O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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WASHINGTON DECLARA GUERRA DO GÁS CONTRA A UE

2019-12-27

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Em novo e desesperado gesto para obrigar os europeus a consumir gás natural norte-americano, a preços muito mais elevados que o importado da Rússia, os Estados Unidos decidiram impor sanções contra as empresas europeias que participam na construção do gasoduto Nord Stream 2. Prestes a ser concluída, a obra enfrenta novo e dispendioso obstáculo que distorce grosseiramente a tão enobrecida “economia de mercado”. Mas como as sanções atingem interesses alemães e a própria economia da Alemanha existe alguma expectativa em saber como irá a União Europeia reagir a mais esta agressão dos aliados do outro lado do Atlântico.

Batendo-se com dureza a propósito dos procedimentos para tentar destituir o presidente Donald Trump, republicanos e democráticos depuseram as armas para votarem no Senado, praticamente por unanimidade, a imposição de pesadas sanções contra as empresas que participam na construção do Nord Stream 2, a duplicação do gasoduto que, através do Báltico, transporta gás natural russo para a Alemanha. Estas medidas atingem as empresas europeias que participam no projecto de 11 mil milhões de euros, até agora concretizado em cerca de 80% pela russa Gazprom, a austríaca Omy, a britânico-holandesa Royal Dutch Shell, a francesa Engie, as alemãs Uniper e Wintershall, a italiana Saipem e a suíça Allseas, que participam na colocação das condutas.

A duplicação do Nord Stream aumenta a dependência da Europa do gás russo, advertem os Estados Unidos. Washington está sobretudo preocupado com o facto de o gasoduto – atravessando o Mar Báltico em águas russas, finlandesas, suecas e alemãs – contornar os países do Grupo de Visegrado (República Checa, Eslováquia, Polónia e Hungria), os Estados bálticos e a Ucrânia, isto é, as nações europeias mais ligadas a Washington através da NATO.

Estratégia económico-militar

Mais do que económica, a questão para os Estados Unidos é estratégica. O que é confirmado pelo facto de as sanções do Nord Stream 2 fazerem parte do National Defense Authorization Act, o mecanismo legislativo que no ano de 2020 abastece o Pentágono para novas guerras e novas armas (incluindo espaciais) com a soma colossal de 738 mil milhões de dólares, a que se juntam outras verbas, elevando as despesas militares dos Estados Unidos para cerca de um bilião (um milhão de milhões) de dólares. As sanções sobre o Nord Stream 2 integram-se na escalada político-militar contra a Rússia.

Uma confirmação adicional está no facto de o Congresso dos Estados Unidos ter estabelecido sanções não apenas contra o Nord Stream 2 mas também contra o Turk Stream, o qual, em fase de conclusão, transporta gás russo através do Mar Negro para a Trácia Oriental, a diminuta parte europeia da Turquia. A partir daí, através de um outro gasoduto, o gás russo deverá chegar à Bulgária, à Sérvia e a outros países europeus. É a resposta russa a um outro golpe dos Estados Unidos, que em 2014 conseguiram bloquear o gasoduto South Stream. Este deveria ter ligado a Rússia à Itália através do Mar Negro e por terra até Tarvisio (Udine). A Itália ter-se-ia tornado, deste modo, uma plataforma de abastecimento de gás à União Europeia, com notáveis vantagens económicas. A administração Obama conseguiu fazer fracassar o projecto, com a colaboração da própria União Europeia.

União Europeia submete-se a Washington

A empresa Saipem (grupo italiano Eni) atingida agora pelas sanções norte-americanas do Nord Stream 2 já tinha sido anteriormente prejudicada pelo bloqueio do South Stream: em 2014 perdeu contratos no valor de 2400 milhões de euros, além daqueles que a continuação do processo deveria ter proporcionado. Na época, porém, ninguém em Itália e na União Europeia protestou contra a liquidação do projecto pelos Estados Unidos. Agora, como estão em jogo interesses alemães, levantam-se vozes críticas na Alemanha e na União Europeia condenando as sanções de Washington relacionadas com o Nord Stream 2.

No entanto, nada se diz sobre o facto de a União Europeia se ter comprometido a importar gás natural liquefeito (GNL) norte-americano extraído de xistos betuminosos através da técnica nociva da fractura hidráulica. Para penalizar a Rússia, Washington pretende reduzir as exportações de gás deste país para a União Europeia – e os custos serão pagos pelos consumidores europeus. Desde que o presidente Donald Trump e o presidente da Comissão Europeia, então Jean-Claude Juncker, assinaram em Washington, em Julho de 2018, a Declaração Conjunta sobre a Cooperação Estratégica Estados Unidos-União Europeia, integrando o sector energético, a parte europeia duplicou a importação de GNL norte-americano, cofinanciando as infraestruturas com uma despesa especial inicial de 656 milhões de euros. O que não colocou as empresas europeias a salvo das sanções norte-americanas.



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