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SÍRIA: A OFENSIVA DE IDLEB, AS ENCENAÇÕES E O RESTO

Idleb, cidade síria onde a paz também foi roubada pelo terrorismo internacional financiado por grandes potências

2018-09-03

José Goulão; com Edward Barnes, Beirute; e Christopher Wadi, Damasco

Madrugada de 2 de Setembro, meia-noite e meia, hora de Damasco: um míssil que escapou à defesa antiaérea incendiou um depósito de munições na base militar de Al-Mazzeh, na região da capital síria. Mais de 70 mortos a registar, provocados por um ataque da aviação israelita, provavelmente a partir do Líbano, segundo fontes do jornal Times of Israel. Num momento em que o exército nacional sírio prepara o assalto ao derradeiro bastião terrorista de vulto – Idleb, no noroeste do país – a coligação de países estrangeiros que conduz a guerra contra a Síria mostra que não desiste. E que tenciona continuar a armar e proteger mercenários terroristas ditos “islâmicos”.

A Síria volta a ter presença destacada no mainstream global. Isso quer dizer que a coligação estrangeira por detrás da agressão terrorista contra o país não aceita a derrota latente e tem como objectivo o prolongamento do conflito até à derrocada do governo de Damasco e, se possível, o desmembramento do território em várias entidades étnico-religiosas militarmente débeis e manipuláveis.

“Vencer a guerra para conquistar a paz”, promete o secretário norte-americano da Defesa, James Mattis, contradizendo algumas das declarações e tweets do seu próprio presidente, Donald Trump, a quem continua a atribuir-se a intenção de abandonar militarmente a Síria.

As palavras do secretário da Defesa fazem mais sentido tendo em conta a realidade no terreno, caracterizada por numerosas e variadas movimentações – nenhuma delas no sentido de conter a guerra. O chamado “Estado profundo”, belicista e imperial, continua a pautar a política externa e militar de Washington, apesar das tendências “negociais” de Trump, que não têm passado de show off até ao momento.

Camiões carregados de armas, munições e veículos blindados continuam a atravessar a fronteira sírio-iraquiana para abastecer os terroristas “moderados” que se acantonam sob a designação de “Forças Democráticas Sírias” (FDS), um dos muitos heterónimos dos bandos de mercenários da al-Qaida e Daesh ou Estado Islâmico. O novo processo de reagrupamento terrorista acontece em regiões do nordeste da Síria, designadamente em Manbij, uma zona onde funcionam bases e estruturas militares clandestinas utilizadas por militares norte-americanos, britânicos e franceses. Nesta área pontifica o chamado “Conselho Militar de Manjib”, uma milícia curda integrada nas FDS e treinada pela CIA – o que tem provocado a ira do governo fundamentalista da Turquia.

Idleb – a ofensiva final

Os contínuos envolvimentos das forças terroristas e dos contingentes militares dos países que as apoiam têm como objectivo preparar a continuação da guerra independentemente do que acontecer na grande ofensiva que o exército sírio efectua no governorato de Idleb, no noroeste do país, região fronteiriça com a Turquia.

Depois das reconquistas de Alepo, Gutha Oriental e Deraa, a ofensiva soberana síria chega a Idleb, onde se reagruparam numerosos bandos terroristas, beneficiando de várias cumplicidades.

A propaganda ao serviço das forças agressoras tem vindo, nos últimos dias, a preparar a opinião pública mundial para a situação de Idleb, profetizando “uma catástrofe humanitária”, segundo o governo turco, ou “uma perfeita tempestade”, nas palavras do enviado da ONU, Stefan de Mistura.

A ONU, segundo o porta-voz de António Guterres, continua a empenhar-se “numa solução política de transição”, o que, perante a situação actual no terreno consolidada durante os últimos meses, significa não reconhecer os avanços no sentido da soberania e da integridade do país conseguidos pelo governo de Damasco.

“O mundo está de olhos postos em Idleb”, ameaça o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, ex-patrão da CIA.

Juntando os actos às palavras, os Estados Unidos deslocaram mais navios e aviões-bombardeiros com mísseis de cruzeiro para a região.

Ao que os russos, aliados de Damasco, responderam na mesma moeda com exercícios nas costas sírias e reforço de meios na base de Tartus.

O cenário está montado na perspectiva da ofensiva síria pela reconquista de Idleb. Cenário também na verdadeira acepção da palavra, pois – repetindo práticas já desmascaradas – os inevitáveis “Capacetes Brancos” preparam a montagem de mais um “ataque com armas químicas” a atribuir às tropas sírias. Assim foi em Alepo e em Gutha Oriental.

Reunindo dados de múltiplas fontes é possível saber que os ditos “Capacetes Brancos”, uma criação dos serviços de espionagem britânicos MI6, que se mantêm na direcção do grupo, raptaram 44 crianças na região de Idleb para serem treinadas de modo a agir como supostas vítimas de produtos químicos. Técnicos de uma empresa designada “Olive” chegaram à localidade de Kafr Zita para cuidarem da encenação do “crime”; e há igualmente a registar a concentração de produtos químicos em Saraqib, por parte dos mesmos militantes “da defesa civil”, os “Capacetes Brancos”.

Também está previsto para que o mundo conheça, em tempo real, as “atrocidades” que serão atribuídas às tropas sírias. Segundo a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, o MI6 criou uma conta de Twitter em nome de uma jovem fictícia, Hala, que irá relatar os ataques em directo, fornecendo provas abundantes da “crueldade” síria.

Por isso, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert, preveniu já em 29 de Agosto que as autoridades sírias “serão responsáveis pelo que se passar em Idleb, especialmente pelo uso de armas químicas”.

É relevante saber como os “Capacetes Brancos”, desmentindo informações de que estavam a ser retirados da Síria pelos próprios criadores, se reagruparam operacionalmente em Idleb.

A Al-Jazeera, cadeia televisiva de notícias com sede no Qatar e manipulada pela Irmandade Muçulmana internacional, que tutela ideologicamente o terrorismo chamado “islâmico”, divulgou uma reportagem dando conta da odisseia de um “capacete branco”, que identificou como Qays.

Qays estava em Deraa quando o exército sírio reconquistou a região, por sinal a mesma onde se deram os acontecimentos que foram preparados como sendo a “Primavera Árabe” síria, em 2011.

O protagonista da Al-Jazeera conseguiu fugir ao “massacre” cometido pelas tropas sírias também em Deraa – onde não terá havido condições para encenar um “ataque químico” – e refugiou-se precisamente na região dos Montes Golã ocupada por Israel, perante a constante benevolência das Nações Unidas,

Foi nesse território sob controlo do governo de Netanyahu que Qays e outros “capacetes brancos” recuperaram alento antes de ocuparem lugar em autocarros postos à sua disposição e nos quais viveram a “aventura” da viagem para se juntarem a outros companheiros no seio das hostes terroristas que ainda controlam Idleb. Onde se cavam túneis e trincheiras para tornar a população civil totalmente refém do terror em que tem sido forçada a viver sob “o fundamentalismo islâmico”.

Para o exército sírio esta poderia ser a derradeira grande ofensiva para desmantelar a teia terrorista que as grandes potências da NATO, aliadas aos regimes ditatoriais do Golfo, montaram com o objectivo de modelar a Síria de acordo com os parâmetros do “novo Médio Oriente” que Israel e o globalismo em geral anseiam.

No entanto, tendo em conta os movimentos que se sucedem preparando o “depois de Idleb” – sendo certo que esta batalha terá repercussões terríveis – a guerra contra a Síria será para continuar. Os agressores não se conformam com as sucessivas derrotas, apesar da declaração proferida pelo ministro francês dos Negócios Estrangeiros no mesmo dia do recente ataque a Damasco, 2 de Setembro, reconhecendo a vitória do governo sírio no conflito.

Permanece a eterna interrogação sobre até que ponto os países mais directamente envolvidos no patrocínio da guerra – através de interpostos terroristas – levarão a importância do seu objectivo estratégico. Até ao limite de se envolverem mais directamente?

Nesse caso, porém, é preciso ter em consideração que os aliados da República Árabe Síria continuam no activo. Passando então o conflito a ter uma ameaçadora envergadura global.

Um risco que é recorrente, e real, enquanto a agressão estrangeira contra a Síria prosseguir.


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