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"A ELIMINAÇÃO DO CALIFA": TRUMP GOSTOU DO FILME

O assassínio de al-Baghdadi é um remake da morte de Bin Laden

2019-11-01

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

É um produto bem definido. Para encerrar uma vasta operação especial, na qual se recorreu a uma arma inconfessável, convém encenar a morte daquele que a incarnou. É a melhor maneira de apagar os seus rastos perante a opinião pública. Após a morte de Bin Laden, eis a morte de al-Baghdadi.

“Foi como assistir a um filme”, declarou o presidente Trump depois de ter acompanhado a eliminação de Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do Daesh, transmitida na Sala de Operações da Casa Branca. Foi também aí que, em 2011, o presidente Obama assistiu à eliminação do inimigo número um da época, Ussama Bin Laden, chefe da al-Qaida.

A mesma encenação: os serviços secretos dos Estados Unidos há muito que tinham localizado o inimigo; este não foi capturado mas eliminado. Bin Laden foi morto, al-Baghdadi suicidou-se ou “foi suicidado”; os cadáveres desapareceram: o de Bin Laden tragado pelo mar, os restos de al-Baghdadi, desintegrado pelo cinto de explosivos, foram também espalhados no mar.

A mesma produtora do filme: a Comunidade de Informações, formada por 17 agências federais. Além da CIA (Agência Central de Informações), há também a DIA (Agência de Informações da Defesa), mas cada sector das forças armadas, tal como o Departamento de Estado e o de Segurança da pátria, dispõem dos seus próprios serviços secretos.

Para realizar as acções militares, a Comunidade de Informações utiliza o Comando de Forças Especiais, colocadas pelo menos em 75 países, cuja missão oficial compreende, além da “acção directa para eliminar ou capturar inimigos”, a “guerra não-convencional conduzida por forças externas, treinadas e organizadas pelo Comando”.

Síria e Líbia

Foi exactamente o que aconteceu na Síria em 2011, no mesmo ano em que a guerra dos Estados Unidos e da NATO demoliu a Líbia. Demonstram-no provas documentadas e já publicadas. Por exemplo:

- Em Março de 2013 o New York Times publicou uma investigação pormenorizada sobre a rede da CIA através da qual chegaram à Turquia e à Jordânia, com financiamento da Arábia Saudita e de outras monarquias do Golfo, rios de armas para os militantes islamitas treinados pelo Comando das Forças Especiais dos Estados Unidos antes de serem infiltrados na Síria;

- Em Maio de 2013, um mês depois de ter fundado o Daesh, al-Baghdadi encontrou-se na Síria com uma delegação do Senado dos Estados Unidos capitaneada por John McCain, como é revelado em documentação fotográfica;

- Em Maio de 2015 foi revelado por Judicial Watch um documento do general Michael Flynn, datado de 12 de Agosto de 2012, no qual se afirma que existe “a possibilidade de estabelecer um principado salafita na Síria Oriental e que isso é exactamente o que pretendem os países ocidentais, o Estados do Golfo e a Turquia - que apoiam a oposição”;

- Em Julho de 2016 foi revelada pelo website WikiLeaks uma mensagem de e-mail de 2012 na qual a secretária de Estado Hillary Clinton escreve que, em virtude das relações Irão-Síria, “o derrube de Assad constituiria um imenso benefício para Israel, fazendo diminuir o seu receio de perder o monopólio nuclear”. 

Isto explica as razões pelas quais, ainda que os Estados Unidos e os seus aliados tenham lançado em 2014 a campanha militar contra o Daesh, as forças deste grupo terrorista puderam avançar sem serem perturbadas através de espaços abertos pelas suas longas colunas de veículos armados.

Rússia inverteu o jogo

A intervenção militar russa em 2015, apoiando as forças de Damasco, mudou a sorte do conflito. O objectivo estratégico de Moscovo era impedir a demolição do Estado sírio, que provocaria um caos como na Líbia, aproveitável pelos Estados Unidos e as forças da NATO para atacar o Irão e cercar a Rússia.

Os Estados Unidos, afectados pelo curto-circuito, continuaram a jogar a carta da fragmentação da Síria, apoiando os independentistas curdos, para depois os abandonarem para não perderem a Turquia, vanguarda da NATO na região.

Neste pano de fundo compreende-se por que al-Baghdadi, tal como Bin Laden (anteriormente aliado dos Estados Unidos contra a Rússia durante a guerra afegã, e depois na Bósnia-Herzegovina), não poderia ser capturado pera ser julgado publicamente; deveria desaparecer fisicamente para eliminar as provas do seu verdadeiro papel na estratégia dos Estados Unidos. Foi por isso que Trump gostou tanto deste filme que acabou bem.


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