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NATO: DIVISÃO NAS PALAVRAS, UNIÃO NA GUERRA

Operação Barkhane, Mali: forças especiais norte-americanas e francesas juntas e ao vivo

2019-12-09

Continuamos a publicar opiniões e reflexões sobre a Cimeira da NATO efectuada em Londres. O geopolitólogo italiano Manlio Dinucci reconhece que a reunião manifestou fracturas internas. Porém, em seu entender, essas divisões são secundárias perante os interesses comuns aos mais poderosos entre os aliados, que são reais, profundos e servem de suporte ao regime neoliberal e respectivo complexo militar e industrial implantado nas duas margens do Atlântico.

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Emmanuel Macron falou em “morte cerebral” da NATO, outros definem-na como “moribunda”. Estaremos perante uma aliança que, já sem uma cabeça pensante, se desagrega sob o efeito das fracturas internas? Os litígios na Cimeira de Londres parecem confirmar este cenário. Mas é necessário observar o fundo, os interesses reais em que assentam as relações entre os aliados.

Enquanto Trump e Macron polemizavam em Londres sob as objectivas das câmaras, no Níger, sem muita publicidade, o exército do Comando norte-americano para África (AfriCom) continuava – e continua - a transportar nos seus aviões de carga milhares de soldados franceses e respectivo armamento para diversos postos avançados na África Ocidental e Central; movimentos no âmbito da Operação Barkhane, na qual Paris participa com 4500 militares, sobretudo Forças Especiais, com apoio de Forças Especiais norte-americanas, também elas em acções de combate. Simultaneamente, drones Reaper armados, fornecidos pelos Estados Unidos a França, operam a partir da Base Aérea 101 em Niamey (Níger). Desta mesma base descolam os Reaper da Força Aérea dos Estados Unidos integrados no AfriCom, que agora estão a ser reinstalados na nova base 201 de Agadez, no norte do Níger, continuando a operar com as forças francesas.

Rapina e interesses comuns

O caso é emblemático. Estados Unidos, França e outras potências europeias, cujos grupos multinacionais rivalizam para se apoderarem de mercados e matérias-primas, unem-se quando estão em jogo os seus interesses comuns. Por exemplo, os que existem no Sahel, região riquíssima em matérias-primas: petróleo, ouro, coltan, diamantes, urânio. Porém, os seus interesses nesta região estão agora a ser colocados em risco por levantamentos populares e pela presença económica chinesa. Daí a Operação Barkhane que, apresentada como uma acção antiterrorismo, envolve os aliados numa guerra de longa duração travada com drones e forças especiais.

Alimentar o mercado de guerra

O mais poderoso cimento que mantém a NATO unida é formado pelos interesses comuns do complexo militar e industrial nas duas margens do Atlântico. A declaração final de Londres fornece a principal motivação para um aumento ulterior das despesas militares: “As acções agressivas da Rússia constituem uma ameaça para a segurança Euro-Atlântica”. Os aliados comprometem-se não somente a elevar os seus gastos militares pelo menos até dois por cento do PIB, mas também a dedicar pelo menos 20% deste montante à compra de armamento. Objectivo já atingido por 16 dos 29. Os Estados Unidos investem em armas mais de 200 mil milhões de dólares em 2019. Os resultados estão à vista. No mesmo dia em que se iniciou a Cimeira de Londres, a General Dynamics assinou com a Marinha norte-americana um contrato de 22 200 milhões de dólares, extensíveis a 24 mil milhões, para o fornecimento de oito submarinos da classe Virginia destinados a operações especiais e missões ofensivas com mísseis Tomahawk, incluindo os portadores de ogivas nucleares (40 em cada submarino).

Acusando a Rússia (sem qualquer prova) de ter instalado mísseis nucleares de médio alcance e de ter enterrado o Tratado INF, a Cimeira decidiu “o reforço ulterior da capacidade de nos defendermos com um conjunto de capacidades nucleares, convencionais e antimíssil que continuaremos a adaptar: enquanto existirem armas nucleares, a NATO continuará a ser uma aliança nuclear”. Neste quadro insere-se o reconhecimento do espaço como quinto campo operacional; por outras palavras, anuncia-se um programa militar espacial da aliança muito dispendioso. É um cheque em branco dado por unanimidade pelos aliados ao complexo militar e industrial.

O “desafio” da China

Pela primeira vez, através da Declaração da Cimeira, a NATO fala do “desafio” representado pela influência crescente e pela política internacional da China, sublinhando “a necessidade de enfrentá-lo enquanto aliança”. A mensagem é clara: a NATO é mais do que nunca necessária a um Ocidente cuja supremacia é actualmente posta em causa pela China e a Rússia. Resultado imediato: o governo japonês anunciou a compra, por 146 milhões de dólares, da ilha desabitada de Mageshima, a 30 quilómetros das suas costas, para que possa ser construída uma base de treino de caças-bombardeiros norte-americanos, aí instalados contra a China. 


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