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CAOS CLIMÁTICO, O NOVO NEGÓCIO DE BILL GATES

Alterações climáticas são grande negócio: Bill Gates dá o exemplo

2019-09-25

Maria Luisa Ramos Urzagaste*, America Latina en Movimiento/O Lado Oculto

As mudanças climáticas já chegaram, são caóticas e os negociantes das crises sabem-no. Um deles é Bill Gates, que prepara o seu arsenal constituído por tecnologias eticamente duvidosas como a geoengenharia solar, a biologia sintética e os organismos transgénicos.

Perante a crua certeza das alterações climáticas a Comissão Global para a Adaptação* (Global Comission on Adaptation, GCA) propõe que se façam investimentos multimilionários a cargo dos Estados para que o mundo se adapte a esta nova situação. “Sem a adaptação, as alterações climáticas podem deprimir o crescimento das receitas da agricultura mundial em cerca de 30% até 2050”, adverte. 

Trata-se de uma proposta que não prevê mudanças nas actividades contaminadoras e apenas recomenda uma adaptação a esta nova realidade.

A propósito das pessoas, costuma dizer-se que quando sofremos uma grande perda atravessamos várias fases, entre elas a da negação e a da raiva. Isto pode aplicar-se ao que acontece com a crise climática. Porém, enquanto a maioria se debate entre a primeira e a segunda etapa outros fazem planos para tirar proveito do caos.

O negócio da adaptação

A GCA aconselha a investir em sistemas de alerta antecipada e em infraestruturas que poderão permitir a adaptação a temperaturas mais elevadas, mares em ascensão, tempestades mais intensas, precipitações mais imprevisíveis e oceanos mais ácidos.

A Comissão Global para a Adaptação é constituída por um grupo de figuras públicas e promete que as suas receitas conduzirão a “um melhor crescimento e desenvolvimento; protegerão a natureza, reduzirão as desigualdades e criarão oportunidades”. Toda uma revolução social! Oxalá fosse assim tão fácil.

A Comissão é dirigida por Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, Bill Gates e Kristalina Georgieva, directora executiva do Banco Mundial em trânsito para directora executiva do FMI; propõe recomendações específicas em sectores chave: segurança alimentar, meio ambiente, água, áreas urbanas, infraestruturas, gestão de risco de desastres e finanças.

Este organismo onde, como se percebe, pontificam figuras sonantes do sistema neoliberal que nos governa, adverte que sem medidas de adaptação às mudanças climáticas o número de pessoas que podem sofrer de falta de água em 2050 será superior a cinco mil milhões; e que dentro 10 anos, em 2030, mais de 100 milhões de pessoas dos países em desenvolvimento cairão abaixo da linha de pobreza.

Um dos mais diligentes actores deste projecto é Bill Gates, que segundo a revista Forbes é a segunda pessoa mais rica do mundo; pertence a um conjunto de 25 indivíduos que possuem uma riqueza total equivalente ao rendimento de 3800 milhões de pessoas, isto é, metade da população mundial.

Cifras obscenas e mais dívidas

A Comissão Global para a Adaptação considera que é necessário investir 1800 milhões de dólares a nível mundial em cinco áreas e até 2013: sistemas de alerta antecipado, infraestruturas resistentes ao clima, uma agricultura melhorada para se adaptar a terras secas, protecção global dos mangues e investimentos para que os recursos hídricos sejam mais duradouros.

Chama a atenção para o facto de as mudanças climáticas aumentarem os preços dos alimentos porque a produção e disponibilidade irão reduzir-se, do mesmo modo que os rendimentos dos pequenos agricultores.

A competição por bens escassos, por sua vez, alimentará conflitos regionais e migrações, provocando ainda maiores rupturas nos tecidos sociais, especialmente nos países em desenvolvimento.

Mas há anda mais uma advertência: “se é certo que os investimentos na adaptação têm claros benefícios económicos (7100 milhões de dólares, segundo os cálculos da comissão), por outro lado exigem grandes pagamentos prévios antes gerar lucros a médio e longo prazo”, pelo que “o sector público deveria criar incentivos para ampliar a participação do sector privado nos investimentos de adaptação”. 

Ditas as coisas desta maneira, fica claro quem pagará a dívida climática.

A ganância dos especuladores

Bill Gates promove abertamente o recurso à tecnologia para solucionar os problemas actuais das alterações climáticas, cujas raízes não está disposto a discutir.

Por isso investe em sectores como a geoengenharia solar, promove a criação de micro-organismos através da biologia sintética e o desenvolvimento e utilização de organismos transgénicos em diferentes áreas.

Por exemplo, propõe a eliminação de doenças transmitidas por mosquitos que podem afectar mais de quatro mil milhões de pessoas através do recurso a mosquitos geneticamente modificados.

Fica claro que personagens como este não vão renunciar à sua fonte de riqueza que são esses milhares de milhões de pobres expostos a doenças e que farão orelhas moucas às interrogações éticas sobre as citadas tecnologias.

Outro investimento de Bill Gates, possivelmente mais perigoso, é a aposta na geoengenharia solar de modo a manipular o meio ambiente com o suposto objectivo de equilibrar ou eliminar alguns dos impactos das mudanças climáticas.

Uma equipa da Universidade de Harvard tem forte apoio financeiro do multimilionário Gates num projecto chamado Stratospheric Controlled Perturbation Experiment (Experiência de Perturbação Estratosférica Controlada), SCoPEx, que prevê libertar experimentalmente carbonato de cálcio na estratosfera e cujas partículas irão reflectir a luz do sol, o que permitiria baixar a temperatura do planeta.

É importante recordar que estas experiências se desenvolvem nos Estados Unidos, país que não ratificou a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD) e não aceita a perspectiva de precaução sobre a geoengenharia inscrita no convénio. Mais grave ainda, os Estados Unidos retiraram-se do Acordo de Paris.

Uma das preocupações desta experiência é que ao bloquear a incidência da luz solar sobre as culturas agrícolas isso poderá alterar os padrões de chuva, prejudicando fortemente algumas zonas do mundo.

Também existem sérios receios de que esta tecnologia possa ser usada como arma ao ser apontada a certas regiões para provocar alterações do clima; o que, como advertem investigadores do grupo ETC, Silvia Ribeiro e Jim Thomas, poderia converter-se num tsunami tecnológico. O grupo ETC estuda o impacto de tecnologias emergentes na biodiversidade e agricultura.

A triste Cimeira de Leticia

Perante a envergadura do que pende sobre as nossas cabeças é triste observar a foto de alguns indígenas envergando os seus trajes tradicionais e rodeando os presidentes de países amazónicos (excepto Venezuela, que não recebeu convite) na Cimeira de Leticia, Colômbia.

O Pacto de Leticia não trouxe grandes novidades nem avanços, além da reafirmação do direito desses países sobre a região amazónica. O que não os inibe de assumir perante a humanidade as suas responsabilidades na preservação dessa zona vital.

A cimeira presidencial deixou, pelo menos, três evidências: que no estado político regional actual os presidentes amazónicos não conseguem comprometer-se em conjunto a defender a Amazónia e a lutar contra o caos climático; que a OTCA, Organização do Tratado de Cooperação Amazónica, não responde aos desafios actuais; que as organizações indígenas amazónicas foram as grandes ausentes.

Os presidentes, ataviados com colares coloridos, expressaram as suas preocupações com a desflorestação, “que tem diferentes causas em cada um dos países”, causas essas “que podem estar associadas às mudanças climáticas e respectivos factores estruturais”. A ambiguidade das expressões usadas revela o estado das coisas.

O tom aguerrido do discurso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e a nota folclórica proporcionada pelo presidente equatoriano, Lenin Moreno, cantando em catalão, foram os episódios notáveis da reunião.

E é assim que, enquanto a Amazónia se debate entre a vida e a morte e milhares de milhões de pessoas e outros seres vivos sofrem já o caos climático com incêndios, furacões, secas, inundações, Bill Gates e os seus amigos pensam no multimilionário negócio proporcionado pela inevitável crise ambiental em que vivemos.

Oxalá a ganância, a ignorância e a cegueira política não ganhem esta batalha pela vida.

*Ex-embaixadora da Bolívia na Rússia e em Espanha, vice-chanceler do governo do presidente Evo Morales



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