ARGENTINA DEBATE-SE NA SELVA DE MACRI
2018-09-21
Elena Urrutia, Buenos Aires; com Patria Latina
No próximo dia 25, os argentinos respondem com uma greve geral e uma grande manifestação nacional contra as atrocidades que Maurício Macri, empresário de extrema-direita tornado chefe de Estado, está a cometer contra o país, deixando-o praticamente na bancarrota, entregue ao FMI e ao livre arbítrio do poder norte-americano. Queda do Produto Interno Bruto para metade em apenas cinco meses, uma inflação superior a 40% e desmantelamento caótico do aparelho de Estado e de governo são realidades do flagelo a que é submetida a Argentina, enquanto o mundo ouve falar da crise e da “ditadura” na Venezuela.
Maurício Macri é um dos agentes fundamentais do golpe plurinacional que as instâncias e governos tutelares do neoliberalismo, com os Estados Unidos da América a cabeça, têm vindo a concretizar na América Latina contra os passos dados, sobretudo desde o início do século, no sentido de instituir sistemas democráticos que colocaram a independência nacional e a transformação social como objectivos prioritários. O golpe militar nas Honduras, perpetrado pela dupla Obama/Clinton; as conspirações no Paraguai e no Brasil – ambas seguindo o mesmo modelo – que culminaram em golpes através de órgãos de poder conluiados com sectores corruptos da Justiça; os recuos sociais que estão a acontecer no Equador e os ataques cerrados e permanentes contra a Venezuela e a Bolívia fazem parte de um processo convergente e organizado contra os avanços emancipadores e democráticos no “quintal das traseiras” do império.
A Argentina da Macri insere-se nesse programa e os resultados estão à vista. O presidente foi eleito em sufrágio formalmente legítimo, mas realizado sob uma propaganda doentia e manipuladora que, tal como no Brasil, se centrou em desacreditar a gestão da presidenta Cristina Kirchner, de modo a criar o ambiente para reverter todas as mudanças alcançadas no sentido da independência económica e da diminuição das desigualdades sociais.
Maurício Macri, grande empresário de extrema-direita que não se distancia das modernas formas de fascismo para as quais se encaminha a gestão do neoliberalismo – e cujos exemplos são numerosos no interior da União Europeia – foi eleito em 2015 à cabeça da coligação “Mudemos”, e em menos de três anos cumpriu o slogan.
A Argentina de hoje, que o mundo vai conhecendo através da instabilidade e desordem nas ruas protagonizada por pessoas em desespero, sem ter o essencial para sobreviver, mudou.
As mudanças
Grande parte das transformações impostas pela administração Macri, aplicando a ortodoxia neoliberal, têm como pretexto “a redução a zero do défice fiscal”, à custa do desmantelamento do Estado, dos serviços públicos, dos rendimentos do trabalho e dos reformados.
Ao mesmo tempo, os sectores capitalistas concentrados, principalmente o financeiro, o energético e o exportador, beneficiam de um cenário desregulado em que pontificam um endividamento externo de 150 mil milhões de dólares em apenas de dois anos, a redução das reservas do Banco Central a 16 mil milhões de dólares, um crescimento da dívida externa para 80% do PIB, que entretanto caiu para metade em pouco mais de dois anos.
Num ambiente de dolarização da economia, que provoca uma inflação galopante e reduz a zero o consumo, reinam perfeitamente à vontade os fundos abutres; os grandes exportadores agropecuários – sujeitos a taxas mínimas, sendo livres de deixar no exterior os capitais que desejem; os investidores e os credores especuladores, que movimentam capitais para o estrangeiro sem restrições, ao ritmo do dólar flutuante e juros da ordem dos 60%.
No lado oposto, a vida dos trabalhadores piora todos os dias, o desemprego sobe, a precariedade laboral torna-se epidémica, a pequena e média indústria, a agricultura familiar e os comerciantes sofrem os efeitos próprios de uma economia sem consumo e em desmoronamento. Toda a actividade na Argentina, designadamente as indústrias nacionais com grande expressão como são a do calçado e a têxtil, sofrem os efeitos conjugados de tarifas astronómicas de energia (os “tarifazos”), carga fiscal impiedosa, juros à deriva, importação concorrencial ilimitada e consumo zero.
“O pior já tinha passado”
Nas últimas semanas a crise agravou-se, e logo na ocasião “em que o pior já tinha passado”, como disse o presidente. Agora promete que o quotidiano “vai continuar a ser muito duro”.
Mas a culpa não é do governo, garante. É da conjuntura internacional e “da corrupção da gestão anterior” – motivo pela qual a Justiça foi accionada contra a ex-presidenta Cristina Kirchner.
Uma Justiça que, nesta circunstância, não difere da congénere brasileira que levou Lula à cadeia. Trata-se igualmente de travar o regresso da ex-presidente à chefia do Estado em próximas eleições.
No caso de Kirchner, o ex-presidente da Interpol já manifestou sua total disponibilidade para depôr e demonstrar que as acusações contra a ex-presidenta são infundadas, mas a Justiça argentina fez questão de dispensar a sua colaboração.
Em pleno agravamento da situação, Macri despachou o ministro Dujovne, das Finanças, pedir “ajuda” ao FMI numa posição de absoluta mendicidade.
O próprio presidente telefonou, entretanto, a Donald Trump pedindo ajuda.
As respostas a estas diligências ainda não chegaram a Buenos Aires, prevendo-se que as “negociações” e decisões aguardem por um estado ainda mais penoso da economia Argentina, de modo a que a rendição seja ainda mais proveitosa para quem provoca – interna e externamente.
Macri e o seu executivo tentaram criar um humor favorável entre os prestamistas de Washington fazendo anteceder as diligências de uma operação nunca vista de desmantelamento da estrutura do Estado e do governo - sempre para reduzir despesas e “zerar” o défice. De uma só vez, Macri extinguiu os ministérios da Saúde, do Trabalho, da Educação, da Cultura, Ciência e Tecnologia, Ambiente, Agroindústria, Energia, Modernização e Turismo, fundindo-os em restritas secretarias de Estado.
Não se registou, porém, qualquer alteração na estrutura dos ministérios da Segurança Pública, Defesa e Interior: o governo pretende manter satisfeitos e prontos a actuar os sectores a utilizar na repressão contra a resistência popular e sindical, que na Argentina é forte e tem dado fortes sinais de reforço da unidade através da multiplicação de massivas lutas sociais travadas nas últimas semanas.
Lutas essas que vão convergir na greve geral e grande manifestação nacional de terça-feira, dia 25.