UMA CRISE ANUNCIADA, COM PADRÃO HABITUAL

2020-04-19
Jorge Fonseca de Almeida*, Exclusivo O Lado Oculto
A guerra comercial contra a China, o isolamento económico crescente dos Estados Unidos, os recursos astronómicos desviados da economia para guerras infindáveis como a do Afeganistão, a ocupação do Iraque, a desestabilização da Líbia e outras, as lentas mas inexoráveis consequências da delapidação da Natureza e dos seus recursos, o empobrecimento das classes médias ocidentais, a destruição dos sistemas de segurança social e de saúde dos países europeus e latino-americanos pelas políticas de austeridade, a especulação financeira e imobiliária dos últimos anos, criaram um palco propício ao desencadear de uma crise económica de grande magnitude ao menor abalo.
Como sempre, nestas crises profundas do sistema económico vigente não existe uma única causa, mas um conjunto de origens que se vão acumulando e que de repente, ao ultrapassar um certo ponto, desencadeiam uma tempestade. A fagulha que incendiou a pradaria surge como a necessidade de combater uma pandemia. Contudo, as anteriores pandemias, algumas bem mais mortíferas como a SIDA e o SARS, não provocaram crises desta dimensão. É que o COVID-19 é a fagulha que incendia uma pradaria propícia, seca e quente.
Província de Hubei
Quando a pandemia surgiu na China, este país, para proteger a população fechou a região afectada (Hubei), colocou centenas de milhões em quarentena, massificou o uso de máscaras e conteve a doença de forma eficaz mas com um custo económico grande. Espera-se que o crescimento da China em 2020 seja de apenas um a dois por cento.
No Ocidente, no contexto de guerra comercial, as elites procuraram tirar vantagem da situação, continuando a produção como se nada fosse. Não fecharam a região inicialmente afectada, a Lombardia, nem a Itália, mas mantiveram o que apelidam de espírito de Schengen. Também não encerraram as fábricas nem decretaram quarentena. Pelo contrário, lançaram campanhas como “Milão não se fecha”. António Costa, em Portugal, proclamava a liberdade de circulação e a necessidade de continuar a produzir. No Reino Unido falava-se da necessidade de ganhar “imunidade de manada” deixando avançar a doença, nos EUA a estratégia foi a mesma.
Primeira Resposta: Continuar a Produzir
A doença, porém, não vê carteiras e os primeiros a ser atingidos foram as classes de maior mobilidade transfronteiriça. Em Portugal um dos primeiros mortos era presidente de um banco. Assustadas com essa situação, as elites ocidentais arquitectaram rapidamente outro plano. Decretaram medidas excepcionais, de saúde, mas também sociais e económicas.
Assim isolaram-se, criando uma camada intermédia de pessoas em quarentena que as protegesse a si e aos seus mais directos colaboradores. Impondo à restante população a necessidade de continuar a trabalhar no que apelidaram de sectores essenciais. Desta forma, decretaram a morte de milhares de pessoas ao mesmo tempo que se protegiam. O uso de máscaras, viseiras, luvas e equipamentos de protecção foi negligenciado mesmo para o pessoal de saúde.
O duplo discurso, para as massas trata-se de uma “gripe”, para as classes médias e altas ”um perigo mortal” é bem ilustrado por Bolsonaro e por Trump. Falando para os que são obrigados a continuar a laborar afirmam tratar-se de “uma gripezinha” como a que todos os anos nos apoquenta; falando para os grandes empresários, trata-se de “uma oportunidade”, mas simultaneamente aconselham “o maior cuidado”.
Simultaneamente os bancos centrais e os governos, de forma concertada, implementaram uma série de programas monetaristas de apoio às grandes empresas – injecção de grandes montantes na economia especulativa para evitar a crise bolsista, moratórias de crédito, financiamento do layoff, facilidade de despedimentos, suspensão do direito à greve e do direito de resistência, etc., etc.. Nalguns estados, incluindo Portugal, foi decretado o Estado de Emergência para que todas as leis antissociais possam ser aprovadas. Como sempre, salvar uns à custa dos outros.
Salvar as Bolsas: a primeira prioridade nos EUA e na UE
A estratégia ocidental falhou em todas as frentes: os mortos acumulam-se, muitos não são contados (muitos países como o Reino Unido e outros só reportam as mortes nos hospitais) e a recessão vai ser muito maior do que na China – vários analistas apontam para a generalidade de os países europeus enfrentarem quedas de 8% a 15%. Um desastre: pretendendo proteger as empresas e a produção à custa dos trabalhadores o resultado final é a maior quebra do PIB deste século e dezenas de milhares de mortos. Não podia ser pior.
Noutros tempos um tal resultado implicava uma mudança profunda nas lideranças e nas políticas, mas o actual sistema de controlo social vai permitir que os mesmos continuem a mandar e transformem um desastre numa vitória.
Como sempre, em tempo de crise promete-se que, aprendida a lição, se investirá na igualdade, que os fautores da crise serão punidos, que depois da tempestade virá a bonança. Mentiras apenas destinadas a conter a revolta e dar falsas esperanças aos que sofrem.
Não admira, pois, que depois do primeiro momento em que as elites foram afectadas os que morrem em maior número sejam os trabalhadores, os pobres, nomeadamente os das comunidades mais excluídas as comunidades negras e ciganas e os imigrantes.
Enfermeira inglesa de 28 anos morre de Covid-19
Nos Estados Unidos, que têm apesar de tudo um sistema estatístico mais transparente, a situação é clara: os negros são as principais vítimas; em França, olhando por região, os mortos concentram-se nos bairros periféricos; em Itália, nas zonas industriais. Recentemente, um artigo do Guardian, jornal britânico, lista os profissionais de saúde que morreram em Inglaterra – a maioria são afro-britânicos, ásio-britânicos ou imigrantes. Em Chicago 70% das vítimas são negros.
Em Portugal? O opaco sistema estatístico, que se recusa a ver imigrantes, pobres, negros, ciganos, etc. e que vê apenas “pessoas” é incapaz de nos informar. Mas sabemos que são os que continuam a trabalhar e os mais idosos das classes mais carenciadas que mais expostos estão à pandemia. O maior número de mortos no Norte e os gritos de Rui Moreira de que o “Porto não se fecha” são uma boa pista para perceber esta desigual mortalidade.
*Economista, MBA