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PRESIDÊNCIAS DA UE TÊM PATROCÍNIOS PRIVADOS

2020-01-25

Pilar Camacho, Bruxelas; Exclusivo O Lado Oculto

As Presidências da União Europeia são sponsorizadas. O patrocínio das presidências semestrais do Conselho da União Europeia por empresas é uma das mais recentes tendências de negócio envolvendo a governação da UE. Não importa que tais procedimentos representem conflitos de interesses e acentuem promiscuidades comercializando os direitos dos cidadãos europeus e tornando instituições públicas influenciadas por estratégias privadas. É o domínio da arbitrariedade neoliberal.

A Croácia exerce a presidência europeia no semestre em curso. E a companhia nacional de petróleo croata INA tornou-se o “fornecedor oficial de combustíveis” dos serviços presidenciais. Orgulhosa, a empresa informa que “fornecerá combustível para os veículos oficiais”. Trata-se, acrescenta, de uma contribuição em espécie.

A Presidência croata da União Europeia confirmou a existência de acordos, mas apenas depois de questionada por meios de comunicação social. Um porta-voz do Secretariado da Presidência informou por correio electrónico que existe esse acordo com a INA e mais seis com outras tantas empresas croatas. A mesma fonte prometeu que publicará no website da Presidência as informações sobre os negócios depois de “concluída a lista de patrocinadores”. Sabe-se que as empresas croatas do sector alimentar Jana, Franck e Juicy participam igualmente em negócios que envolvem a comparticipação em espécie.

De acordo com o Secretariado da Presidência, estão previstos ainda mais três acordos de sponsorização com empresas que serão responsáveis pelo pagamento de trabalhos eventuais durante o semestre e pela cobertura das despesas de reuniões promovidas pela Presidência. A promiscuidade é total e ostensiva.

                          

                                                                      Presidência Romena da UE ou um concerto de rock?

“A Presidência da União Europeia coloca-se, assim, ao nível, de uma qualquer produtora de concertos de rock ou das organizações de competições desportivas, que assinam acordos com patrocinadores e se submetem às normas impostas por estes, designadamente a de impedir o acesso à concorrência”, afirma uma fonte da Comissão Europeia na condição de anonimato. “A Presidência não pode ser um negócio, é um conjunto de actos e serviços que deveriam ser destinados ao bem-estar de todos os cidadãos dos Estados da União”, acrescentou.

Nas instituições europeias vem ganhando terreno a ideia de que os patrocínios das Presidências semestrais acarretam “conflitos éticos”. De notar que a missão das Presidências Europeias é orientar a política da União Europeia e gerir negociações entre os Estados membros.

E o “Green Deal”?

O facto de a Presidência croata ter assinado um acordo de exclusividade com uma empresa de combustíveis fósseis não é o melhor ponto de partida para o tão aclamado “Green Deal” (acordo verde) anunciado como pedra de toque do mandato da nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Inserido na nova corrente de “combate” às alterações climáticas que pretende colocar os grandes impérios poluidores mundiais na linha da frente contra a poluição, as emissões de dióxido de carbono e o aquecimento global, a iniciativa da Comissão tem como objectivo atingir a “neutralidade climática” em 2050. Um feito que terá, assegura Van der Leyen, uma envergadura como a “da chegada do homem à Lua”.  

Segundo o presidente do Conselho de Administração da INA, empresa de “média dimensão” que actua apenas na área dos combustíveis fósseis, com empreendimentos também em Angola e no Egipto, “o nosso objectivo é garantir a sustentabilidade a longo prazo de todos os nossos negócios e manter o nosso modelo de negócio integrado”.

Uma “partida em falso da Comissão”, assegura uma fonte do Conselho. Nos bastidores da Comissão e do Conselho Europeu, em Bruxelas, salienta-se também que a sponsorização de acções de organismos europeus viola grosseiramente as leis da concorrência, uma vez que está em causa a selecção justa e transparente dos fornecedores da União Europeia.

Caminho sem retorno

Apesar dos reparos que são feitos em relação a estas práticas de patrocínio, nada indica que haja intenção das autoridades europeias em pôr-lhes cobro.

Uma organização da sociedade civil de Zagreb designada Gong afirmou que mais de 60% das reuniões de tipo lobby organizadas pela Presidência Croata envolveram essencialmente grandes empresas privadas dos sectores de tecnologia, automóveis e combustíveis fósseis.

As iniciativas croatas, porém, nada têm de inovadoras em relação a um passado recente.

No primeiro semestre do ano passado, a Presidência Romena foi patrocinada pela Renault, pela Mercedes e pela Coca-Cola. No semestre seguinte, a Presidência Finlandesa foi patrocinada pela BMW.

A presidência que se seguirá, da responsabilidade da Alemanha, parece ter “renunciado” à sponsorização; mas não porque alguma entidade da União Europeia tenha manifestado vontade de separar as águas da promiscuidade. Berlim admite, no entanto, que possam existir excepções em relação a “produtos regionais” e “serviços regionais”.

Problema de transparência

A questão do “conflito ético” da sponsorização das Presidências chegou já à Provedora da União Europeia, Emily O´Reilly, para quem se trata também de um problema de prestígio das instituições perante os cidadãos. 

O´Reilly considera que são comuns os riscos de reputação de instituições oficiais quando associadas ao patrocínio corporativo. “Atendendo ao papel da Presidência existe o risco de que o patrocínio possa ser encarado como uma influência sobre as políticas e as legislações da União Europeia”, diz a Procuradora. E acrescenta que os procedimentos envolvendo áreas de patrocínios e acordos com marcas “vinculados a quaisquer fundos recebidos” são matérias muito sensíveis em termos de transparência e de opinião pública. 

Em Bruxelas, organizações envolvidas na promoção da transparência dos actos da União Europeia têm-se dedicado à questão da sponsorização, designadamente das Presidências, mas reconhecem que os resultados obtidos são nulos. O “Corporate Europe Observatory” concluiu no seu relatório divulgado no início de 2019 que “o patrocínio corporativo já é uma parte estabelecida das Presidências rotativas”.


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