O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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OS JOGOS DE GUERRA DO “PESADELO ALMAGRO”

Luis Almagro na ONU, olhado de perto pela ex-embaixadora de Trump, Nikki Haley

2018-12-20

Álvaro Verzi Rangel*, Estratégia.la/O Lado Oculto

O Plenário da Frente Ampla (FA), a coligação de esquerda que governa o Uruguai, expulsou de membro o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, que envergonha os uruguaios devido à sua permanente agressão contra o governo venezuelano e o seu apoio a uma intervenção militar na Venezuela.

A expulsão foi proposta por várias organizações da Frente, revoltadas com o comportamento do ex-primeiro-ministro uruguaio. Almagro tinha declarado que “não devemos descartar nenhuma opção” em relação a uma intervenção militar para derrubar o governo do presidente Nicolás Maduro, o que lhe valeu, há um ano, uma sanção do Tribunal de Conduta Política da FA. O plenário aprovou agora a expulsão por unanimidade.
José Carlos Mahía, vice-presidente da FA, considerou que “Almagro se auto-expulsou da Frente Ampla porque aceitou o apoio da FA e do governo do Uruguai com um perfil de gestão diametralmente oposto do que desempenha hoje na OEA”; e acrescentou que o ex-primeiro-ministro “foi um lobo com pele de cordeiro”.
“Uma coisa é ter uma posição política sobre a situação na Venezuela e outros países da América Latina e outra, muito diferente, é usar um cargo que deve gerar consensos nas Américas, militar activamente contra um dos países e, além disso, com perspectivas absolutamente decalcadas das assumidas pelos Estados Unidos e nas quais manifesta simpatia por uma eventual invasão”, acrescentou o deputado Mahía.
As declarações de Luís Almagro segundo as quais “não pode excluir-se nenhuma opção” para derrubar o governo venezuelano não são “excessos” isolados da sua maneira de actuar. São a consequência lógica do seu anterior padrão de comportamento e de um libreto do qual, em suma, é coautor.

Na esteira de Trump

O apoio de Almagro a uma possível intervenção militar na Venezuela é um passo lógico a seguir à visita do ex-secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, a vários países latino-americanos em Janeiro, fazendo consultas sobre a disponibilidade para participarem numa ofensiva militar contra a Venezuela. Esta é a linha de Washington e que o próprio presidente, Donald Trump, defendeu repetidamente.
A peça-chave nesse momento era promover o fracasso eleitoral do candidato da oposição, Henri Falcón, nas eleições presidenciais venezuelanas de 20 de Maio passado. Apoiado então por uma oposição unificada (e pelos Estados Unidos, União Europeia e vários Estados da OEA), as sondagens davam a Falcón a possibilidade de ganhar; uma vitória que tornaria viável a tão falada “saída dialogada” que se impunha através da cartelizada imprensa hegemónica.
Porém, a realidade era que Washington não queria sequer a saída institucional. Então, Luís Almagro agiu como porta-voz de um plano de guerra, como agente de intermediação entre os Estados Unidos e a oposição venezuelana subordinada às suas ordens. Mandou a oposição abandonar o diálogo com o governo de Nicolás Maduro, que decorria na República Dominicana. “Os tempos de diálogo terminaram”, sentenciou Almagro enquanto desqualificava Falcón: chamou-lhe “traidor”; acusou-o de por “em causa a sua vocação opositora” e acrescentou que “a candidatura de Falcón beneficia o chavismo; tínhamos pedido à oposição venezuelana que separasse o trigo do joio e Falcón é o joio que se separou sozinho, o que é fantástico”, disse o secretário-geral da OEA à agência Reuters.
O argumento de Almagro foi o de que as eleições não seriam justas, não seriam fiáveis, não seriam democráticas, enquanto os Estados Unidos e a União Europeia se recusaram a enviar observadores internacionais para confirmar essas “certezas” do secretário-geral da OEA
Falcón respondeu que “é inaceitável que se extrapole se se decida tomar partido no debate eleitoral”; e acusou Almagro de promover a abstenção e de dar asas a quem boicotou as eleições presidenciais ganhas por Maduro. “Os que promovem a abstenção, como o secretário-geral da OEA, convertem-se nos melhores aliados de Maduro”, disse Falcón.
Como se isso não lhe bastasse, Almagro iniciou a campanha de desprestígio contra o ex-presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, mediador do diálogo venezuelano, campanha que ainda hoje prossegue e replica as novas expressões da extrema-direita tanto na Europa como na América Latina.

A agressão como única opção

A lógica revela que um processo pacífico de transformação não justifica qualquer intervenção militar, pelo que, se isso acontecesse, o Pentágono teria perdido o seu cavalo de batalha para continuar com a agressão no horizonte. E fica no ar a pergunta sobre as razões pelas quais os Estados Unidos não confiaram no seu próprio argumento de que a maioria do povo venezuelano estaria contra Maduro. A realidade desvirtuou essa verdade virtual…
Neste contexto há que realçar as atitudes de Almagro, que trabalhou sistematicamente para impedir que uma oposição unida concorresse às eleições, preparando, passo-a-passo, o terreno para uma intervenção armada, que aliás o novo governo direitista colombiano de Iván Duque se esforça por estimular.
Parece contraditório, mas uma vitória eleitoral não se harmonizaria com os planos estratégicos de Washington; por isso, Falcón representava um obstáculo, sobretudo depois de declarar que, mesmo estando disposto a aplicar um programa neoliberal e em colaboração com o FMI, iria manter a petrolífera PDVSA e as principais riquezas minerais do país sob controlo estatal, ainda que pudessem ser abertas a investimentos privados.
“Há que injectar recursos na PDVSA e, de certa maneira, isso levar-nos-á a recorrer a organismos internacionais; os investimentos chegarão desde que a PDVSA se abra à iniciativa privada”, declarou Falcón à imprensa internacional, acrescentando que manteria as alianças com empresas petrolíferas privadas e estatais da Rússia e da China, dois aliados estratégicos da Venezuela em vários âmbitos de cooperação.
Da sua cómoda poltrona em Washington, Luis Almagro interferia permanentemente na campanha eleitoral venezuelana, despachando directamente com dirigentes do sector radical da oposição venezuelana e com altos funcionários norte-americanos.
Mesmo que Nicolás Maduro tivesse perdido as eleições – que agora Almagro e a oposição mais radicalizada querem desconhecer – o sector popular do “chavismo” teria constituído uma oposição demasiado poderosa, limitando as tentativas para vender riquezas e interesses nacionais. O seu peso na relação de forças venezuelana fazia prever um futuro regresso ao governo”.
Definitivamente, aos falcões norte-americanos não lhes serve uma saída eleitoral. Sabem que só através de meios militares e de uma repressão feroz conseguiriam controlar milhões de “chavistas”. Por isso, perante a decomposição de uma desarticulada oposição, continuam à procura de um militar de elevada patente que dê um golpe de Estado.

A OEA, centro de operações

Em 13 de Outubro de 2017, Almagro cedeu as salas da OEA para que um Supremo Tribunal de Justiça (venezuelano) no exílio fosse constituído; e em 8 de Abril de 2018 aprovou uma denúncia elaborada por esse órgão segundo a qual existem provas suficientes para julgar e prender o presidente Maduro por supostos actos de corrupção.
A constituição desse tribunal na OEA foi um marco na estratégia de Almagro para levar o tema da Venezuela atá à ONU. Numa “reunião informal”, e sob direcção da então representante norte-americana Nikki Halley, Luis Almagro declarou perante o Conselho de Segurança da ONU que “se instalou uma ditadura tirânica na Venezuela, o país é governado por um sistema criminoso com vínculos oficiais ao narcotráfico”.
No quadro das funções do Conselho de Segurança da ONU destacam-se as operações de manutenção de paz, mas este é também um dos poucos órgãos internacionais que tem capacidade para submeter um caso ao Tribunal Penal Internacional; e Almagro e os seus mandantes norte-americanos insistem em levar os principais membros do governo venezuelano perante essa instituição.
O palco judicial não poderia ser a OEA, porque a Venezuela saiu do Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, mas sim a ONU, no âmbito da qual funcionam dois grandes tribunais: o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, cuja procuradora geral, Fatou Bensouda, anunciou em 7 de Fevereiro de 2018 o início do exame preliminar sobre a Venezuela.
Em Março de 2018, o governo da Guiana, encorajado pelos Estados Unidos e por Almagro, submeteu ao Tribunal Internacional de Justiça um diferendo territorial com a Venezuela, por não ter conseguido um acordo através dos “bons ofícios” da ONU; estes tinham-se iniciado quando a República Cooperativa da Guiana retomou a controvérsia, logo que a multinacional norte-americana Exxon Mobil descobriu uma importante jazida petrolífera na zona marítima adjacente ao território, reclamado em 2015.
O documento apresentado no Tribunal Penal Internacional em relação à Venezuela – e rubricado por Bensouda – alega que as forças de segurança públicas deste país “utilizaram com frequência força excessiva para dispersar e reprimir manifestantes, detiveram e encarceraram milhares de membros da oposição, reais ou aparentes, alguns dos quais terão sido presumivelmente submetidos a graves abusos e maus tratos durante a detenção”.
Os uruguaios sente-se envergonhados com o comportamento do seu compatriota na OEA; e a aliança governamental Frente Ampla acabou por expulsá-lo de membro, apesar das pressões da Embaixada dos Estados Unidos e de alguns membros destacados da FA. Foi um sábado de despedida, quem sabe talvez o princípio do fim de um personagem como Almagro, tão duro com os progressistas latino-americanos, tão dócil perante os interesses de Washington.
Alguns dirigentes tinham alertado em relação às pressões de Almagro sobre o governo uruguaio para que suspendesse a Venezuela de membro do Mercosul e se juntasse ao movimento de esvaziamento de organismos sul-americanos e latino-americanos-caribenhos de integração – Unasul e Celac. Entretanto, meios de comunicação social deram conta da informação segundo a qual Almagro foi recrutado pelos serviços secretos norte-americanos quando exercia um cargo diplomático na China.
Será o princípio do fim do pesadelo Almagro?

*Sociólogo venezuelano, codirector do Observatório de Comunicação e Democracia e do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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