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TORTURA AFECTA SAÚDE DOS “CINCO OLHOS”

"Cinco Olhos", a incarnação do Big Brother

2019-09-18

Louise Nyman, Londres

A CIA deixou de ter acesso automático às informações obtidas pelos serviços secretos da Nova Zelândia. As autoridades deste país estabeleceram um conjunto de “boas práticas” obrigatórias para tentar evitar o uso desses dados pela parte norte-americana em actividades de tortura e outras violações dos direitos humanos. Ensombram-se assim os horizontes da cooperação dos chamados “Cinco Olhos”, o conjunto dos serviços de espionagem anglo-saxónicos – Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia – e que tem um alcance efectivamente global.

A medida que estabelece estas “boas práticas” contém igualmente recriminações aos anteriores responsáveis da espionagem da Nova Zelândia, considerados passivos perante o comprovado recurso da CIA e outras agências norte-americanas à tortura e outras atrocidades no âmbito da chamada “guerra contra o terrorismo”.

Os novos gestores da Inspecção-Geral de Inteligência e Segurança (IGIS) da Nova Zelândia publicaram durante o Verão um relatório condenando o papel dos serviços secretos neozelandeses nos programas de interrogatório conduzidos pela CIA e outras agências norte-americanas em prisões secretas criadas no exterior dos Estados Unidos, incluindo em países da União Europeia. Esses “programas” incluem práticas de tortura, como se tornou conhecido mesmo através de relatórios oficiais norte-americanos.

A partir do relatório do IGIS, a presidente do Supremo Tribunal da Nova Zelândia, Cheryl Gwin, estabeleceu um conjunto de normas obrigatórias para serem seguidas pela comunidade neozelandesa de espionagem desde Agosto último. As directivas estabelecem, por exemplo, que os serviços de Wellington deverão assegurar-se de tipo de utilização que irão ter os dados a fornecer antes de estabelecerem uma cooperação prática com um serviço de espionagem estrangeiro – incluindo dos países dos “Cinco Olhos”. A medida tem como objectivo declarado pela presidente do Supremo Tribunal o de tentar evitar cumplicidades com casos de tortura e outras violações dos direitos humanos.

As novas normas entraram em vigor já depois de a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, ter renovado o estatuto dos serviços secretos do país como membros dos “Cinco Olhos”, o que aconteceu em Julho. A pedido do IGIS, no entanto, foi introduzida uma medida cautelar que permite reduzir a duração das parcerias – actualmente de três anos – devido às cada vez mais frequentes e imprevisíveis alterações de comportamento das estruturas dirigentes dos países dos “Cinco Olhos”.

Confirmada a submissão à CIA

Os pareceres da presidente do Supremo Tribunal da Nova Zelândia são particularmente críticos em relação ao comportamento dos chefes de espionagem do país nos contactos com a CIA entre 2001 e 2009, uma fase em que se tornou ostensivo o uso de métodos de tortura pela agência norte-americana.

Cheryl Gwin acusa sobretudo os ex-chefes do Serviço de Inteligência de Segurança (NZSIS) e do Gabinete de Segurança de Comunicações do Governo (inteligência electrónica), respectivamente Richard Woods e Warren Tucker, por não se terem distanciando da CIA quando foram divulgados os primeiros relatórios sobre tortura, em 2004.

Nos depoimentos que fizeram perante a juíza, os dois ex-chefes de espionagem alegaram que tinham pouca margem de manobra em virtude das exigências feitas pelos norte-americanos no âmbito da cooperação dos “Cinco Olhos”. Não havia espaço, segundo eles, para solicitar explicações aos responsáveis da CIA.

Outros países da organização anglo-saxónica têm divulgado iniciativas relacionadas com o mesmo assunto, tentando distanciar-se da cumplicidade com a tortura, mas nenhuma delas tem o conteúdo assertivo assumido pela parte neozelandesa. Os próprios membros dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido emitiram recomendações aos serviços de espionagem, principalmente a CIA e o MI6, para tratarem os detidos de acordo com os seus direitos reconhecidos nas legislações nacionais e internacionais.

Observadores consideram que estas recomendações, se levadas a sério, poderiam limitar os relacionamentos entre as principais organizações de espionagem do globalismo e dos regimes terroristas seus aliados, designadamente no Médio Oriente e no Golfo Árabe-Pérsico.

Daí ser pouco provável que as normas e recomendações desencorajando a cooperação entre a espionagem e a tortura venham a ter efeito prático, devendo funcionar mais como mensagens de propaganda destinadas à opinião pública. 

O caso da Nova Zelândia pode, portanto, ser isolado: teve origem no país com menos influência no grupo dos “Cinco Olhos” mas, por outro lado, revela algum mal-estar dentro deste em relação às actividades terroristas conduzidas pelas agências de espionagem norte-americanas.


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