OS PLANOS DE WASHINGTON PARA FAZER AQUECER O ÁRTICO
2020-08-27
Brian Cloughley, Strategic Culture/O Lado Oculto
Uma das indicações mais bizarras de que Trump está interessado no Ártico aconteceu há um ano, quando o presidente dos Estados Unidos afirmou que gostaria de comprar Gronelândia, um vasto território insular que é uma região autónoma da Dinamarca. A ilha tem aproximadamente a mesma dimensão da Arábia Saudita, um pouco menor que a da Índia, e alberga uma base do Pentágono em Thule, a qual, entre outras coisas, “é a base militar norte-americana mais ao Norte e a única instalação desse tipo ao Norte do Círculo Polar Ártico”, como nos diz a Defense News.
A mesma publicação informa-nos também que a Gronelândia
“é o lar do 12º Esquadrão de Alerta Espacial, um quadro de oficiais da Força Aérea norte-americana e pessoal recrutado que fornece alertas de mísseis 24 horas por dia sete dias por semana e exerce vigilância espacial usando um enorme radar AN/FPS-132. Além de ser um local para a defesa contra mísseis e de controlo espacial, Thule hospeda o porto de águas profundas e as pistas de aviação mais a Norte utilizáveis pelo Departamento da Defesa. Estes recursos entrariam em jogo em qualquer tipo de conflito militar no Ártico, dando ao Pentágono opções de base avançada, se necessário”.
Na “Nova Estratégia do Ártico” do Pentágono afirma-se que a Força Espacial “desenvolverá novas tecnologias e modernizará os recursos existentes no Ártico, necessários para garantir o acesso e a liberdade para operar no espaço; entretanto, a secretária norte-americana da Força Aérea, Barbara Barrett, anunciou em Julho passado que “as forças aéreas e espaciais dos Estados Unidos valorizam o Ártico. O acesso e a estabilidade exigem cooperação entre os aliados e parceiros da América, juntamente com um compromisso em relação à vigilância, projecção de poder e prontidão”.
“Defender a pátria americana”
A observação de Barrett segundo a qual a região deve ser “um domínio livre e aberto para actores benevolentes” seria mais credível se o Pentágono fosse realmente um actor benevolente; e embora Washington declare permanentemente que são os outros países que se dedicam ao aventureirismo militar quando desenvolvem as suas defesas nos próprios territórios, a história passa a ser outra quando o Pentágono se entrega à criação de “bases avançadas” no exterior do território norte-americano e mesmo a grandes distâncias dele. Por exemplo, na perspectiva dos militares norte-americanos é sinistro que a Rússia, no seu próprio território, “tenha reformado aeródromos, investido em buscas e resgates e construído estações de radar para melhorar a percepção dos domínios aéreo e marítimo”; enquanto a expansão militar norte-americana no Ártico é considerada essencial porque “se trata de um domínio crítico para defender a pátria americana”.
Argumentação deste tipo foi usada por Trump quando anunciou a sua fantasia de comprar a Gronelândia à Dinamarca, embora reconhecendo que o território “pertence essencialmente” a este país. No entanto, o presidente dos Estados Unidos alegou que a administração da Gronelândia “pesa” muito à Dinamarca (o que não é verdade), pelo que tratar-se-ia de uma acção para “proteger” esse “grande aliado” de Washington.
A Dinamarca e o resto do mundo acharam que tudo isto não passou de uma fantasia de Trump, circunstância que provocou as reacções habituais do presidente dos Estados Unidos ao cancelar uma visita programada a Copenhaga além de tweetar mensagens insultuosas para a primeira-ministra Mette Frederiksen. A sua razão para cancelar a visita e insultar o povo dinamarquês foi a de que a primeira-ministra “não tinha interesse em discutir a compra da Gronelândia”. Tal como acontece com todo o establishment de Washington – e muito especialmente com o maquiavélico Pompeo – Trump considera que quando um país é colocado perante propostas feitas pelos Estados Unidos terá de haver uma reacção rápida e absolutamente receptiva por parte do governo visado.
Fazer sangrar o Alasca
Os insultos petulantes de Trump foram ridicularizados pelos dinamarqueses e muitos outros; então virou as suas atenções presidenciais para outras regiões do Ártico. Conforme informou Juan Cole, em 18 de Agosto, no mesmo dia em que cientistas apresentaram um estudo provando que a camada gelada da Gronelândia perde 500 mil milhões de toneladas de gelo por ano (equivalente a um milhão de toneladas por minuto) o corretor de imóveis instalado na Casa Branca concluiu planos para incentivar a pesquisa de petróleo e gás natural na Reserva Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca.
A Reserva de Vida Selvagem na região foi criada por legislação instituída há 40 anos, mas tem estado permanentemente sob a ameaça de empresas de petróleo e gás que são fielmente apoiadas por membros do Partido Republicano e cujos legisladores aprovaram um projecto de lei que abriu a região à pesquisa de petróleo e gás em 2017, quando tinham a maioria nas duas câmaras do Congresso. Calcula-se que o sector de petróleo e gás contribuiu com 84,4 milhões de dólares para candidatos no ciclo eleitoral de 2018. A Koch Industries foi o maior contribuinte individual, com 10,5 milhões. As despesas do sector de petróleo e gás nas campanhas políticas ascendem a 625 milhões de dólares desde 1990.
Trump e as pessoas que enchem os bolsos dos legisladores – e os próprios legisladores – não estão minimamente preocupados com os efeitos da exploração de gás e petróleo na Reserva de Vida Selvagem, que provavelmente serão catastróficos.
A equação militar
O que nos leva à equação da expansão militar, na qual o Pentágono está na dianteira ao explicar na sua Estratégia Ártica que “os interesses incluem manter a flexibilidade favorável à projecção de poder global, incluindo a liberdade de navegação e sobrevoo; e limitar a capacidade da China e da Rússia de alavancarem a região como um corredor para uma competição correspondente aos seus objectivos estratégicos por meio de comportamentos maléficos ou coercivos”.
A Rússia e a China desenvolvem esforços para se desenvolver economicamente e o Ártico é uma área que pode ser benéfica para os seus interesses. A Rússia, como o próprio Pentágono admite, “é a maior nação do Ártico em área territorial, população e presença militar acima do Círculo Polar Ártico”, embora, naturalmente, deva ser considerado deplorável que os seus “investimentos comerciais tenham sido acompanhados por uma defesa continuada desses mesmos investimentos e por actividades que fortalecem a sua defesa territorial e a sua capacidade para controlar a rota do Mar do Norte”.
Quanto à China, o resumo dos pareceres estratégicos norte-americanos diz-nos que “está a tentar ganhar um papel no Ártico com atitudes que podem minar as regras e normas internacionais, pelo que existe o risco de que o seu comportamento económico predatório global se repercuta no Ártico”. Por outras palavras, Washington, que tem por hábito não permitir outros comportamentos predatórios para além do seu, não pretende que a Rússia e a China dêem continuidade às suas iniciativas de desenvolvimento da região.
Nem a Rússia nem a China promovem empreendimentos através dos quais a vida selvagem do Grande Norte possa vir a ser destruída pelas suas actividades económicas e não existem provas de que as suas acções militares sejam, de alguma maneira, provocatórias ou agressivas. Mas o Pentágono está determinado a encontrar justificações para os seus próprios comportamentos na região e procura, por isso, desenvolver uma “Dissuasão no Ártico” que exigirá “forças ágeis, operacionais e expedicionárias com capacidades para projectar poder com facilidade e para operar na região como as forças conjuntas devem ser capazes de operar em outros lugares do mundo”.
O interesse de Trump em expandir a produção de combustíveis fósseis e em abrir o Ártico no Alasca às perfurações e construções a elas associadas colocará em perigo as espécies naturais já ameaçadas e contribuirá massivamente para agravar a crise das alterações climáticas. A estratégia militar do Pentágono para a região aumentará a tensão internacional e levará inevitavelmente a um clima de confrontação à medida que expande a sua presença na região como uma “projecção de poder”. Os planos de Washington para o Ártico vão aquecer a região de mais do que uma maneira.