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CHINA E ÁFRICA DRIBLAM O FMI E O COLONIALISMO

2018-09-14

Louise Nyman, Pequim; com Armando Vicente, Pretória
Todos se fizeram representar, menos um. Foram 54 os países africanos que aderiram ao Forum Sino-Africano realizado na primeira semana de Setembro em Pequim e que contou com a presença do presidente chinês. A reunião demonstrou que há outras formas de investir em África, dirigidas essencialmente ao encontro “do que os africanos necessitam”, em contraponto com as modalidades leoninas e neocolonizadoras impostas pelos prestamistas internacionais e pelas grandes potências, as da União Europeia incluídas.

O ambiente da reunião demonstrou que a China e as nações africanas estão a desenvolver outro sistema de cooperação com vantagens mútuas e que não assenta na imposição de exigências políticas e económicas, ao contrário do que acontece quando se trata do Banco Mundial, do FMI e das potências neocoloniais.
“Os empréstimos chineses não são condicionados a termos que fazer isto ou aquilo aos nossos sistemas políticos e económicos, a ter que privatizar este ou aquele sector público”, explicou um membro de uma delegação africana que preferiu o anonimato, devido às funções oficiais que desempenha.
O Forum revelou que a China é responsável por mais de 15 por cento da dívida externa africana – uma parcela que não passava de 2% em 2005. A parte chinesa da dívida externa de alguns países chega a atingir os 30, 50 ou mesmo 60%. A República Popular da China está, portanto, entre os principais financiadores do desenvolvimento africano; e já é o primeiro parceiro comercial do continente.
Os investimentos chineses destinam-se, principalmente, a estruturas e infraestruturas “que resolvem necessidades prementes dos africanos, como os acessos a abastecimento de água, energia eléctrica e transportes”, declarou um diplomata sul-africano.
“O estilo de cooperação chinesa reflecte muito a sua própria experiência de desenvolvimento e a capacidade de prever a longo prazo”, acrescentou o diplomata. Por isso, os empréstimos são “determinados pela necessidade de combater as carências de estruturas e infraestruturas como pontes, portos, aeroportos, barragens, estradas e caminhos-de-ferro”, explicou.
Do lado da China, este sistema de cooperação global com um continente que tem enorme potencial de desenvolvimento orienta-se pelo interesse em suprir as próprias carências de matérias-primas e pelas oportunidades abertas ao escoamento da sua produção, além da oportunidade para marcar posições estratégicas com impacto na actividade comercial.
Métodos expeditos…
Um dos aspectos mais focados por membros das delegações africanas presentes em Pequim foi o método expedito como os acordos bilaterais com a China funcionam – “uma vantagem inestimável deste processo de cooperação”.
Existe uma rapidez de decisão e de execução dos projectos que evidenciam ainda mais a lentidão e o arrastamento dos processos de “negociações” associados às conhecidas “ajudas” do FMI, do Banco Mundial e das potências com intuitos neocoloniais. “Com a China não há negociações arrastadas e condicionadas por exigências políticas e económicas impostas aos credores”, diz o diplomata sul-africano. “Por isso, ao negociar com a China podemos construir em três anos as linhas de caminho- de-ferro que demorariam 15 anos se estivéssemos à espera, por exemplo, da ajuda da União Europeia”.
… E contrapartidas
A comunicação internacional de grande consumo prestou escassa atenção a esta reunião relevante, ocupando-se, sobretudo, de atribuir à parte chinesa o intuito de tirar proveito das “dependências” africanas que estaria alegadamente a cultivar.
Realça principalmente o facto de os juros dos empréstimos serem “elevados” – de 8 a 10%; e de os projectos chineses serem executados segundo o modelo “chave na mão”, não proporcionando acesso ao respectivo know-how e não contribuindo, a prazo, para a autonomização da respectiva gestão.
No entanto, os acordos bilaterais estabelecidos entre a China e os seus parceiros africanos prevêm acções com o objectivo de incrementar a preparação técnica e especializada. O número de cidadãos africanos a receber formação na China nunca foi tão elevado como actualmente e tende a crescer à medida que forem sendo estabelecidos novos projectos.
A China, por seu lado, rejeita a acusação de que está a contribuir para o endividamento africano, já muito elevado devido aos contratos com os prestamistas habituais.
Pequim sublinha que as condições são vantajosas para a parte africana, quando comparadas com as dos empréstimos convencionais; e salienta que um eventual agravamento das dívidas externas se deve à conjuntura económica desfavorável proporcionada pelas baixas receitas fiscais das exportações e pela quebra dos preços das matérias-primas nos últimos anos.
“Para nós é muito mais interessante, obviamente, termos quem nos permita investir em estruturas que melhoram directamente a vida das pessoas do que uma espécie de cooperação traduzida no envio de tropas que se limitam a proteger a exploração e o comércio – tantas vezes ilegal – de riquezas naturais como ouro ou diamantes”, afirma um assessor económico de um país da África Central. “Ou ter que esperar anos por decisões dos países europeus enquanto pagamos dos próprios empréstimos os encargos com as intermináveis acções de assistência técnica”, acrescentou.
Outro argumento utilizado contra o método de cooperação chinesa em África relaciona-se com o facto de os investimentos permanecerem associados a bancos chineses, ao contrário das vias habituais: encaminhamento de fundos para os Bancos Centrais de cada país e daí para as respectivas contas associadas aos projectos negociados.
“O que parece um inconveniente ou um convite à opacidade também pode ser olhado segundo outra perspectiva”, reflectiu o já citado diplomata sul-africano. “Sendo do conhecimento geral o elevado grau de corrupção que existe em numerosos países africanos, não parece descabido que a parte que financia tenha a oportunidade de acompanhar a aplicação dos empréstimos nos projectos contratados”, sublinhou o mesmo diplomata.
Na reunião de Pequim tornou-se evidente que, apesar da ordem internacional dominante, existem cada vez mais alternativas de cooperação bilateral ou multilateral que dispensam as instituições de Brenton Woods e as suas exigências capazes de amarrar e asfixiar países e, sobretudo, povos carentes de desenvolvimento.
Enquanto a União Europeia, por exemplo, faz depender as parcerias de exigências travando o desenvolvimento, limitando soberanias e facilitando a apropriação de recursos naturais, a China de hoje age numa direcção diferente. Promove vias de cooperação mais igualitárias e que não têm contrapartidas impondo limites à soberania política e económica.
“A União Europeia gasta muito mais dinheiro a tentar proteger-se das vagas de refugiados africanos do que a investir na criação de empregos capazes de fixar nas suas terras os africanos que, na falta disso, procuram melhor vida noutros continentes”, testemunha o assessor económico de um país da África Central, por sinal um dos que mais sofre com práticas neocolonais, incluindo as do foro militar.
O certo é que foram 54 os países africanos representados no Forum de Pequim. Apenas a Suazilândia não esteve presente: é a única nação do continente que mantém os laços com Taipé.


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