O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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O EIXO FASCISTA ESTADOS UNIDOS - UCRÂNIA

Um campo de férias, e de treino, para crianças e adolescentes organizado pelo Batalhão Azov

2018-11-22

Max Blumenthal*, Mint Press News/O Lado Oculto

Uma acusação do FBI norte-americano proferida em Outubro deste ano revela que quatro supremacistas brancos do Rise Above Movement (RAM) receberam treino do Batalhão Azov da Ucrânia, uma tropa de choque nazi integrada na Guarda Nacional deste país. As acções de treino decorreram depois de membros do RAM terem participado nos violentos tumultos em Huntington Beach e Berkeley, na Califórnia, e em Charlottesville, na Virgínia, em 2017.
A acusação sublinha que o Batalhão Azov “teria proporcionado acções de treino e radicalização das organizações de supremacia branca dos Estados Unidos”.

No quadro de uma onda de violência racista através dos Estados Unidos, que culminou com o massacre de 12 crentes judeus numa sinagoga em Pittsburgh, a revelação de que supremacistas brancos se têm deslocado ao estrangeiro para receberem treino e doutrinação ideológica de um grupo de choque neonazi deveria provocar extremo alarme.
Não só os supremacistas brancos de todo o Ocidente viajam até à Ucrânia para aprenderem com a experiência dos seus irmãos fascistas em armas, como o fazem abertamente – relatando as suas impressões nas redes sociais, antes de virem aplicar os seus novos conhecimentos em casa. Mas as entidades dos Estados Unidos da América que fazem aplicar as leis nada fizeram até agora para restringir o fluxo de extremistas norte-americanos de direita em direcção às bases do Batalhão Azov.
Existe uma provável explicação para a atitude do governo dos Estados Unidos em relação a este problema: é que o Batalhão Azov luta na linha da frente contra as comunidades russófonas da Ucrânia, como se fosse um destacamento militar de Washington. De facto, os Estados Unidos armaram directamente o Batalhão Azov, por exemplo com engenhos antitanque, e enviaram mesmo grupos de oficiais do exército ao encontro de comandantes desta milícia, em 2017.
Embora exista legislação promulgada pelo Congresso norte-americano proibindo o auxílio militar a grupos como o Azov, devido à ideologia de supremacia branca que professam, parte do armamento ofensivo no valor de 200 milhões de dólares enviado pela administração Trump para os militares ucranianos é provável que acabe nas mãos dos extremistas.
Questionados por jornalistas sobre as evidentes provas de que o Batalhão Azov está a treinar cidadãos norte-americanos, vários porta-vozes do Pentágono admitiram que não existe qualquer mecanismo que possa evitar que tal aconteça.

Controlo sobre o governo

Actualmente o Azov tem experiência de combate, acesso ilimitado a armas ligeiras e apoiantes em todos os níveis dos corpos militares e do governo da Ucrânia. Não se trata simplesmente de uma milícia; transformou-se numa organização político-militar capaz de controlar o governo de Kiev. O grupo reforçou-se há dois anos quando pôs nas ruas da capital mais de dez mil milicianos exigindo que o governo respeitasse as suas orientações, caso contrário sujeitar-se-ia a um golpe de Estado.
“Com a sua experiência militar e as suas armas, o Batalhão Azov tem capacidade para chantagear o governo e enfrentar qualquer oposição; os seus membros dizem abertamente que se o governo não seguir uma orientação compatível com a sua será derrubado”, afirma Ivan Katchanovski, professor de ciência política da Universidade de Otava (Canadá) e especializado na extrema-direita ucraniana. “Actualmente”, acrescentou, “os grupos fascistas são mais fortes na Ucrânia do que em qualquer outro país do mundo; mas tal realidade não surge na comunicação social do Ocidente, porque essas organizações são encaradas como parte da execução da agenda política contra a Rússia”.
As revelações sobre a colaboração entre os supremacistas brancos norte-americanos e milícias nazis armadas pelo Pentágono acrescentam novo e escandaloso capítulo à história que remonta aos anos cinquenta do século passado, quando a CIA reabilitou vários colaboradores nazis ucranianos como activos agentes anticomunistas, em plena Guerra Fria.
É uma história quase inacreditável, mas que expõe um eixo do fascismo estendendo-se através do Atlântico e que liga Kiev aos subúrbios da Califórnia banhados pelo sol, onde nasceram alguns dos mais violentos gangs da moderna supremacia branca.
Em Outubro o FBI deteve cinco membros do RAM: Robert Dundo, Benjamin Drake, Daley Michael, Paul Lirelis e Aaron Eason. Foram acusados de “usar a internet para incentivar, promover, participar e organizar tumultos” de Huntington Beach a Berkeley, na Califórnia. Quatro outros membros foram presos por alegada participação no motim de Charlottesville, na Virgínia, no qual uma contra-manifestante, Heather Heyer, foi assassinada por um supremacista branco.

Aprender com quem sabe

O RAM surgiu pela primeira vez sob os holofotes durante as celebrações da vitória eleitoral de Donald Trump em Huntington Beach, em Março de 2017. Cerca de cem activistas da extrema-direita marcharam ao longo da praia ostentando bonés vermelhos onde se lia “Make America Great Again” e agitando bandeiras alusivas ao novo presidente.
Um pequeno grupo de manifestantes anti-racistas mascarados apareceu no local e, durante a confusão que se gerou, os membros do RAM agrediram os contra-manifestantes, em menor número, e um jornalista local. Em seguida, a polícia do condado de Orange prendeu vários anti-racistas, mas o gang supremacista ficou à solta.
O RAM define-se como uma organização de autodefesa que protege a liberdade de expressão dos norte-americanos brancos contra as investidas do “marxismo cultural”, expressão muito usada por grupos antissemitas. Um dos seus cofundadores, Robert Dundo é proprietário de uma empresa que comercializa roupas online promovendo a “fraternidade europeia” e outras consignas fascistas e nacionalistas. O visual fashion que comercializam contrasta com a imagem estereotipada dos skinheads.
Durante o motim de Huntigton Beach, um dos participantes foi visto com uma alusão à tese supremacista da existência de uma conspiração judaica para dominar o mundo. Rundo costuma proclamar a sua crença no lema das 14 palavras difundido pelo terrorista da “causa branca” David Lane e que se transformou num grito de guerra para os fascistas em todo o mundo: “Queremos garantir a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas”.
Em Outubro de 2017, o jornal online de investigação Propublica divulgou um vídeo expondo as identidades dos principais membros do RAM e chamando a atenção para o facto de, até então, ainda nenhum ter sido investigado pela polícia em relação aos seus comportamentos violentos.

“Até de Portugal e da Suíça”

Entretanto, na Primavera de 2018 a chefia do RAM passou pela Alemanha e a Itália em direcção a leste para participar numa grande reunião de grupos fascistas de todo o Ocidente em Kiev, na Ucrânia - a chamada Conferência Paneuropa. Aí avistaram-se com uma das figuras-chave da milícia fascista Batalhão Azov, Olena Semanyaka, chefe de relações internacionais do Corpo Nacional Ucraniano, braço civil desta organização. As informações constam da acusação formalizada pelo FBI no mês passado.
O grupo norte-americano orgulha-se de ter participado na conferência e de se ter avistado com “nacionalistas que vieram até de Portugal e da Suíça”. Por seu turno, Semanyaka declarou à Rádio Europa Livre que os membros do RAM “vieram aprender os nossos caminhos.

As proezas nazis de Olena Semanyaka, chefe das relações internacionais do Batalhão Azov

A conferência em Kiev e as iniciativas que se realizaram à margem revelou o papel central que a Ucrânia actual desempenha no movimento internacional fascista e demonstrou que o Batalhão Azov é muito mais do que uma milícia nazi lutando pelo controlo de territórios disputados no Leste da Ucrânia.
Hoje, os dirigentes do Batalhão Azov reconhecem abertamente que se não fosse o golpe desencadeado em 2014, com apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, a partir da Praça Maidan, em Kiev, a sua organização não se teria transformado na potência que é. Como declarou Olena Semanyaka, “o movimento nacionalista ucraniano nunca teria atingido tal nível de desenvolvimento, a menos que se tivesse iniciado uma guerra com a Rússia; pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, as formações nacionalistas conseguiram ter as suas próprias asas militares, de que é exemplo o Batalhão Azov da Guarda Nacional da Ucrânia”.

O dedo do Tio Sam

A revolta da Praça Maidan irrompeu em Março de 2014, quando o presidente Viktor Yanukovich, eleito democraticamente, não assinou um acordo dito de “associação económica” com a União Europeia. Celebrado em toda a Europa como um “movimento pró-ocidental”, o EuroMaidan impôs-se através de hostes de activistas com os rostos tapados e envergando as fardas negras do Sector de Direita – grupo ultranacionalista que enfrentou a polícia antimotim de Kiev, a Berkut.
O Svoboda, outro partido de extrema-direita, juntou-se ao Sector de Direita no comando dos acontecimentos, que o seu cofundador, Oleh Tyahnybok, designou com “revolução da dignidade”. O próprio Tyanhybok juntou-se aos senadores norte-americanos John McCain e Chris Murphy no palco da praça quando estes chegaram para encorajar os manifestantes.
Outra figura-chave na cena neonazi ucraniana é Andriy Biletsky, um professor universitário que advogou a violência para mudar o regime e chefiava a milícia Patriotas da Ucrânia, precursora do Batalhão Azov, que se destacara em assaltos a campos de imigrantes e a cidadãos estrangeiros. “Neste momento, a missão histórica da nossa nação é liderar a raça branca no mundo, numa cruzada final pela sua sobrevivência”, escreveu Biletsky num manifesto divulgado na Praça Maidan, no auge dos acontecimentos.
Em Maio de 2014, o Sector de Direita e um conjunto de forças de extrema-direita uniram-se para o massacre de Odessa, no qual atacaram uma manifestação da comunidade russófona, designadamente com barras de ferro. Depois, perseguiram as pessoas que conseguiram fugir e refugiar-se na Casa dos Sindicatos da cidade. Os nazis atearam fogo ao edifício e queimaram vivos mais de quarenta cidadãos ucranianos. Os Estados Unidos e a União Europeia olharam cuidadosamente para o outro lado, legitimando a violência e preparando o terreno para mais.
Nos bastidores, a secretária de Estado adjunta dos Estados Unidos, Victoria Nuland, e o embaixador Geoffrey R. Pyatt coordenaram a mudança política e escolheram o flexível Arseniy Yatsenyuk como o dirigente seguinte de um Estado-cliente de Washington. Enquanto isso, entidades do soft power norte-americano como a Omidyar Network e a Open Society Foundation, do milionário George Soros, financiavam a as organizações políticas que iriam assumir o governo, dotando-as com meios de organização e de última geração tecnológica.
Devido ao investimento político e financeiro dos Estados Unidos nesta operação, foi aconselhável minimizar o papel que as organizações nazis desempenharam. A tentativa mais absurda terá sido a do neoconservador James Kirchick, ao escrever um artigo na revista Foreign Affairs que o Sector de Direita era um grupo “de nazis imaginários de Putin”. Entretanto, sectores que nos Estados Unidos dizem combater o antissemitismo recusaram-se a apoiar os esforços do Congresso norte-americano para impedir o envio de armas para o Sector de Direita e outros grupos do mesmo tipo, porque “o foco deveria estar na Rússia”.
Com a cobertura de que necessitava da parte de Washington, Biletsky juntou os “nazis imaginários” dos Patriotas da Ucrânia, do Sector de Direita e ultras da violência no futebol numa verdadeira milícia chamada Batalhão Azov, tendo como logotipo uma cruz suástica estilizada.

O crescimento vertiginoso do Batalhão Azov

A partir daí, o Batalhão Azov lançou-se na guerra contra as comunidades russófonas do Leste do país e montou campos de doutrinação para crianças e adolescentes patrocinados pelo governo, nos quais se pratica tiro e se ensina a odiar os estrangeiros. O Batalhão Azov foi depois integrado no Exército Nacional ucraniano como uma unidade da recém-fundada Guarda Nacional; passou então a usar lançadores de engenhos PSRL – 1, sob o controlo do Departamento da Defesa dos Estados Unidos. Em Novembro de 2017, a chefia do Azov recebeu um grupo de oficiais norte-americanos para treino e abordagem de questões logísticas.

Membros do Batalhão Azov exibindo-se e reunindo-se com oficiais norte-americanos


Quando o Congresso norte-americano aprovou a proibição do envio de armamento para o Batalhão Azov já o presidente Donald Trump autorizara um novo carregamento de armas ofensivas para as forças militares ucranianas, incluindo mísseis antitanque Javelin. Como acontece na Síria – onde o Exército Livre da Síria, apoiado pela CIA, serve de entreposto de armamento destinado, de facto, a grupos jihadistas, incluindo al-Nursa (al-Qaida) e Isis – quaisquer novas armas dos Estados Unidos cairão provavelmente em poder do Batalhão Azov, apesar da proibição parlamentar.
Dos Estados Unidos o Batalhão Azov recebeu não apenas armas mas também militares norte-americanos voluntários, como Bryan Boyenger. “Não é ilegal”, respondeu a um entrevistador do programa Ukraine Today a propósito da sua estadia num campo de treino do Batalhão Azov. “Do ponto de vista dos Estados Unidos, se não estiver a combater por um grupo terrorista, cometendo crimes de guerra ou coisas do mesmo género é uma situação legal – na maior parte das vezes actuo como conselheiro”.
O Batalhão Azov acolhe igualmente combatentes islâmicos da Chechénia, preparando-os para continuarem a longa guerra contra a Rússia, mas em novo teatro. Mikael Skillt, um atirador sueco “identificado com os pontos de vista neonazis”, foi escolhido para comandar um regimento da organização. E neonazis de lugares tão distantes como o Brasil juntaram-se na Ucrânia para se unirem à cruzada fascista. Um voluntário estrangeiro oriundo de França, um jovem antissemita chamado Gregoire Moutaux, regressava de um campo de treino de milícias ucranianas em 2016, “armado até aos dentes e pronto para atacar” sinagogas, mesquitas, jogos de futebol quando foi preso na fronteira pela polícia nacional.
Para consolidar a sua influência político-militar, o Batalhão Azov criou um corpo de milícia territorial, a Druzhina, à imagem das SS hitlerianas. Um cativante vídeo de recrutamento produzido em 2017, com imagens captadas por drones, revelou membros desta organização marchando em formação pelas ruas de Kiev, enquanto o seu mentor ideológico, Andryi Biletsky os incitava a “restaurar a ordem ucraniana” numa sociedade corrompida. Estas patrulhas são apoiadas abertamente pelo ministro do Interior, Arsen Avakov, conhecido por ser um patrono das estruturas do Batalhão Azov mesmo sendo membro do partido do presidente ucraniano, Petro Porochenko.
Já este ano, o corpo de milícias neonazis C14 (“14” evoca o mantra das 14 palavras) organizou uma série de pogroms letais contra comunidades ciganas, vandalizou gabinetes de políticos insuficientemente “flexíveis”, invadiu reuniões do Conselho Municipal e atacou até a emissora Hromadske, criada com fundos norte-americanos.

O chefe do grupo de choque nazi C-14 proferindo conferência no centro cultural americano de Kiev

A certeza da impunidade

“Estão associados ao poder e, por isso, podem cometer qualquer crime com a certeza de que não serão punidos”, disse Ivan Katchanovski a propósito do Batalhão Azov e das suas várias brigadas de vigilância das ruas. “Tem com eles a polícia e destacados membros das polícias como Vadim Troyan e, por consequência, podem intimidar impunemente as pessoas comuns e até os políticos”, acrescentou. Depois de integrado no Batalhão Azov, Troyan ascendeu a vice-ministro do Interior da Ucrânia.
Os Estados Unidos não só guardam silêncio perante a onda de violência ultranacionalista que varre a Ucrânia como têm sido cúmplices na legitimação dos perpetradores. Já durante o mês de Novembro, o American House em Kiev, um centro cultural financiado pelo governo dos Estados Unidos, foi palco de uma conferência proferida por Serhiy Bondar, um líder do gang neonazi C14, que se apresentou uniformizado a preceito. Alguns meses antes, o líder republicano da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Paul Ryan, e o Conselho do Atlântico, financiado pela NATO, receberam o presidente do Parlamento ucraniano, Andriy Parubyi, cofundador da organização fascista Partido Nacional-Social.
Devido à liberdade de acção de que os extremistas de direita usufruem na Ucrânia pós-Maidan, não é de admirar que este país se tenha transformado no paraíso para os fascistas de todo o Ocidente.

A “Reconquista da Europa”

Nas suas funções de secretária para as relações internacionais do Batalhão Azov, Olena Semanyaka emergiu como uma das propagandistas mais eficazes do fascismo no Leste da Europa. De cabelos negros e com uma imagem vagamente gótica, autodenomina-se “tradicionalista” à maneira do seu herói, Julius Evola, o filósofo esotérico italiano que teorizou sobre “o racismo espiritual”. Apesar de ter sido fotografada com uma bandeira nazi e fazendo a correspondente saudação, é uma convidada bem acolhida pela televisão nacional da Ucrânia onde promove a sua campanha de libertação dos correligionários detidos na Rússia.
No desempenho das suas funções no âmbito do Azov, Semanyanka organiza sessões de divulgação da “Grande Reconquista da Europa”, um conceito fascista-nacionalista paneuropeu que tem base nos antigos Estados influenciados pela União Soviética e pretende varrer a Europa Ocidental.
Semanyaka expôs o que considera ser a grande estratégia fascista durante um encontro, em Kiev, de fãs de Black Metal oriundos de toda a Europa. Foi em Dezembro de 2016 e, na altura, expôs a ideia do “Pacto de Aço”.
“Pela primeira vez de há muito tempo a esta parte existe uma fase de sucesso da direita na Europa Ocidental, devido ao fluxo de refugiados e ao terrorismo, o que nos dá a hipótese de concretizar o nosso ‘pacto de aço’ entre o Oriente e o Ocidente, entre nacionalistas ocidentais e orientais da Europa”, declarou Semanyaka.
“A nossa principal tarefa”, acrescentou, “é provar aos nacionalistas ocidentais que a Rússia de Putin não é alternativa à União Europeia e que o seu único aliado é um eixo alternativo de integração europeia que está a nascer em Kiev, na Europa Central e de Leste, como trampolim para a reconquista europeia, para uma nova Europa entre a União Europeia e a Rússia neo-soviética e neo-bolchevique de Putin”.
Semanyaka e outros ideólogos fascistas designam como “Intermarium” esse trampolim regional de reconquista. O conceito surgiu pela primeira vez a seguir à Primeira Guerra Mundial, divulgado pelo chefe militar polaco Jozef Pilsudski, que idealizou uma confederação de países do Báltico ao Mar Negro, como contrapeso às influências alemã e russa.
Embora a ideia não se tenha materializado, a reintegração da Crimeia na Rússia, em 2014, e o fracasso da União Europeia e da NATO em impedi-la fizeram reviver o conceito. Um dos maiores impulsionadores da renovada ideia de aliança é o presidente polaco Andrzej Duda, de extrema-direita, que a encara como um projecto de segurança regional. Para a extrema-direita ucraniana, porém, o “Intermarium” deverá ter uma base etnicamente pura para exportar a revolução para o resto da Europa. ,
A primeira conferência “Intermarium” foi realizada em Janeiro de 2016 em Kiev, organizada pela estrutura política do Batalhão Azov e com a presença de activistas de extrema-direita da Polónia e dos países bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia. Semanyaka dirigiu os trabalhos, em coordenação com Biletsky o fundador do Batalhão Azov.
Cavalos de Tróia
Um ano depois, os objectivos do “Intermarium” foram divulgados durante uma cerimónia oficial realizada na Embaixada da Letónia em Kiev. O embaixador anfitrião deu as boas-vindas às principais figuras do conjunto das organizações fascistas ucranianas, do Svoboda a representantes do Corpo Nacional do Azov, como Semanyaka. Na ocasião foi prestada homenagem a Peter Radzins, um general letão que defendeu o “Intermarium”.
A cerimónia foi organizada pela Aliança Nacional, um partido da extrema-direita da Letónia que integra a coligação governamental, contribuindo assim para a legitimação internacional dos dirigentes do Batalhão Azov. Matthew Kott, professor universitário com obra dedicada à extrema-direita europeia, considera que a “adesão da Letónia à União Europeia e à NATO permite-lhe actuar como um cavalo de Tróia para aumentar o peso da extrema-direita na comunidade euro-atlântica”.
Apesar destes êxitos, as tradicionais tensões históricas entre os potenciais países do “Intermarium” ainda estão em ebulição. Para tentar ultrapassar o problema, Olena Semanyaka lembrou aos seus aliados a importância das palavras do falecido chefe fascista britânico Oswald Ernald Mosley em favor de “um grande acto de esquecimento de todos os nossos confrontos anteriores, conflitos históricos e inimizades”. A chefe de relações internacionais do Batalhão Azov acrescentou que “precisamos de um renascimento do sentido de uma nova aristocracia europeia, uma nova unidade europeia como uma base concreta para a união que pretendemos”.
Entre os supremacistas brancos norte-americanos e os seus correligionários ucranianos não consta que haja ressentimentos históricos. Afinal, o governo norte-americano tornou-se o garante da segurança da Ucrânia, chegando a pontos de armar o Batalhão Azov como mais uma unidade virada contra a Rússia. Além disso, décadas antes os Estados Unidos já tinham apoiado extremistas da Ucrânia: a CIA aplicou um programa de reabilitação de ex-colaboracionistas nazis como membros activos da espionagem anticomunista. Apoiar os fascistas ucranianos é, afinal, uma grande tradição norte-americana.

ORGANIZAÇÕES FASCISTAS UCRANIANAS

Partido Svoboda – Originalmente designado Partido Nacional-Social da Ucrânia, tem uma longa história de antissemitismo. O chefe é Oleh Tyahnybok, que durante a “revolução de Maidan” esteve em estreita colaboração com os senadores norte-americanos John McCain (Partido Republicano) e Chris Murphy (Partido Democrata). Andriy Parubiy, cofundador do partido, é o presidente do Parlamento ucraniano.
Batalhão Azov – Formação nazi com um corpo de três mil membros integrado na Guarda Nacional. Teve origem no grupo paramilitar neonazi Patriotas da Ucrânia, chefiado por Andriy Biletsky. Tem uma simbologia estabelecida a partir da estilização de distintivos hitlerianos. Biletsky é membro do Parlamento; Vadim Troyan ocupa o cargo de vice-ministro do Interior.
Corpo Nacional Ucraniano – O braço civil do Batalhão Azov. Responsável, nomeadamente, pelo recrutamento de neonazis e supremacistas brancos em todo o mundo.
Druzhina Nacional – Milícia urbana de patrulhamento das ruas integrada na estrutura Azov. Criada em Janeiro de 2018, para “restaurar a ordem ucraniana” nas ruas. Destaca-se pela realização de pogroms e operações punitivas em geral contra grupos de ciganos, comunidade LGTB e outros activistas que desprezem.
Sector de Direita – Grupo de choque que integra neonazis e claques ultra de clubes desportivos. Enquadrou-se nos episódios de violência que caracterizaram a chamada “revolução Maidan” e destacou-se no massacre de Odessa, em 2 de Maio de 2014.
C 14 – Grupo de choque financiado pelo governo de Kiev e que é responsável por operações punitivas letais contra ciganos e pela violência anti-LGBT. A designação vem do slogan supremacista branco dito “das 14 palavras”. Serhiy Bondar, o chefe, é escutado como conferencista no American House, centro cultural em Kiev financiado pelo governo de Washington.

*Jornalista e escritor. Fundador e editor do Grayzone Project. Autor de livros de reportagem e documentários cinematográficos. O mais recente intitula-se “Killing Gaza”.

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