PUTIN E XI JINPING REFORÇAM COOPERAÇÃO E COORDENAÇÃO
2020-07-14
O acontecimento passou quase despercebido mas fica como um marco nos actuais desenvolvimentos geopolíticos, geoestratégicos e geoeconómicos globais: os presidentes da Rússia e da China Popular realizaram uma “cimeira telefónica” em 8 de Julho na qual aprofundaram as estratégias de colaboração e coordenação, a todos os níveis, entre os dois gigantes. Além de reforçarem a sua aliança tendo como referência o quadro estabelecido pela Carta das Nações Unidas e o multilateralismo, a igualdade entre os povos e os Estados, Vladimir Putin e Xi Jinping não hesitaram em solidarizar-se mutuamente com recentes movimentos políticos nos dois países como o referendo constitucional na Rússia e a entrada em vigor da lei de segurança nacional em Hong Kong.
José Reinaldo de Carvalho, Resistência/O Lado Oculto
Sem qualquer registo visível nos meios de comunicação ocidentais, os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, conversaram por telefone na última quarta-feira (8 de Julho). Um episódio que, como veremos, tem impacto ponderável na situação global.
Perante as dificuldades criadas pela pandemia da COVID-19 para a realização de reuniões presenciais, a conversa teve o conteúdo de uma cimeira, com ambos os líderes tratando de assuntos com o maior significado não só para as relações bilaterais mas também de projecção estratégica no quadro geopolítico.
Xi e Putin sabem que os seus interesses próprios e comuns têm impacto na situação global. E estão dispostos a aproveitar as oportunidades criadas na nova situação internacional, onde os Estados Unidos, rival comum, vivem um momento difícil exibindo vulnerabilidades sistémicas, estruturais e conjunturais.
Os dois chefes de Estado têm consciência da necessidade de projectar para o futuro a longo prazo relações estáveis, que no ano passado completaram 70 anos considerando o período da União Soviética. Xi e Putin sabem que a rivalidade sino-soviética, que marcou essas relações entre meados dos anos 1950 e o final do século, é um facto que ficou na História. Hoje procuram o alinhamento no comércio e na diplomacia multilaterais por meio da Iniciativa Cintura e Estrada (ICE), da União Económica da Eurásia (UEE), da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do sistema de instituições das Nações Unidas. No plano estritamente bilateral dão relevo ao Tratado de Boa Vizinhança e Cooperação Amigável.
A situação do mundo passa por rápidas e dinâmicas transformações, com factores de incerteza e instabilidade, e ambos os países tomam cada vez mais consciência da gravidade dos desafios que enfrentam.
A “parceria estratégica”
As actuais relações bilaterais são designadas como “parceria estratégica abrangente de coordenação”, um estatuto elevado que requer contínua comunicação e cooperação estratégicas. Essas relações são crescentemente marcadas por conceitos e acções de “firme apoio mútuo”, “rejeição da sabotagem”, “repúdio de intervenções externas”, “defesa da soberania”, “direito à segurança e ao desenvolvimento” e “salvaguarda de interesses comuns”. É cada vez mais frequente o uso destas expressões nas conversações entre ambos os países a todos os níveis e nos respectivos veículos de comunicação.
Além da reafirmarem a disposição para fortalecer os laços diplomáticos, políticos, comerciais, científicos, tecnológicos, culturais e militares, que são muitos, abrangendo uma imensa gama de convénios, os dois presidentes protagonizam hoje uma aliança estratégica que tende a mudar a correlação mundial de forças. Não será fácil aos Estados Unidos fazerem prevalecer as guerras comerciais, sanções económicas, a ruptura unilateral de acordos e as ameaças à paz mundial se dois gigantes como China e Rússia mantiverem esta união.
Na conversa entre os dois presidentes deve realçar-se a solene promessa mútua que fizeram de se apoiarem mutuamente na defesa da soberania nacional e dos espaços geográficos e económicos em que têm interesses comuns.
Entre as ameaças que os Estados Unidos e eventuais aliados fazem à Rússia destacam-se, na actual conjuntura, a ruptura de acordos nucleares, a concentração de tropas e a realização de manobras da NATO nas proximidades da Rússia, as sanções económicas e o fomento de movimentos internos de desestabilização política. Por seu turno, apesar dos esforços de distensão e paz, a China é alvo de uma guerra económica e de acções intervencionistas nos seus assuntos internos relacionados com a soberania nacional e a integridade territorial, como as questões de Taiwan, Hong Kong, Tibete e Xinjiang. A isto acresce a provocação dos Estados Unidos ao enviarem intermitentemente, sob o pretexto de defesa da “liberdade de navegação”, os seus navios militares para o Mar da China Meridional. Como se pode notar, são múltiplos os desafios que a Rússia e a China podem e devem enfrentar conjuntamente, inclusive os relacionados com a segurança.
Expressões de solidariedade política
A China, geralmente discreta e parcimoniosa quando se trata de assuntos específicos dos países com que mantém relações, expressou-se explicitamente sobre o referendo constitucional realizado há duas semanas na Rússia, que mereceu duras críticas por parte de potências e dos media ocidentais. Para Xi Jinping, o referendo em que a maioria esmagadora da população russa aprovou um conjunto de emendas constitucionais reflecte plenamente o apoio popular ao governo de Putin. Uma opinião que corresponde inteiramente às expectativas do líder russo, que empenhou as suas energias no referendo e cujo resultado é definidor para o futuro da Rússia. Como é óbvio, este resultado fortalece o poder político e a governança de Putin e ajuda-o enormemente a manter a estabilidade política a longo prazo, a defender melhor a soberania nacional e a opor-se à interferência estrangeira. Por isso mesmo, o líder do Kremlin retribuiu a opinião chinesa. Mais do que uma cortesia, essa opinião representa a adesão chinesa a uma causa política russa.
A retribuição veio na forma do apoio russo a um tema caro aos chineses. Vladimir Putin disse que sustenta firmemente os esforços da China para defender a segurança nacional em Hong Kong, que se opõe a todos os tipos de acções provocatórias que violam a soberania da China e que acredita que o gigante socialista asiático é plenamente capaz de garantir a prosperidade e a estabilidade na região autónoma especial, que é parte inalienável do território chinês.
Muito para além das aparências
No plano simbólico, que representa muito mais do que as aparências nas relações internacionais, Xi fez notar a sua satisfação pela celebração na Rússia do 75º aniversário da vitória soviética na Grande Guerra Patriótica, uma demonstração da determinação de manter viva a História e recolher os ensinamentos dos factos gloriosos do passado, que no presente iluminam e inspiram os esforços pelo desenvolvimento compartilhado, a cooperação internacional, a união dos povos e a paz.
A assertividade chinesa e a reciprocidade russa constituem um inequívoco sinal dos tempos, uma nova fase da diplomacia entre estas duas grandes potências quando a superpotência norte-americana, em crise e enredada em gravíssimos problemas económicos, sociais, raciais e sanitários, com a reeleição do presidente ameaçada, recorre a uma retórica agressiva, intensifica acções hostis e de rivalidade, mantém acesos focos de conflitos e uma presença ostensiva de tropas, bases militares e armas nucleares no mundo.
É estimulante e promissor que a China e a Rússia manifestem a decisão de actuar de forma coordenada no âmbito da Organização das Nações Unidas e outras estruturas multilaterais, opondo-se ao unilateralismo e ao hegemonismo dos EUA, defendendo o direito internacional, a solução dos conflitos por meios diplomáticos, a autodeterminação dos países e povos, a soberania dos Estados nacionais, a igualdade entre grandes e pequenos, ricos e pobres. Se uma cooperação deste tipo produzir resultados, criam-se condições mais favoráveis para as lutas das forças revolucionárias, democráticas e progressistas do mundo e o empenho dos amantes da paz na construção daquilo que os chineses designam como uma “comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”.