O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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TRUMP AO IRAQUE: AS TROPAS OU AS RECEITAS DO PETRÓLEO?

2020-01-13

Edward Barnes, Bagdade; Exclusivo O Lado Oculto

A administração Trump ameaça bloquear a principal conta bancária através da qual o Iraque movimenta as receitas do comércio petrolífero se Bagdade mantiver a exigência de retirada das tropas norte-americanas. Esta é uma das sanções económicas a que os Estados Unidos estão dispostos a recorrer para que não se cumpra a decisão do Parlamento iraquiano contra a ocupação militar.

Pouco tempo depois da invasão militar do Iraque, seguida da ocupação que se mantém, as autoridades iraquianas de então – sob pressão norte-americana – centralizaram a esmagadora maioria dos movimentos financeiros relacionados com o comércio de petróleo numa conta aberta na Reserva Federal de Nova York. Esta conta é administrada pelo Ministério do Petróleo do Iraque.

Se os Estados Unidos bloquearem a conta, como ameaçam fazer, o Iraque deixa de ter acesso a parte muito substancial das receitas petrolíferas, que são igualmente uma percentagem importantíssima dos rendimentos do Estado.

O bloqueio dessa conta poderá proporcionar danos incalculáveis na economia iraquiana. Os Estados Unidos recorreram a essa arma durante um curto período em 2015, o que bastou para provocar sinais de pânico através do país. 

Washington faz circular a ameaça de punição ao mesmo tempo que se recusa a tomar conhecimento da resolução do Parlamento iraquiano exigindo a retirada das tropas estrangeiras. Torna-se evidente que os dirigentes norte-americanos não têm intenção de aceitar a decisão e para isso apostam igualmente na completa desestabilização do Iraque.

O primeiro-ministro iraquiano em funções, Abdul Mahdi, falou com o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, tentando conhecer os mecanismos através dos quais deve proceder para que os Estados Unidos recebam a notificação de retirada. Foi informado de que qualquer delegação enviada para tratar desse assuno não será recebida pela parte norte-americana.

O argumento central de Washington, entretanto, continua a ser o de que ainda não recebeu qualquer notificação comunicando a decisão do Parlamento.

No caminho do caos

Torna-se cada vez mais claro, apreciando a situação no Iraque, que os Estados Unidos tentam ganhar tempo enquanto intensificam o encorajamento de manifestações e distúrbios contra o governo de Abdul Mahdi, que está demissionário.

A mão norte-americana por detrás dos distúrbios ficou evidente através do teor das conversas telefónicas entre Trump e Abdul Mahdi exposto por este numa sessão parlamentar. O presidente norte-americano deixou claro que manipula o descontentamento popular provocado pela crise económica e recorre mesmo a snipers para atingir manifestantes e membros das forças de segurança para que o caos nas ruas se generalize. Este procedimento já foi utilizado pelos dirigentes norte-americanos responsáveis pelos acontecimentos na Praça Maidan em Kiev – golpe fascista na Ucrânia em 2014 – e na Praça Tharir do Cairo, durante a chamada “primavera árabe” de 2009.

Não existem dúvidas entre os dirigentes iraquianos de que os Estados Unidos estão a alimentar os antagonismos sectários entre xiitas, que são actualmente mais influentes no governo, e os sunitas, sobretudo os mais radicais e que ganharam novo alento com o assassínio do general iraniano Qasem Suleimani.

De notar que a intensificação dos protestos violentos no Iraque coincide com as persistentes manifestações de rua no Irão, que manipulam a revolta suscitada pelo derrube, por engano, de um avião civil ucraniano. Analistas regionais familiarizados com a ocupação político-militar do Iraque não têm quaisquer dúvidas de que existe uma convergência na agitação de massas em curso no Irão e no Iraque, dentro de uma estratégia para interligar uma situação de crise nos dois países.

O ponto de intensificação deste processo tendente para o caos, a desestabilização e a ingovernabilidade foi o assassínio do general iraniano Qasem Soleimani, com base em mentiras cada vez mais expostas.

Mentira exposta

A última versão de Donald Trump sobre o motivo para dar a ordem de execução foi o envolvimento do general nos preparativos de ataques contra quatro embaixadas dos Estados Unidos.

Cada vez que é instado a dar mais pormenores sobre esta teoria o presidente norte-americano escuda-se no secretismo, procedimento comum aos seus colaboradores.

O secretário de Estado, Michael Pompeo, afirmou que não possui quaisquer dados sobre onde e quando estavam previstos os supostos ataques.

O Departamento da Defesa (Pentágono) admite não ter quaisquer provas de que haveria ataques em preparação. O secretário da Defesa, Mark Esper, afirmou que não tem “qualquer prova da ideia” sustentada pelo presidente, embora Trump tenha dito aquilo “em que ele próprio acredita”. Esper diz que recebeu “inteligência sensível” sobre o assunto e toda a gente no círculo do presidente está de acordo em que não deve ser partilhada com o Congresso.

Desmantelar o Iraque

O que está em curso no Iraque, através de um processo intensificado com o assassínio de Soleimani, é o encaminhamento para uma guerra civil de índole religiosa e sectária, circunstância que “justificará” a continuação das tropas norte-americanas no país.

Além disso, a desestabilização política tem como objectivo alterar as estruturas de poder e a orientação soberanista seguida pelo governo e a maioria parlamentar que o apoia, de tendência xiita.

Na violência que alastra pelo país, alimentada por agitadores norte-americanos, está cada vez mais evidente a presença do radicalismo sunita e, por certo, de sectores do Isis ou Estado Islâmico que ultimamente têm estado inactivos devido às acções de desmantelamento iniciadas na Síria, por tropas regulares deste país e forças russas, alastrando depois ao Iraque, com o envolvimento do exército regular e milícias xiitas. A minoria curda do país, que controla grande parte das fontes de petróleo do país, já fez saber, entretanto, que não apoiará qualquer coisa que seja feita contra a presença militar norte-americana.

O comportamento das forças dos Estados Unidos no Iraque foi quase sempre determinado pelo projecto de desmantelar o país – ideia que alimentou igualmente a guerra na Síria e prevaleceu na Líbia. A situação em desenvolvimento, incluindo a ameaça de asfixia financeira, encaminha-se no mesmo sentido e da forma mais sangrenta. 


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