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GUERRA DO ALUMÍNIO: OS EUA CONTRA O MUNDO

Empresa de alumínio na China

2018-10-05

Jorge Fonseca de Almeida, Economista, MBA; Especial para O Lado Oculto

O ataque comercial à China e a outros países começou com um absurdo aumento das tarifas alfandegárias norte-americanas sobre as importações de aço e de alumínio. De facto, em Junho deste ano, ignorando todos os acordos que os EUA subscreveram no âmbito da Organização Mundial do Comércio (Word Trade Organization – WTO na sigla anglo-saxónica) Donald Trump impôs unilateralmente uma tarifa elevada à importação de alumínio.


Este movimento insere-se numa estratégia mais vasta visando desacelerar o crescimento chinês, atrasando o momento em que a China se tornará a maior economia mundial, e diminuir o défice comercial dos EUA.
Ao atacar a economia chinesa os EUA estão, na verdade, também a castigar severamente as economias de muitos outros países que são fornecedores das matérias-primas, bens intermédios ou bens e serviços finais que a China importa para incorporar nos produtos que fabrica e exporta ou consome internamente.
Depois do primeiro ataque, Trump entrou numa escalada descontrolada. Em Julho e Agosto deste ano decretou uma tarifa absurdamente elevada de 25% sobre 800 (!) tipos de bens importados da China.
As barreiras à entrada de alumínio e aço aplicam-se a praticamente todos os países, incluindo ao Canadá e à União Europeia. Como os EUA continuam a precisar de alumínio, ficaram de fora destas autênticas sanções a Austrália e a Coreia do Sul.

Importância do alumínio

O alumínio é um metal não ferroso cujas características de maleabilidade, resistência à corrosão, baixa densidade bem como a facilidade de se fundir com outros formando ligas o tornam uma matéria-prima indispensável para muitas indústrias estratégicas como na construção de foguetões e de aviões, incluindo os de uso militar.
O seu emprego espalha-se por produtos tão diversos como caixilhos para portas e janelas, embalagens, ferramentas, estruturas e mastros de barcos, vários componentes de computadores, bicicletas, fios de alta tensão (em liga com o cobre), tintas especiais, utensílios de cozinha, moedas, instrumentos musicais, latas para bebidas, etc., etc.. Pense num produto e provavelmente ele terá alumínio incorporado.
Com tão largo espectro de utilização, não admira que os países mais industrializados sejam os maiores consumidores de alumínio e que procurem activamente garantir o seu abastecimento deste precioso metal.
A bauxite é a principal fonte de alumínio. A transformação de bauxite em alumínio desenrola-se em duas fases: primeiro obtém-se, através de processo químico, o óxido de alumínio ou alumina, a qual se pode converter depois, pelo processo de Hall-Héroult, em alumínio metálico. O óxido de alumínio pode ser utilizado diretamente em diversas aplicações como na produção de abrasivos e de vidros especiais.
A produção de alumínio a partir da alumina implica uma forte utilização de energia, pelo que as fundições se encontram em países com energia barata, por vezes distintos dos da extração da bauxite. Existem pois três grandes mercados à escala mundial: o da bauxite, o da alumina e o do alumínio primário. Mas o passo decisivo é a transformação da alumina em alumínio.
Por exemplo a Austrália, que é o maior produtor mundial de bauxite, é apenas o sexto maior produtor de alumínio, apesar de ter uma indústria altamente integrada da extracção à produção final.
Também a reciclagem de alumínio, nomeadamente de latas de bebidas, constitui hoje uma fonte importante deste metal.

10 Países controlam 92% da produção mundial de Bauxite

Apesar de o alumínio ser o metal mais abundante no mundo, as fontes de exploração da bauxite estão extremamente concentradas. A Austrália (28%) e a China (23%) representam mais de metade da extração mundial deste minério.
Se a estes dois países somarmos os oito seguintes: Guiné-Conacri (15%), Brasil (12%), Índia (6%), Jamaica (3%), Cazaquistão (2 %), Rússia (2 %), Suriname (1%) e Venezuela (1%) temos em apenas 10 países concentrados mais de 95% da produção mundial.


Fonte: U.S. Geological Survey, Mineral Commodity Summaries, January 2018

De toda a bauxite extraída, 85% é convertida em óxido de alumínio e o restante é utilizado para outros fins.

Maiores produtores, exportadores e importadores de alumínio

A China domina largamente a produção de alumínio, quer utilizando a bauxite própria quer importando bauxite e alumina de outros países. Do total mundial de alumínio produzido em 2016, a China assegurou 54%. O segundo maior produtor foi a Rússia, com uma quota de 6%. O domínio chinês é bem expressivo.

Sendo o custo da energia uma das principais componentes da transformação da alumia em alumínio não admira que os principais exportadores de alumínio sejam países com acesso barato à energia. Muitos destes países importam bauxite ou alumina para transformar em alumínio que depois exportam. Assim, o maior exportador em 2016 foi a Rússia, logo seguida do Canadá e dos Emiratos Árabes Unidos.


Fonte: Observatory of Economic Complexity.

Por outro lado, os grandes importadores de alumínio primário tendem a ser os países mais industrializados, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, etc., que o incorporam nos produtos finais. Dos grandes países industrializados a China não importa alumínio primário porque o produz internamente; em contrapartida, os Estados Unidos são o maior importador mundial, com 18% do total mundial.


Fonte: Observatory of Economic Complexity.

As empresas americanas perdem terreno

No final dos anos setenta, as norte-empresas americanas e ocidentais dominavam completamente o mercado. A Alcoa era a principal empresa, sendo responsável pela extracção de 46 % da bauxite, 26% da comercialização da alumina e de 38% do alumínio primário. A Alcoa dividia então o mercado com a Alcan, uma empresa canadiana, a segunda maior nestes mercados.
Com o desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), nas primeiras décadas do século XXI, o panorama tornou-se totalmente diverso.
A maioria da produção e consumo de alumínio primário passou para os BRICS, deixando de estar nos países Ocidentais.
 

Fonte: The Global Aluminium Industry, 2013

Em 2010, a produção e o consumo de alumínio primário estava já concentrada nos BRICS, com a China a tomar a dianteira.


Fonte: The Global Aluminium Industry, 2013

Com esta alteração estrutural, as empresas ocidentais deixaram de dominar os mercados internacionais. A Alcan não resistiu e acabou comprada pela Rio Tinto e a Alcoa viu diminuída a sua quota de mercado para níveis bem inferiores.
A Alcoa detém hoje apenas 10% do mercado de bauxite e o mesmo valor nos mercados de alumina e do alumínio primário. Nas últimas décadas, o gigante norte-americano passou de empresa dominante para empresa com uma quota equiparada às das empresas chinesas (Chinalco/Chalco, China Power Investment e Xinfa Group).
OS EUA, de país dominante passou a ser um país claramente importador de alumínio e as fontes desse alumínio deixaram de ser as suas empresas para passarem a ser empresas de outros países.
Percebe-se assim que a imposição de tarifas ao alumínio seja uma forma de ataque à China, a grande produtora mundial de alumínio, e uma forma de tentar recuperar para as suas empresas, oferecendo-lhes um mercado cativo, o anterior domínio deste estratégico metal, que hoje está presente em tantos produtos industriais.




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