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RACISMO NA EDUCAÇÃO: UM EXEMPLO

2019-09-30

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

                                                                 

Muitas das pessoas que têm filhos em idade escolar estão familiarizadas com a imagem acima. Trata-se da capa do livro de História do 8º ano de escolaridade adoptado por muitos agrupamentos escolares públicos e privados. É por ele que centenas de milhares de alunos estudam e aprendem sobre a nossa história e sua inserção na história da Europa e do mundo.

É também por ele que bebem ideias racistas disfarçadas de factos históricos incontornáveis e indesmentíveis. É por ele também, que subrepticiamente, se insinua a ideia de um Portugal branco que nunca existiu e que hoje espelha essa diversidade anterior mesmo à nacionalidade.

O livro escrito por Custódio Lagartixa, Helena Sardinha e José Gomes tem a Coordenação Científica da Professora Doutora Manuela Mendonça, que é Presidente da Academia Portuguesa da História. Não foi escrito à pressa e se contém erros históricos e ideias racistas tal não pode ser imputado à ingenuidade dos autores ou à sua incompetência científica para elaborar um livro destinado a crianças do 8º ano da escolaridade.

Manuela Mendonça é mesmo autora de vários estudos sobre D. João II e a sua época. 

Pessoas escravizadas 

                                              

No centro das ideologias racistas encontramos a desvalorização do Outro, excluindo-o da Humanidade e reduzindo-o ao estado de simples coisa, descartável. 

A escravização de pessoas foi um dos maiores crimes contra a Humanidade cometido na História: a redução pela força de milhões de seres humanos à condição de coisas que podem ser compradas, vendidas, usadas e descartadas. Tal odioso crime foi estabelecido, na sua modalidade transatlântica - a mais cruel e desumana - pelo Reino de Portugal a partir do século XVI mantendo-se ininterrupto até meados do século XIX, altura em que os barcos de guerra inglesa obrigaram a terminar com esse hediondo tráfico.

Normalizar este crime, fingir que era aceitável, que era moralmente são, não explicar às crianças a sua natureza criminosa, a sua profunda desumanidade e abominação é já moldar os espíritos para “compreender” a escravização de pessoas, para inculcar a ideia da superioridade de uns e a inferioridade de outros, para espalhar a ideia de uma supremacia e de uma exploração, para justificar a transformação do Outro numa coisa sem dignidade humana. 

O uso da própria palavra “escravo” é bem ilustrativo. Diz-se e escreve-se que tal pessoa era escrava, como se tal fosse a sua natureza, o seu destino inevitável. Ora não existiu, nem existirá, um único escravo; o que existiu foi um enorme número de pessoas escravizadas por outras pela força e pela brutalidade.

Não fora a imposição pela força de tal estatuto, não existiria ninguém escravizado. A questão é que a correcta terminologia “pessoa escravizada” mantém a dignidade da vítima (uma pessoa) e põe um ónus no escravizador, enquanto a palavra escravo normaliza a situação, atribuindo-a à natureza da pessoa escravizada.

Por isso a nível científico se substituiu há muito a palavra errada e ideologicamente carregada “escravo” pela expressão factualmente correcta “pessoa escravizada”.

A escolha das palavras, como tudo na vida, não é neutra.

Um exemplo do Hora H8

                                                             

Na página 28, sob o título “Quais foram as consequências do comércio intercontinental no quotidiano?” escreve-se:

“ … a Europa passou a desempenhar um papel central nos contactos entre os vários continentes:

Comercializando mercadorias originárias de diversas regiões do mundo, como a prata americana, os escravos africanos ou os tecidos e especiarias da Ásia;”

Eis pessoas como nós transformadas em mercadorias. Eis os africanos transformados em produto de exportação. Eis a palavra “escravo” usada sem pudor por supostos especialistas de História.

Tudo sem uma explicação, sem uma reprovação, tudo visto unilateralmente pelos olhos do escravizador, sem que a visão do escravizado seja igualmente referida, sem que a sua perspectiva seja apresentada. Como se essa perspectiva não existisse, como se a resistência, a revolta, a fuga não tivessem acontecido. Como se, desde sempre, não tenha havido quem se opusesse a tal violência. 

É desta forma que se formam espíritos racistas, considerando legitima a transformação pela força de pessoas em mercadorias e a sua venda. Considerando que a vida humana pode ser transformada em produto central das trocas internacionais. Considerando que uns têm o “direito” de escravizar outros, que uns são superiores a outros e que os podem escravizar.

Eis em que se transformou o ensino público passados 45 anos sobre o 25 de Abril e depois de 44 anos de domínio político de PSD e PS. Num ensino imbuído de um racismo institucional ideologicamente entrincheirado.

É preciso mudar.

*Economista, MBA


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