“NATO 2030”: QUANDO O AGRESSOR SE FAZ DE VÍTIMA
2021-02-08
O relatório “NATO 2030: Unida para uma Nova Era”, elaborado por um conjunto de peritos fundamentalistas do belicismo convidados pelo secretário-geral, é um catálogo inquietante de reflexões atlantistas em que as ameaças e os preparativos de guerra – incluindo com meios nucleares – surgem apresentados como necessidades de defesa colectiva de uma entidade que se diz cercada por todos os lados. Segundo este cenário, a Rússia respondeu “com agressão” à “mão estendida” que a NATO lhe apresentou; e as actividades económicas e as tecnologias da China são “ameaças à segurança” dos aliados. Assim sendo, que venham mais mísseis e bombas nucleares para a Europa.
Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto
A NATO olha para o futuro. Para isso, o secretário-geral, Jens Stoltenberg, convocou em 4 de Fevereiro, por videoconferência, estudantes e dirigentes jovens dos países da aliança para que propusessem “novas ideias para a NATO 2030”. A iniciativa fez parte do envolvimento crescente de universidades e escolas, e que integra, inclusivamente, um concurso subordinado ao tema: “Quais serão as maiores ameaças contra a paz e a segurança em 2030 e como deverá a NATO adaptar-se para combatê-las?”.
Os jovens dispõem já de um livro de textos para abordarem este tema: “NATO 2030: United for a New Era” (Unida para uma Nova Era), o relatório apresentado por um grupo de dez peritos designados pelo secretário-geral. Entre eles, o francês Hubert Védrine, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Lionel Jospin na presidência de Jacques Chirac; e a italiana Marta Dassù, que depois de ter sido conselheira de política externa do primeiro-ministro Massimo D’Alema durante a guerra da NATO contra a Jugoslávia, assumiu importantes cargos nos governos seguintes e foi designada pelo primeiro-ministro Matteo Renzi para o Conselho de Administração da Finmeccanica (actualmente Leonardo), a maior indústria de guerra italiana.
Qual é a “nova era”, de acordo com o grupo de peritos? Depois de ter definido a aliança como a entidade “com maior êxito na história”, que pôs fim a duas guerras (contra a Jugoslávia e a Líbia que a NATO, pelo contrário, desencadeou), o relatório traça um retrato do mundo caracterizado por “Estados autoritários que tentam expandir o seu poder e a sua influência”, lançando assim aos aliados membros da organização “um desafio sistémico em todos os domínios da segurança e da economia”. Invertendo os factos, o relatório defende que, enquanto a NATO estendeu amigavelmente a mão à Rússia, esta respondeu com “a agressão na área Euro-Atlântica” e, violando os acordos, “provocou o fim do Tratado sobre as forças nucleares de médio alcance”. A Rússia, sublinham os peritos, “é a principal ameaça que a NATO tem diante de si nesta década”. Ao mesmo tempo, acrescentam, a NATO tem à sua frente crescentes “desafios contra a segurança colocados pela China”, entre os quais as actividades económicas e as tecnologias podem ter “um impacto sobre a defesa colectiva e a preparação militar na área de responsabilidade do Comando Supremo Aliado na Europa” (sempre comandado por um general norte-americano designado pelo presidente dos Estados Unidos).
“Reforçar o papel político”
Depois de ter lançado o alarme sobre estas “ameaças” e algumas outras, que vêm também do Sul do mundo, o relatório dos dez peritos recomenda que seja “cimentada a centralidade da ligação transatlântica”, isto é, o laço entre a Europa e os Estados Unidos sob comando norte-americano. Ao mesmo tempo recomenda “o reforço do papel político da NATO”, sublinhando que “os aliados devem reforçar o Conselho do Atlântico Norte”, o principal órgão político da aliança, que se reúne ao nível dos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros e também ao nível dos chefes de Estado e de governo. Uma vez que, segundo as normas da NATO, o Conselho do Atlântico Norte não toma decisões por maioria, “mas sempre por unanimidade e de comum acordo”, isto é, fundamentalmente de acordo com o que for decidido em Washington, o ulterior reforço deste órgão significa um correspondente enfraquecimento dos parlamentos europeus, designadamente os dos membros da União Europeia, já hoje privados de verdadeiros poderes de decisão em política externa e militar.
Neste quadro, o relatório propõe que sejam potencializadas as forças da NATO, sobretudo as do flanco oriental, dotando-as de “capacidades militares nucleares adequadas”, adaptadas à situação criada pelo fim do Tratado sobre as forças nucleares de médio alcance, INF (desmantelado pelos Estados Unidos).
Por outras palavras, os peritos pedem aos Estados Unidos que acelerem os prazos para colocar na Europa não apenas as novas bombas nucleares B61-12 mas também novos mísseis nucleares de médio alcance análogos aos euromísseis dos anos oitenta. Pedem, em particular, que “continuem e sejam revitalizados os acordos de partilha nuclear”, que permitem a países formalmente não-nucleares como a Itália, a Bélgica, a Holanda e a Alemanha, preparar-se para a utilização de armas nucleares sob comando dos Estados Unidos. Os dez peritos relembram, enfim, que é indispensável que todos os aliados respeitem o compromisso, assumido em 2014, de aumentarem até 2024 as suas despesas militares para pelo menos 2% do PIB.
Eis, portanto, o preço a pagar para tirar proveito daquilo que o relatório define como “os benefícios de estar sob o chapéu-de-chuva da NATO”.