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VIOLÊNCIA RACISTA E XENÓFOBA EM PORTUGAL

Sem palavras

2019-01-25

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

Na manhã do dia 20 de Janeiro as redes sociais foram inundadas com um vídeo caseiro, feito por uma moradora do bairro da Jamaica, no Seixal, em que se pode ver um grupo de polícias agredir duas mulheres e um homem sem que estes representem qualquer ameaça para os agentes da autoridade. Assistimos no vídeo a uma violência completamente gratuita sobre cidadãos indefesos por parte daqueles que são suposto protegê-los.

Que permite então a estes polícias exercer esta violência sem sentido sobre cidadãos inofensivos? Três razões combinadas. A pobreza, o racismo e a impunidade. No final, esta trilogia de situações poder ser resumida numa única: o racismo.

A polícia alega que terá sido previamente apedrejada. Contudo nada do vídeo leva a supor que os agentes pretendam prender qualquer dos agredidos por essa ocorrência. Não se vê qualquer mínima intenção nesse sentido. Apenas se vê uma violência descontrolada sobre um homem e duas mulheres. Assim, mesmo que o apedrejamento tenha ocorrido, o que é duvidoso, ele nada justifica esta violência gratuita sobre três cidadãos negros.

A pobreza

As vítimas desta violência policial são moradores do Bairro da Jamaica, um bairro degradado de pessoas muito pobres.

 Aí moram milhares de pessoas, na esmagadora maioria de ascendência africana, que procuram sobreviver em condições extremamente penosas, sem o mínimo de condições.

Neste bairro, com cerca de cinco hectares vivem, desde os anos noventa, já lá vão mais de 25 anos, mais de 250 famílias em ruínas de prédios de um empreendimento que faliu antes de chegar ao mercado. As casas não são abastecidas de água nem eletricidade e o sistema de esgotos escoa diretamente para as caves dos prédios, não estando ligado à rede pública.

Os prédios estão, alguns deles, em risco de colapso.

Apesar dos esforços continuados da autarquia, o poder central, responsável pelo realojamento, nunca disponibilizou os fundos necessários. Portugal, que dispõe de largos milhares de milhões para apoiar bancos, milhões para desbaratar em gastos inúteis, nunca encontrou no fundo do orçamento o dinheiro necessário para realojar estas pessoas. Porquê?

Só recentemente, em Dezembro último, as primeiras famílias começaram a ser realojadas e um dos blocos, o lote 10, foi demolido. Mas só foram entregues pela Câmara Municipal 63 habitações, contemplando 187 pessoas, pelo que a esmagadora maioria das famílias continuam numa situação deveras degradante que a todos nos envergonha.

O realojamento seguiu critérios positivos, pois ao contrário de outras experiências as pessoas não foram acantonadas num gueto municipal mas foram integradas no tecido habitacional do concelho, através da compra de casas em várias freguesias. Uma política positiva que há que enaltecer.

O contexto de pobreza gera uma vulnerabilidade que é aproveitada por agentes policiais para, a pretexto da criminalidade, que obviamente também existe no Bairro, exercer uma violência sem supervisão nem limites.

Mas esta pobreza tem uma explicação num mercado de trabalho segmentado em que a cidadãos de ascendência africana e a imigrantes cabem as funções mais penosas e menos remuneradas da economia, muitas vezes na ilegalidade e vítimas de sobre-exploração.

O Racismo

 O facto de as vítimas de estas agressões policiais serem quase exclusivamente negros ou  ciganos não engana sobre a sua natureza racista e xenófoba. Existem obviamente brancos igualmente pobres e destituídos, mas sobre eles não se abate preferencialmente esta violência gratuita e sistemática.

Sabe-se que alguns polícias se organizam em grupos racistas de extrema-direita sem que as hierarquias actuem, permitindo que ajam sem controlo, como aconteceu na esquadra da Damaia (hoje grande número dos efectivos dessa unidade está na barra do Tribunal como réus por violência racista).

Por outro lado, a privação dos direitos mais básicos à educação, ao emprego com direitos, a segregação habitacional e a discriminação diária criam um caldo de cultura que marginaliza os jovens – muitos nascidos em Portugal, a quem o país nega a nacionalidade portuguesa devido a um lei iníqua.

A impunidade

 A impunidade começa logo pela cobertura da comunicação social dominante.

Alguns títulos são elucidativos. Daremos um exemplo bem ilustrativo. “Video mostra violência entre polícias e moradores do Bairro da Jamaica” (Sábado), um artigo assinado por Alexandre R. Malhado e cujo conteúdo foi replicado por um conjunto de outros media. As excepções são muito poucas; especial referência para o Publico, que tem uma abordagem diferente do problema.

O que está mal com esta abordagem?

Primeiro as generalizações: a Polícia e os Moradores. Ora o que vemos é uma mão cheia de agentes, não representativos da Polícia, a bater em três pessoas, também uma ínfima minoria dos moradores. Pretende-se criar artificialmente um conflito entre duas partes (Polícia e Moradores) quando, na verdade, se trata de um crime cometido por alguns polícias, muito poucos, sobre alguns moradores.

Segundo, o título parece indicar que a violência documentada foi mútua, quando na verdade foi só num sentido – dos polícias armados sobre as vítimas desarmadas. A desinformação no seu melhor.

Terceiro, parece indicar que os polícias estavam em desvantagem numérica, uma vez que enfrentavam todo um Bairro e que por isso foram obrigados a usar a força. Nova mentira. Em todo o vídeo os polícias envolvidos tiveram a vantagem numérica e não houve confrontos, mas sim agressões.

Ao misturar propositadamente a Polícia com a atuação criminosa e descontrolada de alguns agentes consegue-se branquear a actuação destes, dando a entender que a violência foi decidida superiormente e que a instituição deve defender estes seus membros. Uma atitude corporativa que pretende justificar qualquer acção de qualquer agente apenas porque enverga uma farda. Maçãs podres existem em todas as profissões e devem ser extirpadas para não contaminarem as restantes.

Cabe à Polícia não proteger estes racistas fardados e afastá-los das suas fileiras depois de um inquérito rápido e completo. Devem seguir-se acusações criminais, a condenação e o cumprimento de uma pena adequada ao crime.

Infelizmente, noutros casos as hierarquias policiais têm defendido os polícias racistas procurando culpar as vítimas. Isso levanta legítimas acusações de racismo institucional, que devem ser investigadas a outro nível, nomeadamente político.

A legitimação da violência policial, nos media e nos tribunais, fecha as portas a qualquer saída ou reforma do sistema, o que leva a que a luta pela alteração do estado de coisas tenha de ser intensificada.

Mas fica a questão do porquê da legitimação da violência policial? E a resposta é, de novo, o racismo.
 
Conclusão

Ao fechar as portas ao clamor antirracista dos portugueses negros, ciganos e de outras etnias Portugal está a insistir num modelo injusto e que, no curto prazo, explodirá sob a revolta destes portugueses que, à força, querem as elites económicas e governamentais que sejam de segunda e que vivam sem direitos em bairros segregados e degradados.

Por mim assinei a declaração de apoio a Mamadou Ba, o dirigente do SOS Racismo que nos últimos dias tem sido vilipendiado e ameaçado por vários quadrantes da direita e extrema-direita, e mesmo por alguma esquerda. Assinei de imediato porque sonho com uma sociedade diferente, que possa ser racialmente integrada, plural e mais livre e mais igualitária.

*Economista, MBA

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