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DE COMO ATACAR A CHINA ATRAVÉS DO IRÃO

Exploração offshore de gás natural South Pars

2020-01-15

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Independentemente das questões propriamente iranianas, os Estados Unidos estão inquietos com as relações que Teerão mantém com a China. Passo-a-passo, mas progressivamente, Pequim apoia-se no Irão para concretizar na Ásia o seu gigantesco projecto Iniciativa Cintura e Estrada (ICE) ou Nova Rota da Seda.

O assassínio do general iraniano Qasem Soleimani, autorizado pelo presidente Trump, pôs em marcha uma reacção em cadeia que se propaga para além da região do Médio Oriente. Foi também com essa intenção que os Estados Unidos desencadearam esta operação. Soleimani estava há muito na mira de Washington, mas os presidentes Bush e Obama não autorizaram o seu assassínio. Por que razão o presidente Trump o fez? Por várias razões, entre as quais o seu interesse pessoal em evitar a destituição, apresentando-se como um ardente defensor da “América” perante um inimigo ameaçador. O motivo fundamental da sua decisão de assassinar Soleimani, tomada pelo chamado “Estado profundo” antes da Casa Branca, deve, contudo, ser procurado num factor que se tornou crítico para os interesses norte-americanos apenas durante os últimos anos: a crescente presença económica chinesa no Irão.

Um marco na Rota da Seda

O Irão tem um papel de primordial importância na Nova Rota da Seda (Iniciativa Cintura e Estrada, ICE) lançada por Pequim em 2013 e em fase avançada de concretização: consiste numa rede viária e ferroviária entre a China e a Europa através da Ásia Central, do Médio Oriente e da Rússia, combinada com uma via marítima através do Oceano Índico e os mares Vermelho e Mediterrânico. Para as infraestruturas rodoviárias, ferroviárias e portuárias em mais de 60 países estão previstos investimentos superiores a um bilião (um milhão de milhões) de dólares. Neste quadro, a China está a efectuar investimentos de 400 mil milhões de dólares no Irão: 280 mil milhões na indústria petrolífera, de gás e petroquímica; 120 mil milhões nas infraestruturas de transportes, incluindo oleodutos e gasodutos. Prevê-se que estes investimentos, feitos numa base quinquenal, sejam renovados em seguida.

No sector energético, a China National Petroleum Corporation, empresa pública, recebeu do governo iraniano um contrato de desenvolvimento das jazidas offshore de South Pars, no Golfo Árabe-Pérsico, as maiores reservas de gás natural do mundo. Por outro lado, uma outra empresa chinesa, Sinopec (detida a 75% pelo Estado), está a desenvolver a produção nos campos petrolíferos de West Karoum. Desafiando o embargo dos Estados Unidos, a China aumenta a importações de petróleo iraniano. Mais grave ainda para Washington é o facto de estes acordos comerciais – e outros – entre a China e o Irão preverem a utilização crescente da moeda chinesa e outras, excluindo cada vez mais o dólar. 

Os transportes e o militar

No sector dos transportes, a China assinou um contrato para a electrificação de 900 quilómetros de linhas ferroviárias iranianas, no quadro de um projecto prevendo a electrificação de toda a rede até 2025; e provavelmente assinará também um contrato para construir uma via de alta velocidade com mais de 400 quilómetros. As vias ferroviárias estão ligadas, por sua vez, a uma linha de 2300 quilómetros que já está em funcionamento entre a China e o Irão, reduzindo o tempo de transporte de mercadorias para 15 dias em vez dos 45 dias necessários por transporte marítimo. Através de Tabriz, grande cidade industrial do Noroeste do Irão – de onde parte um gasoduto de 2500 quilómetros que chega a Ancara, na Turquia – as infraestruturas de transportes da Nova Rota da Seda poderão ser ligadas à Europa.

Os acordos entre a China e o Irão não prevêem cooperação militar mas, segundo uma fonte iraniana, para vigiar estes empreendimentos e a respectiva construção serão necessários cerca de cinco mil guardas chineses, contratados pelos serviços de segurança das empresas construtoras. Também é significativo o facto de em final de Dezembro último se terem realizado no Golfo de Omã e no Oceano Índico os primeiros exercícios navais entre o Irão, a China e a Rússia.

Através deste cenário vê-se claramente por que razão Washington decidiu o assassínio de Soleimani: provocar uma resposta militar de Teerão para reforçar o cerco do Irão e poder atingir este país, atingindo também o projecto chinês da Nova Rota da Seda, a que os Estados Unidos não estão em condições de se opor no plano económico. A reacção em cadeia desencadeada pelo assassínio de Soleimani implica, portanto, também a China e a Rússia, criando uma situação cada vez mais perigosa.



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