O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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A SAGA DA AMAZON OU UM ASSALTO BEM-SUCEDIDO

Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, dono da Amazon e do jornal Washington Post

2019-01-28

Atenção que vai contar-se a história de um assalto bem-sucedido e que não necessitou de ser à mão armada. A história de como os contribuintes de Washington e Nova York vão financiar as novas sedes da empresa Amazon, isto é, enriquecer ainda mais o homem mais rico do mundo.

Margaret Kimberley*, Black Agenda Report/O Lado Oculto

O fundador e CEO da Amazon, Jeff Bezos, é o homem mais rico do mundo. Isso significa que também é, por definição, o maior larápio do mundo. Demonstrou-o ao obter 2100 milhões de dólares num assalto contra os cidadãos dos Estados de Nova York e da Virgínia, que subsidiarão duas novas sedes regionais da Amazon. Há quem afirme que o valor do subsídio é mesmo da ordem dos 4600 milhões.
O homem cujo património líquido é da ordem dos 120 mil milhões de dólares não precisou, porém, de puxar por uma arma para deitar as mãos ao dinheiro público, independentemente da quantia que tenha embolsado. Mais de 200 cidades participaram num concurso de licitações, concorrendo entre si para permanecer na corrida até final, mesmo sabendo que apenas duas seriam as escolhidas. Em cada minuto nasce um idiota e eles estão todos na gestão pública.
Não é surpresa, portanto, que Bezos tenha escolhido as capitais do governo e das finanças como os locais das duas novas sedes da sua Amazon. Bezos é o proprietário único do diário Washington Post, um investimento feito em 2013 e que o colocou ao volante da política dos Estados Unidos. A Amazon tem igualmente um contrato de 600 milhões de dólares com a CIA e desempenha um papel dominante no aparelho de espionagem.

Dar as chaves dos cofres ao ladrão

Nova York é a capital do dinheiro, portanto uma escolha óbvia para fazer saques, lucrativa actividade em que Bezos não encontrou entraves. O governador Andrew Cuomo e o presidente da municipalidade, Bill de Blasio, suspenderam temporariamente as suas contendas para darem ao bilionário as chaves dos cofres públicos. Cuomo é um democrata mesquinho que gosta muito de fazer acordos com os republicanos; De Blasio é um falso liberal que chegou ao poder com promessas de defender os cidadãos dos bilionários, mas depressa se dedicou a auxiliá-los.
Muitas cidades, de Toronto a Denver e Milwaukee, fizeram as suas apostas nesta corrida especial em que os vencedores acabam perdedores. Gastaram tempo e dinheiro a argumentar que as suas comunidades eram as mais dignas de serem roubadas. Passaram informações confidenciais a Bezos, revelaram-lhe os futuros projectos de desenvolvimento e transportes, abasteceram-no com preciosos dados demográficos envolvendo os cidadãos. Foi um espectáculo deprimente: é como oferecer as chaves de casa a um ladrão.
Em Nova York, o assalto à comunidade totaliza 1700 milhões em “incentivos” para a Amazon abrir os novos escritórios na cidade. A quantia equivale a 65 mil dólares por cada cidadão. Ora fazer dádivas de 65 mil dólares a cada habitante seria justo e democrático, além de um evidente benefício económico. As autoridades públicas, porém, já não existem para ajudar o público. Os governantes são os boys e as girls dos magnatas multimilionários. Cuomo e De Blásio estiveram de acordo em dispensar os negócios feitos com a Amazon da autorização do Conselho da Cidade, normalmente necessária para projectos deste tipo. Valha a verdade que os legisladores membros desta entidade também nunca encontraram um homem rico de que não gostassem.
Por exemplo, quando os proprietários dos grandes clubes desportivos querem novos estádios e arenas obtêm-nos sem nada gastar de fundos próprios. E os muitos interesses corporativos logo ameaçam ir procurar outros ares mal sonham que não receberão as ofertas que exigem.
Os membros co Conselho da Cidade de Nova York estão, provavelmente, aliviados de não terem de ficar associados a uma decisão destas. Alguns poderão mesmo ousar apresentar moções de protesto, mas a maioria deles nada dirá e espera que ninguém jamais alguém lhes peça para comentar o assunto.

Entre segredos e mentiras

As negociações entre as partes, como era conveniente, foram mantidas em segredo. Nem os moradores do complexo residencial de Queensbridge, o lugar escolhido pela Amazon, nem os de outras áreas vizinhas foram consultados. As entidades públicas apresentaram delirantes estimativas sobre a criação de 60 mil postos de trabalho, mas sabe-se que a Amazon está comprometida com a criação de apenas dez mil. E serão empregos para render 150 mil dólares por ano, o que significa que se destinam a pessoas com elevado nível de formação profissional e académica. As desigualdades de riqueza e rendimentos serão agravadas.
Paradoxalmente, Cuomo viu-se forçado a desvendar algumas verdades inconvenientes para poder defender o acordo. Garantiu que o Estado de Maryland ofereceu oito mil milhões para ficar com uma das sedes da Amazon; e que o Estado de Louisiana, que figura entre os mais pobres, estava disposto a fazer uma oferta de seis mil milhões, isto é, muito mais do que Nova York. Cuomo revelou ainda que grandes e exemplares corporações privadas, como o New York Times, vivem com subsídios públicos.
O crime é, portanto, multifacetado. Por um lado acelera os benefícios e o bem-estar dos expoentes privados; por outro lado, estes alcançam tais benesses a coberto de cenários construídos com mentiras públicas. A mentira é ainda mais ampla, manifesta-se em torno da suposta eficácia desses negócios privados, esconde o modo como são esbanjadas imensas maquias de dólares públicos. São fraudes próprias de uma democracia degradada, na qual os cidadãos nunca conseguem o que desejam.
É altura de os Estados que foram os escolhidos por Bezos começarem a fazer coisas certas. Por exemplo, revelarem exactamente quanto lhe ofereceram para receber as instalações. É o mínimo que as pessoas devem exigir de quem colocam no poder. Uma situação como esta poderia ser um momento que servisse de exemplo para travar as práticas do carteirista multimilionário. Para que fosse esta a última vez que um bilionário segue o seu caminho sem qualquer efectiva oposição.

*Editora e colunista sénior da publicação Black Agenda Report


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