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AS AJUDAS DE CUBA SÃO ESCONDIDAS AO MUNDO

Médicos cubanos à chegada a Itália para participarem no combate à pandemia na Lombardia

2020-04-18

Franklin Frederick, America Latina en Movimiento/O Lado Oculto

A epidemia de COVID-19 mostra-nos o completo fracasso das políticas neoliberais em todo o mundo: a trágica situação em Itália, Espanha, França e Estados Unidos – actualmente os mais afectados – deve-se principalmente a décadas de políticas de austeridade e cortes nos serviços públicos de saúde.

A este facto acrescenta-se a miopia da classe capitalista, que impede os governos de tomarem as medidas necessárias. A medicina privada e orientada para o lucro, como a que é desenvolvida pelo neoliberalismo, não pode simplesmente fazer frente a estas pandemias. Faltam equipamentos e materiais básicos – máscaras, camas de hospital, ventiladores – e o pessoal qualificado necessário para fazer frente aos vírus perigosos.

Os países de orientação socialista como a China e o Vietname estão a ter desempenhos muito melhores perante a crise. Mesmo depois de anos de sanções económicas mortais impostas pelos Estados Unidos e seus aliados, a Venezuela está a fazer muito mais pelo seu povo que os seus vizinhos Equador e Colômbia – tão elogiados pela imprensa convencional – sem mencionar o Brasil. E sobretudo Cuba, que também sofre anos de sanções e embargos, não só está a gerir bem a situação de pandemia no país como também consegue enviar ajuda médica essencial para o estrangeiro.

Sabe-se bem como Cuba tem sido um farol da cooperação Sul-Sul durante décadas: os médicos cubanos estão presentes em muitos países da América Latina e de África, onde Cuba desempenhou um papel fundamental no controlo do vírus ébola.

O que é novo, contudo, é que Cuba apoia os países ricos da Europa Ocidental como Itália ou França. O trabalho realizado pelo pessoal de saúde cubano na região italiana da Lombardia é notável e deve ser reconhecido. Ao contribuir para a luta contra a pandemia em Itália, Cuba contribui também para prevenir a propagação do vírus em países vizinhos, como a Suíça. 

O culto da ingratidão

É lamentável que algumas organizações suíças nem sequer mencionem a actividade de solidariedade desenvolvida por Cuba na crise actual que todos enfrentamos. Para Alliance Sud, a plataforma política das principais agências de desenvolvimento suíças – Cáritas CH, Action de Carême, HEKS, Pan para todos, SwissAid e Helvetas – Cuba parece não existir em absoluto. No último boletim da Alliance Sud, um artigo intitulado “Uma crise mundial necessita de solidariedade mundial” não menciona o trabalho de solidariedade de Cuba.

Os bancos suíços continuam a apoiar plenamente as sanções económicas impostas contra Cuba pelos Estados Unidos. Como resultado, nenhum banco suíço importante permite transacções financeiras com Cuba.

Pequenas organizações suíças apresentaram uma petição ao governo do país para por fim às sanções contra Cuba, mas sem êxito. No mencionado boletim, a Alliance Sud faz quatro pedidos públicos ao governo suíço, nenhum dos quais inclui o fim das sanções dos bancos suíços contra Cuba.

Em poucas palavras, enquanto Cuba arrisca o seu pessoal médico enviando-o para salvar vidas em Itália e ajudando assim a proteger o cantão vizinho suíço de Ticino, os bancos suíços castigam Cuba e, para a Alliance Sud, Cuba não merece a solidariedade suíça.

Há uma razão para esta moral dupla: o neoliberalismo há muito que é praticado pelo governo suíço – e também pela União Europeia.

A miragem do privado

Na ideologia neoliberal, o sector privado e, em última instância, o mercado têm o poder real de decidir sobre a distribuição da riqueza produzida pela sociedade. Para Cuba, ao invés, é o povo que tem esse poder de decisão e o povo sobrepõe-se ao mercado. É a excelência dos médicos e profissionais qualificados e financiados pelo Estado cubano que está a ajudar Itália, França, Brasil e outros países a combater a pandemia. O facto de Cuba estar a por em evidência o fracasso do sector privado – e portanto do mercado e da ideologia neoliberal – no tratamento da pandemia é uma realidade que tenta esconder-se da consciência pública de todas as maneiras possíveis.

A Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (COSUDE), que é o principal financiador da maioria das grandes Organizações Não Governamentais (ONG’s) e organizações de desenvolvimento suíças, há muito que interiorizou a ideologia da superioridade do sector privado na promoção do desenvolvimento e da ordem social. Na sua revista Un Seul Monde, de Dezembro de 2015, o artigo principal teve como título “O sector privado motor do desenvolvimento”. Neste artigo elogiam-se as conquistas do sector privado; e não conseguimos encontrar nenhum artigo desta revista da COSUDE que dê, da mesma maneira, uma importância fundamental ao sector público.

Paralelamente à defesa do sector privado e à ideia de mercado como elemento chave na organização e desenvolvimento da sociedade, atacam-se as conquistas dos países de orientação socialista. Por exemplo, outro artigo de Un Seul Monde, do jornalista suíço Sandro Benini, publicado em Março de 2014, elogia as conquistas da Colômbia na luta contra a pobreza em comparação com a Venezuela. E a mais recente edição de Un Seul Monde – de Março de 2020 – contém um artigo sobre as pessoas que fogem do desastre económico da Venezuela. Os refugiados da catástrofe hondurenha não merecem a mesma atenção por parte da COSUDE – nem sequer a catástrofe económica provocada na Argentina pelo governo neoliberal de Macri – que Sandro Benini tanto elogiou noutros artigos – para citar apenas alguns exemplos.

Visão desfocada

Em 2019 chegou então a reacção à catástrofe neoliberal: a explosão de manifestações públicas sem precedentes no Chile, Colômbia, Equador – mas, surpreendentemente, não na Venezuela – contra os respectivos governos destes países. Parece que os povos da Colômbia, Chile e Equador não estão de acordo com a visão da COSUDE.

As conquistas da Venezuela nos âmbitos da habitação e da educação não foram elogiadas nas páginas de Um Seul Monde – e duvido que a COSUDE alguma vez venha a abordar como Cuba e a Venezuela enfrentam a pandemia de coronavírus com muito melhores resultados que o “país modelo” Colômbia – ou Equador. 

Do ponto de vista da COSUDE, dos bancos suíços e da Alliance Sud são obviamente o neoliberalismo, o mercado e o sector privado que estão a dar as respostas adequadas à pandemia de COVID-19, e não Cuba, independentemente das provas concretas existentes.

Para a sua nova Estratégia 2021-2024 a COSUDE tenciona aumentar o compromisso de ajuda ao desenvolvimento a partir de associações com o sector privado – as associações público-privadas – reafirmando assim a ideologia neoliberal. Apesar disso, devido ao fracasso neoliberal, amplamente demonstrado pela epidemia de COVID-19, é de esperar que se realize um debate mais profundo sobre o papel do sector público no desenvolvimento de uma sociedade. A COSUDE, a Alliance Sud, os grandes bancos suíços e outros darão tudo o que está ao seu alcance para evitar a discussão, como já é evidenciado pela negação do papel de Cuba na luta contra a pandemia.

Espera-se que aqueles que na Suíça estão agradecidos a Cuba e que reconhecem a importância fundamental de uma mudança profunda na organização da economia e da sociedade levantem as suas vozes e façam perguntas importantes a estas organizações suíças.


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