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NATO E UE APADRINHAM FRAUDE POLÍTICA NA MACEDÓNIA

O embaixador norte-americano Jess Baily, considerado em Skopje como um verdadeiro suserano da Macedónia ex-jugoslava. Atrás pode ver-se o representante da União Europeia num processo que envergonha a democracia

2018-10-25

Louise Nyman, Skopje

Vale tudo. O processo de mudança de nome da Antiga República Jugoslava da Macedónia (FYROM) conduzido pela União Europeia e a NATO fica como exemplo ímpar de viciação política e de atropelamento das mais elementares normas democráticas. O objectivo de iniciar o processo de revisão constitucional para integrar o território no “campo democrático” foi declarado como atingido, mesmo violando a Constituição do país e a aritmética elementar. Para isso, vários deputados foram corrompidos através de uma operação chefiada pelo embaixador dos Estados Unidos, Jess Baily. Mas o processo ainda não fica por aqui.

Depois do rotundo fracasso do referendo popular para mudança de nome, no qual dois terços dos eleitores se recusaram a participar, o governo “social-democrata” de Zoran Zaev e o Departamento de Estado norte-americano, em sintonia com o representante da União Europeia em Skopje, assestaram o foco ao Parlamento.
O recurso a este expediente é de legitimidade duvidosa, uma vez que a vontade popular fora expressa através da anulação do referendo, mas a questão nem chegou a colocar-se.
A mudança de nome de FYROM para Macedónia do Norte é fulcral para que seja resolvido o longo diferendo existente com a Grécia, cuja primeira etapa foi ultrapassada através de um acordo entre Atenas e Skopje patrocinado pela NATO e a União Europeia e no qual o primeiro-ministro Alexis Tsipras – percebe-se hoje – pôs em risco a sua coligação de governo.
Sem o aval da Grécia, que depende da mudança do nome e, em geral, do esvaziamento do conteúdo nacional macedónio do território da antiga Jugoslávia, não haverá integração deste na União Europeia e na NATO – considerada de grande importância para a estratégia expansionista balcânica das duas instituições.

Enorme burla parlamentar

Conseguir a alteração de nome e a perda da identidade macedónia no Parlamento também não é fácil. A Constituição da FYROM exige a aprovação das alterações constitucionais por um mínimo de dois terços do Parlamento – expressamente 81 votos em 120 deputados.
Isso significa que para aprovar a abertura do processo de revisão constitucional parte da bancada do partido nacionalista de oposição – VMRO-DPMNE – teria que renegar a política oficial da organização, que estivera na base do boicote ao referendo.
O Departamento de Estado norte-americano mobilizou então uma task-force para monitorizar a estratégia a adoptar pelo primeiro-ministro Zoran Zaev. Do grupo fazem parte os embaixadores norte-americanos na Macedónia e na Grécia, respectivamente Jess Baily e Geoffrey R. Pyatt, e o director do Departamento de Estado para os Balcãs, Matthew Palmer.
A base da estratégia adoptada foi a de corromper o número suficiente de deputados do partido nacionalista para atingir o número mágico de 81 votantes favoráveis ao início do processo de mudança de nome.
Alguns deputados do VMRO-DPMNE estavam sob alçada da Justiça, uns detidos, outros em fase de instrução, devido a incidentes parlamentares registados anteriormente. A task-force identificou-os como os elos mais fracos, eventualmente dispostos a colaborar no caso de os processos judiciais serem anulados e as penas revogadas.
As tentativas para convocar plenários parlamentares fracassaram nos dias 17 e 18 de Outubro, por não estarem reunidas as condições de êxito e porque se registaram ausências suficientes para não garantir quórum.
Enquanto isso, a estratégia do primeiro-ministro e dos seus mentores norte-americanos começou a tornar-se evidente. As ofertas a deputados nacionalistas, em alguns casos prontamente aceites, incluíam pastas com pelo menos 250 mil euros, garantia de segurança pessoal pelos órgãos do Estado e mesmo um visto de residência nos Estados Unidos para os que desejem fugir. No Parlamento, com a aproximação da sessão de 19 de Outubro, a discrição abrandou, e tornou-se banal a multiplicação de ofertas de automóveis e de recompensas em dinheiro em troca de votos “sim”. Mas também foram proferidas ameaças de morte.
Em recente reunião do Comité Central do VMRO-DPMNE foi revelado que Saso Mijalkov, ex-director da espionagem interna e de quem se diz em Skopje “que tem mais ligações mafiosas do que a própria Mafia”, visitou alguns deputados nacionalistas nas suas residências, acompanhado por vários homens armados, para os “convencer” a mudar o sentido do voto. Conhecido como "agente Tesla" para executar a estratégia do embaixador norte-americano, Mijalkov acabou por ser expulso do partido nacionalista, não por causa destas visitas intimidatórias mas por, simultaneamente, ter participado numa conspiração para derrubar o líder do partido, Hristijan Mickoski. Entregar a força nacionalista a alguém mais flexível em relação à mudança de nome, eventualmente o próprio Mijalkov, tornaria mais fáceis os objectivos da União Europeia e do Departamento de Estado tendo em conta o caminho que ainda é necessário percorrer.

Embaixador dos EUA conduziu a votação

No dia do plenário parlamentar decisivo, o embaixador Jess Baily instalou-se no gabinete do presidente do Parlamento, na companhia do primeiro-ministro Zaev. Daí comandou as operações no plenário, também através de SMS, quando considerou necessário – como atesta a imprensa de Skopje. Pelo menos dez deputados da oposição foram chamados ao gabinete antes da votação.
Para surpresa de muitos jornalistas, a direcção do VMRO não explorou as possibilidades que tinha para impedir o êxito das manobras de viciação: não substituiu a tempo os deputados que reconhecidamente se tinham deixado corromper nem optou pelo boicote da votação retirando o grupo em bloco da sala das sessões. E apenas expulsou os deputados indisciplinados depois de terem votado. A direcção do VMRO tenta agora, com muito menores hipóteses de êxito, que os deputados em causa abandonem os lugares para serem substituídos durante a revisão constitucional. Dois estariam dispostos a fazê-lo, mas a devolução da pasta recebida das mãos do "agente Tesla" inibe o meritório gesto.
A votação foi feita com os 120 deputados presentes; 80 votaram pela mudança de nome, entre eles os da oposição que tinham problemas com a justiça. Não demorou a saber-se que ficaram com o cadastro limpo, além de também eles serem contemplados com pastas contendo dezenas de milhares de euros.
Foram sete os deputados que desrespeitaram a linha política do partido nacionalista. Era necessário mais um; no entanto, apesar da letra da Constituição, os 80 votos favoráveis foram considerados suficientes para assegurar os dois terços. Violou-se a Lei Fundamental do país para abrir um processo de revisão constitucional, enviesou-se a aritmética.
A NATO e a União Europeia congratularam-se imediatamente com esta porta aberta para a entrada da “Macedónia do Norte” no “campo democrático”.

Fraude ainda por concluir

A decisão tomada abre apenas o processo de revisão constitucional para esvaziar a FYROM dos principais conteúdos nacionais macedónios, o que representaria uma cedência total às exigências gregas como moeda de troca para a futura incorporação na União Europeia e na NATO.

Sabe-se que as tentativas de corrupção de deputados do partido nacionalista continuam, agora para que a maioria constitucional de dois terços seja alcançada e alargada, de modo a tornar a operação de fraude política mais segura. Em paralelo, decorrem processos de resistência popular para que, no mínimo, as entidades que fiscalizam a aplicação da Constituição sejam rigorosas no cumprimento da letra da lei, para que o processo não volte a estar sujeito a interpretações dúbias como as que tornaram suficiente uma maioria de 80 deputados que deveria ser de 81.

Pode acontecer, portanto, que o processo aberto sofra ainda alguns percalços, que não dependerão apenas do êxito da operação generalizada de corrupção e do comportamento da direcção dos nacionalistas. Também o partido BESA, associado à minoria étnica albanesa, surge agora com a reivindicação própria de tornar o albanês uma língua oficial do país. Em sectores da comunicação social admite-se que esta atitude possa encobrir um aproveitamento da distribuição de generosas recompensas do Departamento de Estado norte-americano através do "agente Tesla", mas haverá que aguardar os próximos episódios do processo.

No entanto, se as pretensões do governo macedónio e dos seus mentores estrangeiros forem mesmo concretizadas, pode acontecer que, ironicamente, o trabalhoso resultado não chegue para que a descaracterizada "Macedónia do Norte" venha a entrar futuramente na UE ou na Aliança Atlântica.
A Grécia ainda não ratificou o acordo de Tsipras com Zaev. E, por causa dele, o ministro dos Negócios Estrangeiros já se demitiu; outros sectores da coligação governante em Atenas ponderam rejeitar o documento; as oposições já garantiram o “não”. O governo arrisca a sua sobrevivência nesta jogada política eventualmente mal calculada.
Será que a task force vai ter que transferir o quartel-general para Atenas?

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