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TRUMP ORGANIZA PILHAGEM DO PETRÓLEO SÍRIO

Tropas norte-americanas e os seus protegidos curdos na região de Deir Ez-Ezzor

2019-11-04

Steven Sahiounie, Mideast Discourse/O Lado Oculto

O secretário norte-americano da Defesa, Mark Esper, afirmou numa conferência de imprensa que, apesar da anunciada retirada militar da Síria, tropas dos Estados Unidos ficarão estacionadas no Leste do país para “proteger” os campos de petróleo. Trump tinha dito:"talvez mais alguém queira este petróleo e, nesse caso, terá de submeter-se a um combate infernal".

A jornalista Barbara Starr, representando a cadeia de televisão CNN, pretendeu saber de Esper que tipo de missão seria essa e qual a atitude que assumirá para tentar impedir que as forças regulares sírias e tropas russas acedam ao petróleo na região de Deir Ez-Ezzor. O secretário da Defesa admitiu então que a missão foi projectada para impedir que o petróleo e as receitas geradas pela sua comercialização tenham outros beneficiários que não as chamadas Forças Democráticas Sírias, organização terrorista associada ao pretenso “Estado curdo” do Rojava alegadamente criada para combater o Isis, Daesh ou Estado Islâmico.

Convidado a comentar esta situação, o general norte-americano na reserva, Barry McCaffrey, levantou a questão de os Estados Unidos se terem inclinado para a pirataria, uma vez que a Síria – e, portanto, o governo de Damasco – é a única proprietária do petróleo de Deir Ez-Ezzor. 

“O direito internacional existe precisamente para estabelecer protecções contra este tipo de actuação”, disse a professora Laurie Blank, da Emory Law School e directora do Centro de Direito Internacional Comparado. 

“Não se trata apenas de uma jogada de legalidade duvidosa; envia também uma mensagem a toda a região do Médio Oriente e ao mundo segundo a qual os Estados Unidos pretendem roubar petróleo”, afirmou, por seu lado, Bruce Riedel, ex-conselheiro de segurança nacional e membro sénior do Brookings Institute, um importante think tank ligado ao establishment norte-americano.

Algumas horas antes, a seguir à operação realizada para eliminar o chefe do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, o presidente Donald Trump dissera:

“Vamos sair da Síria, mas deixamos lá alguns soldados para garantir o petróleo. E podemos ter de combater por esse petróleo. Isto é o que está certo. Talvez mais alguém queira este petróleo e, nesse caso, terá de submeter-se a um combate infernal, porque está em jogo uma enorme quantidade de petróleo”.

Pouco depois, numa reunião em Chicago, Trump afirmou:

“Queremos manter esse petróleo, lembrem-se disso. Eu sempre disse que iríamos ficar com o petróleo e queremos guardá-lo porque representa 45 milhões de dólares por mês. Vamos guardar esse petróleo”.

Numa conferência de imprensa, o presidente norte-americano voltou a abordar o tema:

“O que pretendo fazer é talvez um grande acordo com a Exxon Mobil ou uma das nossas grandes empresas para tomar conta dos recursos da região, fazê-lo correctamente e … distribuir a riqueza”.

O saque habitual

A Síria produzia cerca de 400 mil barris de petróleo por dia antes da guerra que lhe foi imposta pelas grandes potências internacionais ocidentais, através de grupos terroristas por elas formados e financiados. Um estudo do FMI divulgado em 2016 calculou que a produção tenha caído para 40 mil barris por dia. No entanto, o território sírio tem importantes reservas de petróleo e gás natural por explorar.

As autoridades norte-americanas de defesa secundam o discurso de presidente alegando que o objectivo militar é impedir o Isis de utilizar os recursos petrolíferos de Deir Ez-Ezzor para financiar um possível ressurgimento; não se trataria, portanto, de saquear o petróleo em benefício dos Estados Unidos. O que, no entanto, não aconteceria pela primeira nem pela segunda vez: George W. Bush e o seu vice-presidente, Dick Cheney, pilharam os recursos petrolíferos do Iraque, um dos maiores produtores de petróleo do mundo; e o presidente Barack Obama saqueou os campos de petróleo da Líbia.

A propósito das intenções do presidente, o actual conselheiro de segurança nacional, Robert O’Brian, disse à NBC News:

“Iremos ficar na região por um período de tempo para manter o controlo dos recursos petrolíferos e garantir que não haja um ressurgimento do Isis, além de garantir que os curdos tenham algumas receitas com esses campos de petróleo.

Um discurso à deriva

Desde que anunciou a retirada das tropas da Síria, coincidindo com o início da operação turca “Fontes de paz”, Donald Trump entrou num discurso errático sobre o tema devido às diferentes reacções internas suscitadas.

O presidente tinha pressa em cumprir uma promessa de campanha de 2016, uma vez que a campanha para as eleições do próximo ano está envolvida em escândalos, coincidentes com as revelações relacionadas com o processo de impeachment através do qual os democratas tentam esconder a sua débil situação.

A operação turca foi oficialmente planeada para fazer recuar uma milícia composta principalmente por curdos que estão na folha de pagamentos dos Estados Unidos e que alegadamente contribuíram para derrotar o Isis. A história militar da região nos últimos anos revela, porém, que o Isis só foi derrotado devido ao avanço das tropas regulares sírias em aliança com forças militares russas.

A Turquia afirmara anteriormente que não iria tolerar forças curdas nas suas fronteiras, independentemente de estas serem mantidas pelos Estados Unidos. Ancara é um aliado dos Estados Unidos dentro da NATO mas não se envolveu – antes pelo contrário – em qualquer acção contra o Isis ou Daesh.

Aaron Stein, director do programa para o Médio Oriente do Foreign Policy Research Institute de Washington, disse que a intenção de Trump de manter tropas norte-americanas “significaria isolar o Leste da Síria como uma zona dos Estados Unidos”.

Durante os últimos oito anos muitos analistas têm comentado os objectivos estratégicos dos Estados Unidos com o lançamento da guerra contra a Síria, em 2011, orientados para o desmantelamento do país e a sua transformação em pequenos Estados homogéneos em termos de comunidades étnicas e religiosas. As declarações de Mark Esper provam que os Estados Unidos não abandonaram a ideia de manter o Rojava como entidades curda e que tencionam usar os recursos petrolíferos sírios como uma das suas fontes de financiamento.

A decisão de Trump de anunciar a retirada das tropas da Síria apanhou os militares, políticos e dirigentes internacionais de surpresa. As declarações posteriores parecem significar um recuo, ideia reforçada com a manutenção de militares e o envio de equipamentos anunciado no final da semana passada, desta feita no âmbito de um “acordo comercial”. “Eu digo simplesmente: petróleo”, escreveu o presidente na sua plataforma de Twitter.

Jan Egeland, director do Conselho Norueguês de Refugiados e ex-membro de instituições humanitárias da ONU, comentou a propósito da situação:

“Temos de lembrar a todas essas pessoas com o poder e as armas que não estamos perante um tabuleiro de xadrez. É um lugar onde vivem pessoas. Deir Ez-Ezzor é uma região quase totalmente povoada por árabes sunitas, que não aceitariam quaisquer alterações demográficas em favor dos curdos e dos seus aliados norte-americanos. Se os militares dos Estados Unidos e os seus aliados das Forças Democráticas Sírias controlarem os campos de petróleo e gás aí situados, o mais provável é que as populações formem milícias de resistência que acabem a enviar soldados norte-americanos para casa, feridos ou dentro de caixões”.

Um porta-voz do Ministério russo da Defesa, o major-general Igor Konachenkov, afirmou:

“Nem o direito internacional nem a própria legislação dos Estados Unidos permitem estabelecer como objectivo legítimo que as tropas norte-americanas protejam e defendam os depósitos de hidrocarbonetos da Síria da própria Síria e do seu povo”.

Os olhos voltam-se para Deir Ez-Ezzor, onde poderá ocorrer um confronto directo das tropas sírias e do seu aliado russo com forças armadas dos Estados Unidos se estas tentarem impedi-las de recuperar o acesso ao petróleo sírio.


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