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RELATÓRIO DA ONU: ASSANGE É VÍTIMA DE “TORTURA PSICOLÓGICA”

Manifestação em Londres pela libertação de Julian Assange

2019-05-31

Joe Lauria*, Consortium News; Adaptação de O Lado Oculto

O relator especial da ONU sobre a tortura, Nils Melzer, condenou os Estados Unidos, o Reino Unido, a Suécia e o Equador por exporem “deliberadamente” Julian Assange, fundador do WikiLeaks, a “anos de tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante”, um processo que apenas pode qualificado como “tortura psicológica”.

Num comunicado publicado no website do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Nils Melzer testemunha o seguinte:

“Em vinte anos de trabalho com vítimas de guerra, violência e perseguição política nunca me tinha deparado com um grupo de Estados democráticos unindo-se para isolar, demonizar e abusar deliberadamente de um único indivíduo durante tanto tempo e com tão pouca consideração pela dignidade humana e o Estado de direito. A perseguição colectiva a Julian Assange deve terminar aqui e agora”.

Segundo o relator Melzer, “a evidência é esmagadora e clara”. Assange, prossegue, “foi deliberadamente exposto, por um período de vários anos, a formas progressivamente severas de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante, cujos efeitos acumulados apenas podem ser qualificados como tortura psicológica”.

Melzer acrescenta:

“Ao longo dos últimos nove anos, Assange foi exposto a persistentes e progressivamente graves abusos, desde a sistemática perseguição judicial e confinamento arbitrário na embaixada do Equador até ao seu opressivo isolamento, assédio e vigilância no interior da embaixada”; o tratamento “incluiu deliberada ridicularização colectiva, insultos e humilhações, ameaças do exercício de violência e até repetidos apelos ao seu assassínio”.

Nils Melzer visitou Assange na prisão de Belmarsh, em Londres, no dia 9 de Maio. Acompanharam-no dois médicos especialistas no reconhecimento de potenciais vítimas de tortura, que examinaram a fundo o fundador do WikiLeaks.

Estado de saúde degradou-se

A declaração de Melzer não faz alusão ao facto de Assange estar agora hospitalizado na prisão, depois de ter sido dado como incapaz de conversar com o seu advogado sueco.

Uma declaração do WikiLeaks afirma que o estado de saúde do fundador da publicação “se deteriorou significativamente” depois de sete anos de internamento na embaixada do Equador. O seu estado de saúde piorou bastante nas sete semanas de detenção que já leva na prisão londrina, verificando-se uma relevante e inquietante perda de peso.

O tribunal londrino adiou a audiência sobre a extradição para 12 de Junho, determinando que o detido continue na prisão até essa data, pelo que continuará a ser tratado no hospital da cadeia.

Assange enfrenta 50 semanas de prisão no Reino Unido por ter faltado a uma audiência num tribunal, na altura em que se refugiou na embaixada do Equador. Os Estados Unidos exigem a sua extradição e as acusações já formuladas neste país sob a Lei da Espionagem são susceptíveis de ditar uma sentença até 170 anos de prisão.

No seu relatório apresentado nas Nações Unidas, Nils Melzer deduz que:

“Era óbvio que a saúde de Assange teria de vir a ser seriamente afectada pelo ambiente extremamente hostil e arbitrário a que esteve exposto durante muitos anos. Mais relevante ainda, para lá das doenças físicas, Assange manifesta todos os sintomas de exposição prolongada a tortura psicológica, incluindo stress extremo, ansiedade crónica e um intenso trauma psicológico”.

O terror norte-americano

O relator da ONU salienta que os direitos humanos de Julian Assange podem estar ainda mais ameaçados com o risco de extradição para os Estados Unidos, onde enfrenta 18 acusações, 17 das quais sob acusação de espionagem.

“A minha preocupação mais urgente”, escreve o relator Melzer, “resulta do facto de, nos Estados Unidos, Assange ficar exposto a um risco real de graves violações dos seus direitos humanos, incluindo a liberdade de expressão, o direito a um julgamento justo, a ameaça de tortura e de outros tratamentos ou punições cruéis, desumanas ou degradantes”.

Melzer confessa “particular alarme” com as acusações fundamentadas na Lei de Espionagem:

“Podem resultar num efeito de prisão perpétua sem liberdade condicional ou até mesmo em pena de morte, se outras acusações vierem a ser adicionadas”.

O relator acrescenta a sua profunda preocupação pelo facto de o governo Trump estar a criminalizar o jornalismo:

“Desde 2010, quando o WikiLeaks começou a publicar provas de crimes de guerra e actos de tortura cometidos por forças dos Estados Unidos, temos assistido a um esforço sustentado e combinado de vários Estados tentando levar Assange a ser extraditado para ser julgado nos Estados Unidos, o que levanta sérias preocupações sobre a criminalização do jornalismo de investigação, violando tanto a Constituição dos Estados Unidos como o quadro internacional de leis sobre protecção dos direitos humanos”.

Um relatório confidencial

O jornal australiano Sydney Morning Herald divulgou, entretanto, excertos de um relatório confidencial que Nils Melzer enviou na segunda-feira, dia 27, ao governo britânico, publicando simultaneamente uma entrevista com o autor.

Diz Nils Melzer nessa entrevista:

“Assange é algo que nunca vi em 20 anos. Observei atrocidades em zonas de guerra que eram fisicamente mais horríveis, mas nunca me tinha confrontado com um caso em que uma única pessoa é vítima de tratamento tão implacável e com tão poucas bases. Quando o observei, comparei imediatamente a situação a alguns dos casos mais graves nos presos para interrogatórios em termos dos seus padrões de reacção psicológica. Foi isso que me assustou muito: Assange está muito próximo de ser vítima da imposição intencional de medidas coercivas para tentar destruí-lo.

Parecia extremamente agitado e preocupado. Fez muitas perguntas, dava saltos, estava tão preocupado com tudo que mal conseguia concentrar-se nas minhas respostas. Tinha fases com esse comportamento, depois entrava na conversa em tom normal para, a seguir, voltar a ficar agitado. Observei o mesmo comportamento noutros casos de tortura psicológica."

Nils Melzer criticou também o governo da Austrália, país onde Julian Assange nasceu. Disse, a propósito, ao Sydney Morning Herald:

“A Austrália revela uma ausência gritante neste caso. Eles nem sequer se aproximam, como se Assange não fosse um cidadão australiano. Não é a maneira correcta de lidar com o assunto”.

Um porta-voz do Ministério australiano dos Negócios Estrangeiros e Comércio disse ao Herald que “rejeitamos qualquer sugestão do relator especial da ONU sobre a tortura de que o governo australiano é cúmplice de tortura psicológica ou tenha revelado falta de apoio consular a Assange”.

O ministro britânico dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Jeremy Hunt, criticou Melzer pelo conteúdo do relatório. Hunt afirmou que o relator da ONU está “errado” por “interferir com a justiça britânica” e “proferir acusações inflamatórias”.

*Jornalista, editor-chefe do Consortium News, ex-correspondente do The Wall Street Journal, do Boston Globe, do Sunday Times de Londres e de outros jornais de grande circulação.



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