TURQUIA E UE IGUAIS NO ÓDIO AOS REFUGIADOS
2020-03-08
Pilar Camacho, Atenas; Exclusivo O Lado Oculto
Turquia e União Europeia continuam a disputar um desumano jogo de ping-pong usando os refugiados provocados por guerras apoiadas tanto por Ancara como por Bruxelas. Outra vítima das circunstâncias é a Grécia, abandonada à sua sorte de ser obrigada a conjugar a austeridade, as punições financeiras internacionais e o facto de ser “armazém” de refugiados que o resto da União se recusa a acolher.
Como se sabe desde há vários anos, a Turquia gere “torneira” dos refugiados em regime de chantagem sobre a União Europeia, aproveitando-se cada vez mais da submissão desta às tendências xenófobas e racistas crescentes no continente.
País de acolhimento de 3,5 milhões de refugiados sírios e de outras nacionalidades gerados por guerras apoiadas tanto pelo regime fundamentalista islâmico turco como pela União Europeia – de que é exemplo a fase actual do conflito na Síria – a Turquia tem mantido as suas portas para a Europa mais ou menos fechadas em troca de três mil milhões de euros anuais – ao que parece com tranches em dívida.
Ancara decidiu agora abrir as passagens por entender que a União Europeia deveria ir muito mais longe em termos práticos do que as “lágrimas de crocodilo” choradas pelos civis de Idleb. Bruxelas, segundo o lado turco, está a usar os “migrantes” – o termo correcto é refugiados – como instrumentos políticos. A acusação foi proferida por responsáveis de Ancara depois de os ministros dos Negócios Estrangeiros da União terem considerado que a Turquia deveria parar a “migração ilegal” para o continente – a expressão correcta é vaga de refugiados de guerra em desespero.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, terá telefonado à sua principal interlocutora do lado europeu, a chanceler alemã Angela Merkel, comunicando que o acordo de contenção de imigrantes em troca de milhares de milhões de euros já não é válido, pelo que será necessário revê-lo.
Culpados fogem às responsabilidades
A principal razão invocada por Erdogan é o facto de a actual situação na região de Idleb, na Síria, ter provocado uma nova onda de refugiados para o interior da Turquia.
O problema no terreno foi agravado pela operação militar conduzida pela Turquia ao invadir a Síria com novas tropas e armamentos para socorrer os terroristas da al-Qaida, que têm perdido terreno perante a ofensiva do exército soberano da Síria. A ofensiva das tropas nacionais pela libertação de Idleb dura há várias semanas, mas o problema da nova vaga de refugiados apenas começou a ter repercussões na situação europeia com o envolvimento directo turco ao lado dos grupos terroristas.
A Turquia não assume assim as suas responsabilidades na criação da situação e procura repassar o problema para a União Europeia fazendo incidi-lo abertamente sobre o elo mais fraco: a Grécia.
A posição oficial da União Europeia é de tentar desesperadamente evitar que a decisão turca de abrir as fronteiras se repercuta na generalidade dos Estados membros e, tanto quanto possível, não extravase da Grécia – onde a situação nos campos de refugiados tem vindo a degradar-se aceleradamente muito antes da fase actual criada pela Turquia.
A União Europeia diz que “apoia a Grécia” mas, na realidade, tem deixado este país isolado perante as punições económicas e financeiras, pelas quais é responsável, mas também a braços com centenas de milhares de refugiados de guerras pelas quais os dirigentes europeus são inegavelmente culpados.
Fontes da União Europeia argumentaram recentemente, pretensamente em sua defesa e como exemplo da má-fé da Turquia, que a maioria dos refugiados que têm tentado entrar na Grécia são afegãos e não sírios. Em termos práticos a diferença é nula e não serve de atenuante: a União Europeia, através da NATO e do seu seguidismo em relação aos Estados Unidos, é tanto ou mais responsável pela guerra do Afeganistão como pela da Síria, pelo que a nacionalidade de origem dos refugiados não vem ao caso.
Como entidade que se diz inclusiva, defensora dos direitos humanos e da livre circulação, a União Europeia deveria ter uma política para os refugiados das guerras que provoca ou apoia; porém, prefere não ter política alguma e tornar-se cada vez mais refém das correntes racistas e xenófobas que se manifestam não apenas ao nível de muitos Estados membros mas também em instituições europeias como a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu.
O desespero da Grécia
Segundo Atenas, são aproximadamente 50 mil os refugiados que nos últimos dias têm procurado acolhimento nos território grego depois de saírem da Turquia. Sem apoio prático da União Europeia, a não ser através de mensagens verbais inconsequentes, as autoridades gregas optaram por tentar combater o problema atacando o elo mais fraco: os refugiados. São numerosas as acções de violência das forças de segurança da Grécia contra as vulneráveis embarcações onde os fugitivos das guerras se fazem transportar à procura de quem tenha a decência e a humanidade de os acolher ou punindo os que tentam passar a fronteira terrestre. Gases lacrimogénios, balas de borracha e canhões de água fazem parte do arsenal usado pela parte grega naquilo a que as agências noticiosas têm vindo a descrever como “confrontos”, como se repressores e fugitivos estivessem em igualdade de condições para se enfrentar.
Apesar de ter sido estabelecido um precário cessar-fogo em Idleb, na Síria, nada indica que a situação com o movimento de refugiados não venha a agravar-se nas fronteiras da Turquia com a Grécia, uma vez que a acção desestabilizadora de Erdogan e o pânico da União Europeia perante os refugiados extravasam em muito as consequências directas e imediatas do estado do conflito sírio.