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GEÓRGIA: A NATO PAREDES MEIAS COM A RÚSSIA

Stoltenberg de visita a mais um recanto do império, bem na fronteira com a Rússia.

2019-05-11

Brian Cloughley, Strategic Culture/O Lado Oculto

O ministro britânico da Defesa, Gavin Williamson, foi demitido no 1º de Maio, sob um ridículo coro de aprovação, por ter revelado o conteúdo das discussões de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional do Reino Unido. Ninguém deve surpreender-se com as suas revelações, porque todos os políticos as fazem; mas já se justifica alguma surpresa moderada quanto ao facto de ter sido perseguido, situação que deve passar a espanto pela circunstância de as consequências dos seus actos, que o próprio continua a negar, terem chegado até à demissão.

A sua conversa de onze minutos com um jornalista é a chamada prova decisiva; Williamson tinha obrigação de saber que os tecno-engenhos da espionagem britânica não iriam apurar apenas a duração da conversa, mas também todas as palavras proferidas enquanto durou. Não admira que a primeira-ministra estivesse suficientemente segura ao demiti-lo.

Ninguém fica a perder com a sua demissão, muito menos a causa da paz e da cooperação na Europa. Basta lembrar um discurso em que Gavin Williamson declarou que “actualmente a Rússia está a ressurgir, reconstruindo o seu arsenal militar e procurando trazer países independentes da antiga União Soviética, como a Geórgia e a Ucrânia, de regresso à sua órbita”. A sua (um tanto brusca) provocação foi retomada por grande parte dos media de Londres e a opinião pública acabou por ser influenciada.

O jornal Daily Express é uma publicação bizarra especializada em delírios sensacionalistas. Algumas das suas notícias são estranhas, no domínio da fantasia; o jornal foi ainda mais longe do que o habitual quando, em 21 de Abril, proclamou em manchete: “Guerra Mundial 3: Reino Unido ENFRENTA a Rússia enviando navios de guerra para o Mar Negro”.

O navio enviado numa “operação de liberdade de navegação” pela Marinha Real do Reino Unido é o HMS Echo e não pode bem ser considerado uma embarcação de guerra. Foi “projectado para realizar uma ampla gama de trabalhos de investigação, incluindo apoio a operações submarinas e anfíbias”. E está equipado com alguns canhões e metralhadoras. É difícil imaginá-lo a enfrentar alguma coisa mais letal do que um barco de pesca ao camarão, mas o seu envio faz parte do grande plano do agregado militar Estados Unidos-NATO que, em 4 de Abril, estabeleceu “um pacote de medidas para reforçar a consciência da presença da aliança na região do Mar Negro e fortalecer o apoio aos parceiros Geórgia e Ucrânia”. 

Cerco à Rússia

O Quartel-General da NATO lamenta profundamente que o cerco à Rússia ainda não inclua a Geórgia e a Ucrânia. O sub-departamento da organização em Bruxelas esforça-se com denodo para alistar formalmente ambos os países e anunciou, em 26 de Março, que:

“A Geórgia é um dos parceiros mais próximos da Aliança. O país contribui activamente para as operações lideradas pela NATO e coopera com os aliados e outros parceiros em muitas outras áreas. Com o tempo foi-se desenvolvendo uma ampla cooperação prática entre a NATO e a Geórgia que apoia os esforços de reformas deste país e a sua meta de integração euro-atlântica”.

No dia anterior a esta declaração, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, encontrava-se na Geórgia para assistir à realização de exercícios militares. Numa reunião com o primeiro-ministro, Mamuka Bakhtadze, declarou formalmente “que a Geórgia se tornará membro da NATO”, pelo que “continuaremos a trabalhar em conjunto para a integração”, que já vem sendo discutida desde 2008.

As despesas militares não-norte-americanas da NATO totalizam 264 mil milhões de dólares por ano, sendo que, no próximo ano, os Estados Unidos têm gastos previstos de 750 mil milhões; pelo que os 37 mil militares da Geórgia, mais dez aviões de combate Su-25 e 380 milhões de dólares não serão grande contribuição para a aliança.

Mas o ponto não é esse.

O que o agregado militar Estados Unidos-Nato pretende é mobilizar as suas forças armadas ainda para mais perto da Rússia. Quando a Geórgia se unir à aliança passa a existir a possibilidade de colocar tanques, aviões e mísseis na fronteira com a Rússia, tal como acontece nos Estados bálticos.

Uma guerra mal contada

Uma das observações mais interessantes sobre a Geórgia proferida pela Rádio Europa Livre a propósito da visita de Stoltenberg foi que “o país, com cerca de 3,7 milhões de pessoas, travou uma guerra breve com a Rússia em 2008, pelo que a presença militar contínua de Moscovo junto do território do país aumenta as tensões na região”.

Nunca é mencionado pelo Pentágono, por Bruxelas ou pelos media ocidentais que a “breve guerra” foi da inteira responsabilidade da Geórgia. Também nunca mencionam que se a Rússia quisesse fazê-lo poderia ter varrido e ocupado a Geórgia em poucos dias, sem interferência da NATO ou qualquer outra entidade.

A União Europeia fez uma investigação sobre o conflito e, em 2009, apresentou um relatório que, nas suas mil páginas, afirma que foi a Geórgia quem começou a guerra; ora isso não era nada do que o mundo ocidental queria que fosse dito, pelo que o documento está repleto de observações com o objectivo de desculpar ou disfarçar as artimanhas militares da Geórgia.

Mesmo assim, a edição online do jornal The Independent revelou que “o primeiro estudo concludente sobre a guerra da Ossétia do Sul concluiu que a Geórgia iniciou o conflito com a Rússia através de um ataque que violou o direito internacional”. No establishment ocidental, porém, existem poucas pessoas capazes de admitir as responsabilidades da Geórgia, preferindo apoiar as acções agressivas e imprudentes deste país.

A União Europeia apurou que “havia supostamente mais de uma centena de conselheiros militares norte-americanos nas forças armadas georgianas quando o conflito eclodiu em Agosto de 2008, acreditando-se que um número muito maior de especialistas e assessores dos Estados Unidos tenham actuado noutros sectores da administração e das estruturas de poder georgianas. Considerável apoio em termos de armamento e treino foi garantido por vários outros países, com a Ucrânia, República Checa e Israel à cabeça. Por outras palavras, a Geórgia foi considerado um país fundamental para se opor à Rússia e os seus aliados ajudaram-no a preparar esse ataque inconsequente.

Geórgia, mais um satélite

Nada disto surpreende se recordarmos o discurso do presidente George W. Bush na capital da Geórgia, Tblissi, proferido em Maio de 2005. O homem que ordenou as invasões do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, foi eloquente sobre a contribuição da Geórgia para esses desastrosos conflitos. “No ano passado, quando a violência terrorista no Iraque estava a aumentar, a Geórgia mostrou a sua coragem”, disse Bush. “Por cinco vezes a Geórgia reforçou o seu contingente de tropas no Iraque”, acrescentou, “e o povo do Iraque está grato por isso, tal como os seus aliados dos Estados Unidos e da coligação”. O presidente norte-americano disse ainda que “Washington está tão agradecido ao governo georgiano por contribuir para as suas guerras (que envolveram as mortes desnecessárias de 32 soldados georgianos no Afeganistão e cinco no Iraque) que irá contribuir com pacotes de ajuda civis e militares”.

Um relatório de Abril de 2019 do Serviço de Estudos do Congresso dos Estados Unidos revela que este órgão aprovou, no ano financeiro de 2018, uma ajuda civil de 89 milhões de dólares e uma ajuda militar de 40 milhões à Geórgia. Estes montantes não parecem muito relevantes à primeira vista, especialmente quando comparados com as verbas monstruosas despendidas no Afeganistão, no Iraque, em Israel. Mas considerando que tem uma população de 3,7 milhões de pessoas, poderá dizer-se que a Geórgia vai indo muito bem.

Em Junho de 2018, o secretário de Estado adjunto norte-americano para os Assuntos Europeus e Eurasiáticos afirmou que a política dos Estados Unidos é “controlar a agressão russa”, inclusivamente “contribuindo com meios de autodefesa para os Estados mais directamente ameaçados militarmente por Moscovo: Ucrânia e Geórgia”. Que pagam esse patrocínio financeiro norte-americano não apenas sacrificando os seus soldados nas guerras de Washington (18 soldados ucranianos foram mortos no Iraque), mas também de maneiras mais intrigantes, designadamente em instâncias da ONU.

Por razões óbvias, a maioria dos países do planeta considera que deveria ser estabelecido um acordo internacional proibindo armas no espaço; um esboço de um tratado nesse sentido, de autoria russa e chinesa, foi submetido à ONU. Washington recusou-se a considerá-lo e quando uma versão modificada foi apresentada na Primeira Comissão da ONU, em 2015, teve votos contra dos Estados Unidos – juntamente com os dos seus satélites bem pagos Israel, Geórgia e Ucrânia.

O agregado Estados Unidos-NATO está determinado em cercar a Rússia de maneira mais apertada e a Geórgia quer ajudar a fazê-lo. Esse tipo de cooperação provocatória aumenta a tensão entre a Geórgia e a Rússia, o que, aos olhos dos media ocidentais, serve para justificar ainda mais a expansão da NATO.



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