é que a população do país não se irmanou ao chefe do governo na onda de euforia e os concertos tiveram que ser todos cancelados por falta de frequentadores. São numerosos os macedónios que se recordam das atrocidades cometidas pela NATO na vizinha Sérvia, utilizando como pretexto vagas de migrantes forçadas e manipuladas que causaram profundos problemas também no território, a acrescentar aos decorrentes da guerra para destruição da Jugoslávia.

Esta é outra realidade que em nada incomoda a NATO. O essencial para a organização é que a Macedónia irá acrescentar-se à Geórgia e Montenegro, novas aquisições a somar às integrações de facto da Ucrânia e do Kosovo, embora estas não contem para o total de membros institucionais. Na sua maioria territórios ou vizinhos da Federação Russa ou culturalmente próximos dos russos. E o motor da NATO é, recorda-se, a eterna “ameaça russa”.

O “socialista” Zoran Zaiev é há muito o peão da estratégia da NATO para a Macedónia, onde a maioria cristã ortodoxa do país não sente particular entusiasmo pela organização.

A tentativa de golpe promovida em 2015 com envolvimento da NATO e execução da CIA visou levá-lo directamente ao poder, uma vez que esse objectivo não parecia fácil, nem rápido, através de eleições.

Por isso, em Maio desse ano o Partido Social Democrata organizou uma manifestação contra o “autoritarismo nacionalista”, durante a qual um grupo de mascarados deveria promover um “levantamento” semelhante ao da Praça Maidan em Kiev, na Ucrânia.

A manobra foi detectada previamente, verificando-se que o grupo infiltrado era composto, em grande parte, por fundamentalistas islâmicos do Exército de Libertação do Kosovo, UCK, um conhecido braço da NATO para a guerra da Jugoslávia em que assenta o governo secessionista da província sérvia.

O chefe dos terroristas, morto durante o assalto, era Fadil Fejzullahu, conhecido pelas suas ligações ao embaixador norte-americano em Skopje, Paul Wohllers. Outro dos participantes identificados era membro do corpo de segurança do primeiro-ministro do Kosovo, o terrorista islâmico Ramush Haradinaj, protegido pela KFOR.

Zaiev chegou à chefia do governo três anos depois devido a uma série de rupturas na maioria social que contribuiu para eleger o actual chefe de Estado, o independente George Ivanov.

Uma prova segundo a qual a NATO viu com muito bons olhos a tentativa de golpe é uma declaração posterior feita pelo secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, não condenando a operação terrorista mas considerando-a fruto de “uma oposição étnica legítima”.

Uma história de petróleo e gás

As manobras externas em torno da FYROM relacionam-se igualmente com os esforços norte-americanos para frustrar as tentativas de abastecimento da Europa Central e Ocidental com petróleo e gás russos.

A Macedónia é um dos países pelo qual está previsto passar o pipeline Tesla, um prolongamento do Turk Stream que levará petróleo de origem russa através da Turquia também para a Grécia, Sérvia, Hungria e Áustria.

As pressões norte-americanas já tinham anteriormente criado dificuldades que conduziram ao fracasso do South Stream e que contribuíram para a criação do Turk Stream como alternativa.

Os esforços norte-americanos relacionam-se também com a necessidade de impedir alternativas ao projecto que escoamento de gás natural norte-americano desembarcado no terminal da ilha de Krk, na Croácia, e que abastece vários países da Europa Central e Oriental a preços exorbitantes.

A integração da Macedónia na NATO e, desde já, na sua esfera de influência, torna o país mais muito mais vulnerável às exigências para que marginalize projectos de origem russa, ainda que vantajosos para a população do território.

 

 


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