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REPRESSÃO NÃO SUFOCA A CATALUNHA

Oriol Junqueras, ex-vice-presidente do governo catalão, presidente da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), condenado a 13 anos de prisão

2019-10-15

Uma homenagem aos presos políticos catalães, em especial ao ex-vice-presidente do governo autonómico e da Esquerda Republicana (ERC), Oriol Junqueras, que o autor considera exemplo de honestidade, carácter e das práticas democráticas. “Com Junqueras atrás das grades o independentismo não se apaga, pelo contrário, cresce, reaviva-se e não há artigo 155 capaz de sufocá-lo”, escreve.

David Bollero*, Publico.es/O Lado Oculto

Publicada a sentença do julgamento da cúpula do “procés” (processo), pode afirmar-se, sem medo de errar, que Oriol Junqueras, ex-vice-presidente do governo autonómico da Catalunha (Generalitat) é um exemplo. Ainda que haja outros condenados, vou centrar-me na sua figura, por ser quem recebeu a pena mais dura. Apesar de o debate dialético se ter inclinado para o lado da sedição, em vez de rebelião, a pena de 13 anos é tão pesada que parece tratar-se de uma mera questão de nomenclatura. Nesse sentido, o castigo é exemplar; porém, mais interessante ainda é o exemplo que Junqueras representa, não só para o independentismo mas também para a classe política que pretenda ser honesta e consequente com os seus actos.

Os 13 anos de prisão e de suspensão dos direitos políticos de Junqueras vão servir de exemplo para todos quantos pretendam questionar a unidade de Espanha. Essa deve ser a leitura dos sectores mais conservadores, ainda que seja certo que tivessem preferido penas ainda mais pesadas, sob a acusação de rebelião. Foi para isso que estiveram meses e meses a contaminar o processo falando de “golpe de Estado” que, na realidade, só existe nas suas efabulações e nostalgias.

Transcende o independentismo

No entanto, Junqueras deve considerar-se um exemplo segundo uma óptica bem diferente, a qual, inclusivamente, transcende o independentismo. A figura deste político catalão representa a honestidade, a integridade e a responsabilidade, independentemente de se partilhar ou não a sua perspectiva. Junqueras teve e tem um sonho que em momento algum tentou impôr, mas sim partilhar e consultando a opinião dos cidadãos, cumprindo com o sentimento democrático que caracteriza toda a sua forma de actuar.

Não se tratou de um movimento unidireccional, mas sim bidirecional, uma vez que não foram Junqueras e a restante cúpula do “procés” que criaram o independentismo, mas sim quem tenta dar resposta a esses milhões de pessoas que o desejam na Catalunha. Contudo, repito, nunca quiseram impô-lo, mas sim ouvir as pessoas sobre o assunto.

E Rajoy?

O delito de Junqueras é ter actuado perante a inacção de Mariano Rajoy. Enquanto nascia o referendo Rajoy nada fez, apesar das tentativas de Junqueras. Penaliza-se a acção, considerando-a sedição e, em troca, a inacção, como máxima expressão do laxismo de funções de Rajoy, sai incólume. Nem sequer se coloca – nem colocará – a possibilidade de julgar esses não-actos de Rajoy, apesar das consequências fatais para o destino do país, do Estado que tanto dizem defender aqueles que continuam a arreganhar os dentes não obstante os 13 anos de prisão.

Junqueras não fugiu ao combate, fez frente às acusações e participou num julgamento que, verdade seja dita, “não ofereceu as garantias necessárias para ser considerado como justo”, segundo os observadores da FIDH (Federação Internacional dos Direitos Humanos) e a EuroMed Rights (Rede Euromediterrânica de Direitos Humanos). Junqueras será consequente com os seus actos e com a pena imposta, sem mentiras, sem se retractar, fiel a princípios inamovíveis e impermeáveis a tantos cantos de sereia que se ouvem em política.

Por tudo isto é um exemplo, principalmente para aqueles que mais desejam que apodreça numa cela quando, na realidade, quem já apodreceu, mesmo fora da prisão, são eles e a sua moralidade volúvel, o seu revanchismo, o ódio e o oportunismo permanentes. Com Junqueras atrás das grades o independentismo não se apaga, pelo contrário, cresce, reaviva-se e não há artigo 155 capaz de sufocá-lo.

*Colaborador de Publico.es, “jornalista em fase de desintoxicação informativa e pensador irreverente fazendo horas extraordinárias permanentes”.


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