O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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CHOVEM MILHÕES PARA OS USURPADORES DE CARACAS

2019-10-04

Michele de Mello, America Latina en Movimiento; adaptação O Lado Oculto

“Pude dar-lhes a óptima notícia de que vou enviar 52 milhões de dólares em novos fundos da USAID para apoiar o governo interino e o povo da Venezuela”. As palavras são de Mark Greeen, presidente da Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), uma entidade da esfera da CIA, durante o anúncio da dádiva de mais meia centena de milhões de dólares para os usurpadores e terroristas que pretendem derrubar o governo legítimo da Venezuela. Desde 2017, a “ajuda” directa ao golpe, só através da USAID, já ultrapassa os 550 milhões de dólares.

“Fiquei impressionado com a liderança deles desde que nos conhecemos em Janeiro”, disse Green a propósito dos envolvidos na guerra híbrida conduzida pelos Estados Unidos contra a Venezuela. “Na reunião de hoje, pude dar lhes a óptima notícia de que estou anunciando 52 milhões de dólares em novos fundos da USAID para apoiar o governo interino e o povo da Venezuela, enquanto eles buscam restaurar a governança democrática, sensível aos cidadãos e reparar o abastecimento dos serviços de saúde no seu país. A USAID e o governo Trump apoiam amplamente o governo interino de Juan Guaidó, a Assembleia Nacional democraticamente eleita e o povo venezuelano, enquanto trabalham para acabar com o ilegítimo regime de Maduro”. 

O discurso de Green foi feito perante Carlos Vecchio, o “embaixador” do “presidente interino” Juan Guaidó em Washington.

Segundo a própria USAID, desde 2017 a agência já fez donativos no valor de 568 milhões de dólares aos agentes envolvidos nas acções para a mudança de regime na Venezuela; dessa verba, 95 milhões foram destinados a outros 16 países da região latino-americana que recebem a migração venezuelana. Nessa conta figuram governos que têm apoiado abertamente a mudança de regime na Venezuela, como é o caso do Brasil, com Jair Bolsonaro, e a Colômbia, com Iván Duque – formando com os Estados Unidos a tríplice aliança que propôs a activação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Além disso, também em Setembro, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, anunciou mais 119 milhões dólares de “ajuda humanitária” à Venezuela, a somar aos 20 milhões concedidos em Janeiro.

Financiamento directo

Na história recente, esta é uma das primeiras vezes em que a Casa Branca anuncia o envio directo de dinheiro a um sector opositor noutro país. Noutras ocasiões, o apoio a sectores políticos é feito através de doações financeiras a ONG’s ou outras organizações civis. Foi assim no caso do apoio aos protestos de 2018 na Nicarágua e nos conflitos iniciados a partir da chamada “Primavera Árabe”, no Médio Oriente.

“Desta vez a decisão política foi a de apoiar um governo paralelo. Tratar de construir um governo paralelo sem nenhum amparo legal na Constituição venezuelana; para isso, é necessário manter um certo aparelho operativo funcional, uma estrutura política que ainda dê espaço à narrativa na qual Guaidó é o principal actor”, comenta o cientista político e colunista do portal Misión Verdad, Ernesto Cazal.

A partir da notícia do novo envio financeiro dos EUA, a Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pela oposição, emitiu um comunicado afirmando que a verba seria “cem por cento administrada através de acções autorizadas por autoridades norte-americanas”, e que não seria destinada a pagar salários de altos funcionários.

No entanto, durante todo o ano em que teve a presidência de Guaidó, o Parlamento venezuelano não prestou contas sobre o uso do apoio internacional. Pelo contrário, uma série de reportagens publicadas no portal PanamPost – de Luis Henrique Ball Zuloaga, ex-presidente da Confederação de Indústrias da Venezuela (Conindustria), organismo historicamente dominado pela oposição – denunciam o uso corrupto das verbas destinadas para ajuda humanitária em Cúcuta, fronteira da Colômbia com a Venezuela.

Segundo a publicação, militantes do partido Voluntad Popular, de Guaidó e Leopoldo López, haviam usado dinheiro proveniente da ajuda humanitária para pagar festas e hospedagens em hotéis na zona fronteiriça entre a Colômbia e a Venezuela.

De acordo com Cazal, além do sector liderado por Guaidó, a National Endowment For Democracy (NED) – agência norte-americana criada em 1983 pelo presidente republicano Ronald Reagan para “apoiar a liberdade no mundo” – envia anualmente apoio financeiro para meios de comunicação e ONG’s controladas por sectores anti-chavistas. “Estas associações civis estão totalmente envolvidas na narrativa de um golpe de Estado continuado. São organizações que dão uma aura civil, claramente fabricada, para transmitir uma certa legitimidade perante a comunidade internacional e nacional”, afirma.

USAID

A Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID) foi criada em 1961 com o pretexto de ampliar o Plano Marshall e impedir o avanço da influência da União Soviética no mundo. Também por isso é considerada a “agência humanitária” da CIA.

Desde a criação, os seus presidentes sempre estiveram relacionados com os centros militares (Pentágono) e centro do poder dos Estados Unidos (Casa Branca).

Mark Green – actual presidente da agência – é um ex-congressista do Partido Republicano e foi governador do Estado de Wiscosin, um importante colégio eleitoral para Donald Trump. A antes de comandar a USAID também presidiu ao Instituto Internacional Republicano, que prestou ajuda financeira à “Primavera Árabe” e aos protestos no Haiti em 2004; também chefiou a Corporação Millenium Challenge, agência de cooperação criada durante o governo de George W. Bush.

Green não nega a disposição da USAID em oferecer apoio para gerar uma mudança de governo na Venezuela. Noutra entrevista, publicada no dia 25 de Setembro, afirmou que a agência já prepara uma série de “cenários” para acabar com a crise humanitária da Venezuela depois da eventual saída de Nicolás Maduro da presidência.

“Não há outra opção para os Estados Unidos. John Bolton, ex-assessor de segurança nacional, tinha prometido a Trump um plano de golpe de Estado vocacionado para o sucesso, dando legitimidade a este governo fake de Guaidó. Por isso não existe outra opção a não ser continuar com esse apoio; caso contrário, perde o suporte de activos políticos no Congresso, os apoios financeiros e todo o lobby que por aí circula, ainda mais em pleno cenário eleitoral”, afirma Cazal.

Isolamento de Guaidó

Enquanto o “presidente” autoproclamado continua a ser financiado por Washington e mantém presença internacional, conseguindo aprovar a aplicação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), por outro lado cinco partidos da oposição uniram-se numa mesa de diálogo nacional, iniciada em Setembro, que prevê uma lista de seis acordos nacionais, incluindo a libertação de presos políticos. Um dos que já foi libertado foi Edgar Zambrano, vice-presidente do parlamento venezuelano pelo partido Acção Democrática e aliado de Juan Guaidó na tentativa de golpe de Estado do dia 30 de abril deste ano.

Para Cazal, a mesa de diálogo estabelece uma linha de fractura entre os sectores que querem continuar na Venezuela e fazer política no país e os sectores vinculados a actores estrangeiros e que têm perspectivas de continuar a vida política fora do país.

O aumento do financiamento norte-americano poderá ser justificado pelo pouco tempo que resta de presidência da Assembleia Nacional a Juan Guaidó. Seguindo a rotação acordada pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), aliança eleitoral opositora, o engenheiro civil deveria deixar a liderança da Assembleia até Dezembro para que um novo partido assuma o cargo. Deixando a presidência da Assembleia Nacional, Guaidó perde a justificação supostamente legal em que se apoiou para se autoproclamar “presidente interino” da Venezuela.

Para o analista de Misión Verdad Ernesto Cazal, em 2020 o sector hoje liderado por Guaidó tratará de criar outros mecanismos jurídicos para manter o seu “governo” paralelo. “Guaidó não é nada mais que uma máscara norte-americana para uma intervenção dos EUA na Venezuela. Talvez este governo fake não seja mantido em torno da sua figura, podendo outra surgir saltando qualquer passo previsto na Constituição. Para esse sector não importa a legalidade venezuelana”, afirma.


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