ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS

2018-11-01
Franklin Frederick, JornalGGN/O Lado Oculto
«Estamos todos sós, no coração da terra, transpassados por um raio de sol: e é de improviso noite.»
Salvatore Quasimodo
«O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!»
Luis Vaz de Camões, comentário sobre o candidato Jair Bolsonaro
(Os Lusíadas, Canto I, estrofes 105/106 )
Ao invés de um Presidente da República, o Brasil acaba de eleger um administrador colonial. E como em toda administração colonial, as tarefas do Governo Bolsonaro serão simples:
1- Supervisionar a transferêrencia, através de privatizações, das riquezas nacionais – recursos naturais como petróleo, minérios, água, etc. – e de bens públicos – empresas públicas – para a metrópole, no caso o capital financeiro internacional e as grandes corporações privadas.
2- Garantir a «segurança» na colónia para os interesses da metrópole - o mesmo capital financeiro internacional e as mesmas corporações privadas. Na prática isto significa, por um lado, a criminalização e a perseguição de movimentos sociais e de qualquer tentativa de defesa dos bens públicos e de propriedade pública dos recursos naturais; por outro lado, a imposição, através de fake news e narrativas fake, de um discurso totalitário que legitime esta política económica de submissão à metrópole, atacando como «socialismo», «comunismo» ou «bolivarianismo» qualquer proposta ou visão económica alternativa. Não será tolerada nenhuma resistência ou questionamento das privatizações e do controle da esfera pública por interesses privados.
3- Garantir a supremacia dos direitos da metrópole sobre os direitos – sociais e colectivos – dos cidadãos e instituições da colónia, com a consequente erosão dos direitos humanos, laborais, de leis e instrumentos de protecção ambiental; em resumo, de qualquer obstáculo à expansão predatória do capital.
Dito de outra maneira: o Governo Bolsonaro representa a imposição do novo colonialismo da ordem neoliberal no Brasil. Em Washington, capital internacional do neoliberalismo, deve-se ter festejado muito o resultado destas eleições. Imagino a euforia em Wall Street e a gana com que vão dilacerar o Brasil… Não foi a troco de nada o apoio e os conselhos de Steve Bannon, um dos grandes estrategistas da ordem neoliberal, à campanha de Bolsonaro.
E o fato de o candidato Jair Bolsonaro ter obtido, segundo as pesquisas, muitos votos entre os eleitores com formação universitária, apenas confirmou a minha antiga convicção de que certos níveis de estupidez só se alcança depois de muito estudo. Não é fácil.
Mas confesso que é duro, muito duro, assistir impotente a esta combinação de mediocridade, vulgaridade e estupidez tomar o país e ser festejada.
A nós, que temos os olhos abertos e que procuramos manter nossa humanidade intacta e nosso espírito desperto, cabe agora a difícil tarefa de seguir em frente e continuar a resistência. Como nos versos do poeta italiano e antifascista Salvatore Quasimodo que coloquei na epígrafe a este texto, somos os portadores deste raio de sol que deve se manter brilhando na noite que, de repente, caiu sobre o país. A nossa responsabilidade é ainda maior agora e o espírito deve seguir atento. Busco refúgio e forças na poesia. Lembro-me dos versos de Jorge de Lima, no final de «Invenção de Orfeu»:
« No momento de crer
criando
Contra as forças da morte,
a fé.
No momento de prece,
orando
pela fé que perderam
os outros.»
Estamos neste momento de luta contra as forças da morte. Há que seguir. Muito do futuro depende de nós.