O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

GUERRA CONTRA A CHINA TEM DIMENSÃO MUNDIAL

2019-06-15

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

A administração Trump prossegue a sua política de guerra económica contra a China, mobilizando muitas das armas do seu vasto arsenal desde a imposição unilateral de desmesuradas tarifas alfandegárias, à proibição pura e simples das empresas norte-americanas fornecerem certos produtos a empresas chinesas. O paladino do liberalismo usando a política mais restritiva do comércio.



O contexto em que este ataque acontece é o do ascenso da economia chinesa que de uma economia rural e atrasada se transformou em poucas décadas, sob a direcção do Partido Comunista da China, na segunda maior economia do mundo e prestes a ultrapassar os Estados Unidos como país com maior PIB do planeta. O modelo chinês é o mais bem-sucedido dos últimos dois séculos, o único que permitiu a um país sair do atraso económico e social e em poucas décadas, de forma sustentada, alcandorar-se à liderança económica mundial.

Os Estados Unidos travam, assim, uma luta desesperada para manter a liderança perante a legitima ascensão chinesa, não hesitam em recorrer a medidas que põem em causa a economia mundial e já estão a provocar uma desaceleração do crescimento que se pode tornar numa recessão sem precedentes, lançando milhões no desemprego, na miséria e no desespero.

O comércio mundial está já a ressentir-se destas medidas norte-americanas, as exportações estão a cair a ritmo vertiginoso que faz lembrar o que ocorreu durante a crise iniciada em 2008.


Evolução comércio

Repetir o Erro Histórico da Lei Smoot–Hawley



No final da terceira década do século XX os Estados Unidos enveredaram por uma política tarifária restritiva das importações, consubstanciada na famosa Lei das Tarifas de Smoot–Hawley (Smoot–Hawley Tariff Act ), baptizada com o nome dos seus dois proponentes, os republicanos Reed Smoot do Utah e Willis C. Hawley do Oregon. 

Esta Lei elevou cerca de 900 tarifas alfandegárias entre 40 a 50%, atingindo cerca de 20.000 produtos. Um dos maiores aumentos da história, só comparável com aquele que Trump tem vindo a decretar.

O nível de tarifas atingiu então os 59%! Um nível muito elevado que travou o comércio mundial e muito contribuiu para a disrupção económica na Europa e na Ásia, bem como para o alastrar da fome e da miséria por todo o mundo, incluindo nos Estados Unidos. A concentração de riqueza nas mãos de um grupo restrito atingiu um dos seus máximos históricos. 


A maioria dos economistas norte-americanos defende que esta  lei agravou substancialmente a crise económica americana e lançou o mundo no trajecto para a II Grande Guerra. Alguns apontam a sua aprovação como a causa directa da terrível Sexta-feira Negra, quando as bolsas colapsaram (o alargamento do âmbito da Lei Smoot–Hawley, para incluir muitos produtos não-agrícolas, ocorreu no dia anterior à derrocada bolsista) e se iniciou o período da Grande Depressão.


Sopa dos pobres nos EUA durante a Grande Depressão

O resultado foi uma retaliação dos países europeus e uma redução do comércio internacional norte-americano em mais de 60%, lançando no desemprego milhares de americanos. Note-se que à época as exportações representavam apenas 5% do PIB norte-americano, sendo hoje 13%.

 O movimento para a redução de tarifas após a II Grande Guerra foi inicialmente benéfico para os Estados Unidos e os seus aliados europeus, mas, a prazo, o Japão, a China e vários países asiáticos têm sabido aproveitar melhor as oportunidades abertas por estas descidas.

A experiência histórica da Lei das Tarifas Smoot–Hawley e dos resultados desastrosos que provocou deve ser lembrada num momento em que os EUA apostam na elevação das tarifas alfandegária como forma de conter a ascensão pacífica da economia chinesa e de relançar o seu crescimento económico interno. 

Aumento dos Preços


Tarifas significam custos acrescidos



As novas e desmesuradas tarifas estão a levar nos Estados Unidos a um aumento do preço dos bens importados da China e a uma redução da margem das empresas que os produzem e comercializam.

Ambas as situações concorrem para promover uma crise económica séria. O aumento de preços levará a uma diminuição das vendas e, consequentemente, a uma redução da produção e do emprego.

A redução das margens põe em causa várias empresas da cadeia de valor, por exemplo retalhistas independentes, levando-as à falência e reduzindo o emprego.

 

Disrupção das cadeias de Valor globais





Esta guerra está a romper as cadeias de valor/produção mundiais, o que levará a uma dolorosa reorganização do comércio mundial. 

Por exemplo, nas indústrias de alta-tecnologia, como também na indústria automóvel e em tantas outras, as matérias-primas são extraídas num país, transformadas noutros em matérias intermédias usadas no fabrico de milhares de peças realizado em múltiplos locais do planeta, e depois reunidas e montadas Em estados diferentes dos anteriores. 

A China participa em diferentes fases destas longas cadeias, os Estados Unidos noutras, a Europa em várias e o resto do mundo também. Ninguém tem um papel definido e imutável. O posicionamento de cada país nestas cadeias produtivas globais depende das suas vantagens competitivas que podem ser distintas em diferentes indústrias.

As desmesuradas tarifas aplicam-se apenas às exportações da China para os Estados Unidos e vice-versa, o que vem colocar pressão em diferentes pontos das cadeias produtivas. 

Algumas empresas poderão tentar deslocalizar as fases em que a China participa, mas isso apenas significa abandonar o gigantesco mercado chinês aos concorrentes. O inverso também será verdadeiro: deslocalizar dos Estados Unidos para manter o mercado chinês.

As alternativas são escassas. A China, pela sua dimensão, não pode ser substituída com facilidade. Uma empresa de máquinas de precisão tentou sair da China e instalar-se na Índia, onde a mão-de-obra é abundante mas pouco qualificada, e não o conseguiu porque faltam trabalhadores especializados e a curva de aprendizagem não é rápida.

Enquanto estas mudanças ocorrem, os mercados entram em ebulição, a produção diminui, o comércio mingua e a crise instala-se. 

Vulnerabilidades e Guerra

Os Estados Unidos têm também debilidades e indústrias que podem ser fortemente afectadas. Um estudo recente aponta para quais as industrias que mais sofrerão: industria agroalimentar, nomeadamente a da soja e do porco; etanol; indústria automóvel; indústrias aeroespaciais; produção de equipamento ferroviário.


Para minimizar este impacto os EUA estão activamente a tentar passar o seu custo para a União Europeia (UE) e para outros parceiros. Vejam-se os ataques à indústria automóvel alemã e, mais recentemente, à indústria aeronáutica franco-alemã. Estes por sua vez fazem recair o custo sobre os países mais fracos e dependentes como Portugal, a Grécia e outros.

Um dos produtos em que a China foi obrigada a impor tarifas foi o vinho. Pois já se ouviu Trump atacar o vinho europeu, nomeadamente o francês, e a exigir que a UE abra o seu mercado ao vinho norte-americano. Se a União Europeia ceder, como é provável, teremos nos nossos supermercados o vinho americano a substituir o vinho nacional.

Arrasta-se assim o mundo para um conflito que pode, como aconteceu no passado, degenerar em guerra. 


O aumento das tarifas podem levar à guerra


Economista, MBA

fechar
goto top