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VENTOS NEONAZIS SOPRAM FORTES NA ALEMANHA

Merkel e o superespião que age como consultor de correntes fascistas e que o governo resolveu demitir promovendo-o

2018-09-27

Lourdes Hubermann, Berlim

Depois de ter sido laboriosa e longamente tecida, a coligação governamental alemã chefiada por Angela Merkel ameaça ruir, não apenas por causa das tendências xenófobas manifestadas pelo chefe dos serviços secretos mas, sobretudo, porque os ramos da direita institucional não conseguem entender-se sobre os limites das cedências à extrema-direita ascendente - para a qual é canalizado o saudosismo nazi. Tudo isto sobre um fundo de crescimento e concentração das tendências neonazis.
A crise instalou-se depois de a chanceler e o chefe do Serviço de Defesa da Constituição (BfV, serviços de espionagem interna), Hans-Georg Maassen, terem discordado sobre a interpretação do espancamento de imigrantes durante protestos xenófobos de teor neonazi realizados em Julho e Agosto em Chemnitz, na Alemanha Oriental, e que provocaram uma morte.
Angela Merkel considerou os acontecimentos extremamente graves e reveladores de um espírito de “caça ao homem”.
Maassen entrou em choque com a chefe do governo, alegando que não havia razões para interpretar o sucedido como manifestação de xenofobia e ódio aos imigrantes. A posição do superespião provocou ondas de choque dentro do governo e na opinião pública, sobretudo pelo facto de o BfV ter, desde a origem, um papel prioritário de combate ao regresso das ameaças nazis na Alemanha.
A polémica centrou-se em torno de um vídeo captado durante os acontecimentos de Chemnitz. Merkel afirmou que as imagens de “caça ao homem, arruaças e expressões de ódio não têm nada a ver com o nosso Estado de direito”.
Maassen, por seu turno, começou por colocar em dúvida a autenticidade das imagens. “Os nossos serviços não dispõem de quaisquer informações comprovando que tais manifestações de caça ao homem tenham existido e que o vídeo seja autêntico”. Mais tarde admitiu que as imagens são verdadeiras, mas não alterou o essencial da sua posição, minimizando a gravidade dos comportamentos neonazis.
As divergências tornaram-se imediatamente extensivas a todo o governo, com os sociais-democratas (SPD) colocando-se ao lado da chanceler e exigindo a demissão do chefe dos espiões.

A questão da Baviera

Hans-George Maassen encontrou, porém, um forte aliado dentro do executivo: precisamente o ministro do Interior, que tutela os seus serviços, Horst Seehofer, também chefe do ramo bávaro da direita governamental, os sociais-cristãos da CSU.
Seehofer opôs-se imediatamente à inclinação da chanceler para demitir Maassen; e da queda do superespião transitou-se para o risco de queda do governo.
O problema, que parecia pontual, ganhou contornos bem mais abrangentes que ameaçam seriamente o executivo. E passou a reflectir as grandes alterações que estão em curso no cenário político alemão devido à emergência, em força, dos neofascistas da Alternativa para a Alemanha (AdF)
De momento, este grupo ameaça a longa hegemonia da CSU no Estado federado da Baviera nas eleições regionais que vão decorrer no próximo mês.
Esta pressão tem levado a CSU de Seehofer a dar guinadas cada vez mais à direita para tentar reocupar terreno eleitoral aos neofascistas, o que vem desestabilizando, por outro lado, o funcionamento do governo federal.
No auge do problema criado por Maassen, a CDU de Merkel, os sociais-democratas e a CSU chegaram a um consenso segundo o qual o chefe dos serviços secretos seria afastado do cargo, mas promovido para ocupar uma secretaria de Estado no Ministério do Interior.
“Acordo podre”, definiu o diário tablóide Bild. Se as reacções não foram pacificadoras dentro do partido da chanceler, muito menos no interior dos sociais-democratas, onde pode falar-se de uma tempestade em torno da chefe da organização, Andrea Nahles. Tanto mais que o novo cargo a atribuir a Maassen é ocupado por um representante do SPD.
Não faltaram análises acusando a coligação governamental de ter cedido aos interesses imediatos da CSU de Seehofer, ficando toda ela como refém do que vier a acontecer com este partido nas eleições bávaras.
Se a AdF obtiver resultados expressivos, o governo poderá não resistir, situação que dará aos neofascistas uma dimensão política bem superior à sua expressão eleitoral num Estado federado.

Comprometedores antecedentes de Maassen

Pesando as reacções à decisão de afastar o chefe dos serviços secretos promovendo-o, os partidos do governo anunciaram posteriormente o cancelamento da medida, o que só aumentou a confusão política. Desconhece-se o que virá acontecer, mas as marcas deixadas por este processo são indeléveis. “Não criámos confiança, perdemos confiança, o erro é de todos”, lamentou-se Andrea Nahles
Tanto mais que, entretanto, foram revelados factos graves mostrando que as relações do chefe dos serviços secretos com a extrema-direita neonazi são muito mais profundas do que as ilustradas pela minimização dos seus actos terroristas.
Vieram a público provas irrefutáveis de que, enquanto chefe do BfV, Hans-Georg Maassen agiu como consultor informal de dirigentes da Alternativa para a Alemanha. Explicou-lhes, por exemplo, que para não serem alvo de vigilância cerrada por parte dos seus serviços deveriam distanciar-se dos pequenos grupos nazis que giram em seu redor e mesmo expulsar alguns quadros mais comprometedores.
O chefe dos espiões admitiu a participação em reuniões com dirigentes da Adf, mas não como consultor - apenas para explicar como funcionam os serviços secretos.
No centro profundo da crise, porém, está a clivagem em torno da questão dos refugiados e da imigração, que atinge toda a Alemanha.
A oposição à política dita de “tolerância” da chanceler em relação a este fenómeno parte do interior da própria CDU – sendo que a cisão com a CSU, nesta matéria, é total.
Pelas circunstâncias eleitorais, mas também por afinidades políticas – os sociais-cristãos nunca se distanciaram totalmente da extrema-direita – têm vindo a registar-se convergências xenófobas e neofascistas em torno da CSU e da Adf susceptíveis de agregar estas duas organizações num bloco não assumido politicamente mas capaz de ir aglutinando a crescente dinâmica neofascista polarizada em torno da imigração.
O problema do superespião Maassen é, portanto, muito mais amplo. Adverte para o ressurgimento, reforço e reorganização, na Alemanha, das tendências de radicalização à direita que avançam em toda a Europa, da Áustria ao Báltico, de Itália e Croácia à República Checa e Eslováquia.


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