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ITÁLIA ENTREGA-SE À “ASSISTÊNCIA” DE TRUMP

Com Itália mergulhada numa crise humanitária, o chefe do governo de Roma decidiu acolher-se a Trump

2020-04-15

O governo italiano de Giuseppe Conte fez a sua escolha: sabendo que não pode contar com a “solidariedade” de uma União Europeia sem rei nem roque e onde a economia é sempre mais importante que as pessoas; e enquanto vai aproveitando as ajudas russa, chinesa e cubana acabou por pedir “assistência” a Donald Trump. Que não se fez rogado, faltando conhecer quanto e como os italianos irão pagar em troca.

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou aos italianos durante uma intervenção em directo pela televisão, em 10 de Abril, que a Itália não assinou qualquer compromisso em torno do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MES) “salvador de Estados” e que o seu governo discutirá apenas com base “num MES não condicionado”, isto é, que não imponha condições prejudiciais para os interesses nacionais e a soberania do país. Uma posição justa. Mas o primeiro-ministro não anunciou aos italianos que na mesma altura, em 10 de Abril, o presidente Trump emitiu, a pedido do governo Conte, um Memorando sobre o fornecimento de assistência relacionada com o COVID-19, que contém, de facto, pesados condicionamentos contra o país.

Trump anuncia que “o governo de Itália requisitou a assistência dos Estados Unidos”. Por isso, em virtude da autoridade que lhe conferem a Constituição e as leis, “determina o que se segue” para ajudar “um dos nossos mais velhos e próximos aliados”. As ordens, dadas aos secretários dos departamentos (“ministros”) e às agências dos Estados Unidos, estipulam dois tipos de intervenção.

A primeira é de carácter sanitário para ajudar a Itália a combater o COVID-19, “demonstrando simultaneamente a liderança dos Estados Unidos face às campanhas de desinformação chinesa e russa”. O presidente ordena ao secretário da Defesa que torne disponíveis, para a assistência, “os mais de 30 mil militares e assalariados norte-americanos em Itália” com as suas “estruturas”.

O segundo e mais consistente tipo de intervenção consiste em “apoiar a retoma da economia italiana”, que corre o risco de cair “numa profunda depressão”. O presidente Trump ordena aos secretários do Tesouro e do Comércio, ao presidente do Banco de Exportação-Importação, ao administrador da agência para o desenvolvimento internacional e ao director da United States International Development Finance Corporation (agência governamental que financia os projectos de desenvolvimento privados) que utilizem os seus instrumentos “para apoiar as empresas italianas”.

Que condições?

Ignora-se ainda que instrumentos serão utilizados pelos Estados Unidos para “apoiar a retoma da economia italiana” nem quais serão as condições sob as quais serão concedidas as “ajudas”. Contudo, o plano de Washington é claro: explorar a crise e as fracturas da União Europeia para reforçar a influência norte-americana em Itália, enfraquecendo ao mesmo tempo as relações de Itália com a China e a Rússia.

A autoridade com a qual foi lançado o plano “de assistência à República Italiana” confirma-o: uma série de ordens presidenciais dadas não apenas aos secretários dos departamentos citados mas também ao secretário de Estado e ao assistente do presidente para os Assuntos de Segurança Nacional. Um dos objectivos do plano entra seguramente no que o New York Times definiu como “uma corrida mundial aos armamentos por uma vacina anti-coronavírus que se trava entre os Estados Unidos, a China e a Europa”. O primeiro que consiga produzir a vacina – escreve o New York Times – “poderá ter a possibilidade não apenas de favorecer a sua população mas de ter nas mãos o trunfo para enfrentar as consequências económicas e geoestratégicas da crise”.

O grupo farmacêutico norte-americano Johnson & Johnson anunciou em 30 de Março que selecionou uma possível vacina contra o COVID-19, na qual tem trabalhado desde Janeiro com o Departamento da Saúde com um investimento conjunto de mais de mil milhões de dólares. A empresa anuncia que depois dos testes clínicos previstos para Setembro a produção da vacina poderá iniciar-se nos primeiros meses de 2021, de acordo com “prazos substancialmente acelerados em relação aos prazos habituais”, atingindo rapidamente a capacidade de produção de mais de mil milhões de doses.

O plano de “assistência” a Itália, ordenado pelo presidente Trump, poderá incluir também o fornecimento da vacina, que será provavelmente utilizada (eventualmente tornando-a obrigatória) sem se preocupar com os prazos dos testes e a produção “substancialmente acelerados em relação aos prazos habituais” nem com os custos económicos e políticos desta generosa “assistência”.


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