FMI ATACA SEM DÓ NA AMÉRICA LATINA
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2018-11-29
Vijay Prashad*, Globetrotter Project, Independent Media Institute/O Lado Oculto
O México tem um novo presidente a partir de 1 de Dezembro – Andrés Manuel López Obrador. Sucede a Enrique Peña Nieto, cuja administração marinou na corrupção. Os advogados de Peña Nieto já solicitaram ao Supremo Tribunal que não processe os seus colaboradores por corrupção. A elite protegê-los-á. López Obrador não poderá exorcizar o Estado, muito menos a sociedade mexicana, dos corruptos. Ervas daninhas corruptas crescem nos solos do capitalismo em busca dos lucros, adubadas pela ganância - e também nos contratos com o governo. López Obrador chega à presidência como um homem de esquerda, mas o espaço de manobra de que dispões para cumprir uma agenda de esquerda é mínimo. A economia do México, tanto pela geografia como através do comércio, funde-se com a dos Estados Unidos. Mais de 80% das exportações mexicanas destinam-se ao vizinho do norte; e o seu sector financeiro está inteiramente à mercê dos bancos do norte.
López Obrador já teve que lidar com o garrote dos bancos dos Estados Unidos à volta do pescoço. Em 28 de Outubro, logo a seguir às eleições, cancelou o projecto de construção de um novo aeroporto para a Cidade do México com custos avaliados em 13,4 mil milhões de dólares, um valor considerado muito elevado. Istambul acabou de inaugurar um novo aeroporto muito maior e que custou menos dois mil milhões de dólares. A moeda nacional, o peso, baixou de cotação, a bolsa de valores mexicana caiu, a Fitch despromoveu a classificação do crédito mexicano para a área negativa, os investidores internacionais franziram a testa.
No início de Novembro, os legisladores apoiantes de López Obrador propuseram uma limitação das taxas de juros. O mercado acionista entrou em colapso: a Bolsa Mexicana de Valores teve o seu pior dia em sete anos. Os banqueiros enviaram uma mensagem ao presidente: não faça balançar o barco.
Imediatamente, López Obrador escolheu Carlos Urzúa para ministro das Finanças – repreendendo assim os legisladores afectos e piscando o olho aos bancos. Urzúa, um economista, passou anos como consultor do Banco Mundial. A profissão de economista caiu praticamente nas mãos das agências internacionais que estão comprometidas com a versão mais asfixiante das políticas públicas, que dá pelo nome de neoliberalismo – e que não passa de um sistema que favorece as grandes corporações, em detrimento dos trabalhadores; que aposta em conter a inflação em vez de encontrar maneiras de melhorar a vida e os rendimentos das pessoas comuns. Finanças é uma religião e o dinheiro o seu Deus.
López Obrador e Urzúa não têm poder político para desafiar esta ordem das coisas.
E o FMI chega à Cidade do México
Apenas um mês antes de Obrador tomar posse, o FMI enviou uma equipa à Cidade do México para fazer uma avaliação com base no Artigo IV da Carta da instituição. O relatório dos enviados do Fundo estabelece os limites do que o governo pode e não pode fazer. Os técnicos fizeram a usual declaração verbal de “preocupação” com as desigualdades e a pobreza, que não passa de simples fachada. Nada nas declarações dos visitantes tinha contornos de uma política capaz de enfrentar os graves problemas da pobreza e da desigualdade no México.
O que o relatório destaca, isso sim, é uma advertência a López Obrador de que não deve tentar investir recursos em infraestruturas capazes de beneficiar o povo mexicano – por exemplo na indústria petrolífera através da empresa estatal, a Pemex. O México, um Estado exportador de petróleo, importa petróleo porque tem uma capacidade muito limitada de refinação. O presidente afirma que pretende desenvolver adequadamente a Pemex; o FMI declara que “a melhoria da situação financeira da Pemex é uma condição básica para que possam ser feitos novos investimentos na refinação”. Deste modo, Lopez Obrador será forçado a fazer cortes drásticos na Pemex e assim o México continuará a drenar o seu petróleo. Nenhuma mudança estrutural será possível contra um parecer negativo do FMI, situação que agravaria ainda mais a chantagem com os investimentos no México.
Alguém deveria encorajar o FMI a deixar de enviar equipas de avaliação a países como o México. Cada relatório elaborado é igual ao anterior, os grupos de técnicos são incapazes de aprender. Há alguns anos, um economista sénior do FMI contou-me que visitou um país da Ásia Central do qual nada conhecia, sobre o qual nada aprendeu e que continuava a nada saber quando redigiu o relatório de avaliação no âmbito do Artigo IV. Tudo o que fez foi sentar-se em gabinetes, uns atrás dos outros, ouvir discursos enlatados de funcionários nervosos do Ministério das Finanças e escrever o relatório com base na receita de sempre do FMI – fazer cortes nas despesas públicas, privatizar e garantir que os bancos fiquem felizes.
A amplitude para estabelecimento de políticas inovadoras não existe, pura e simplesmente. O FMI chega às cidades para dizer aos novos governos como têm de se comportar. No caso do México, o presidente e o seu gabinete só tiveram de ouvir. Qualquer desvio das receitas do FMI teria como resposta a fuga de investidores e faria com que a fonte do investimento estrangeiro secasse. Hoje em dia é muito fácil sufocar um país.
O FMI chega a Buenos Aires
Nas últimas duas décadas o FMI teve algumas dificuldades em dar as suas ordens na América Latina. De 2002 a 2007 a maioria dos países tiveram governos de esquerda, a actividade económica foi ajudada pelos elevados preços das mercadorias (incluindo petróleo) e pelo elevado retorno das exportações.
Até o presidente conservador do México Felipe Calderón (2006-2012) se apoiou nos ventos dominantes do bolivarianismo. Em 2011, na cimeira da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), Calderón defendeu a integração da América Latina – algo que não é de esperar por parte de um governo mexicano, porque o México está firmemente integrado nos Estados Unidos.
A crise financeira internacional de 2007 atingiu fortemente a América Latina. Calderón foi a Davos, no ano seguinte, afirmar que a América Latina estaria isolada da crise. Longe disso, porque o México já começara a sofrer problemas de emprego quando a economia do seu principal parceiro comercial, os Estados Unidos, se contraiu. Um estudo do FMI concluiu que a América Latina perdeu 40% da sua riqueza em 2008. As finanças públicas contraíram-se, os investimentos públicos decresceram. A inflação elevou as taxas de pobreza e reflectiu-se no aumento da instabilidade social.
De forma resumida: por que razão as economias da América Latina sofreram com a crise que se seguiu a 2007? Não foi por causa dos governos de esquerda e das políticas por eles aplicadas. A origem foi um sistema financeiro excessivamente alavancado nos Estados Unidos, onde uma das bolhas de activos, os preços da habitação, entrou em colapso. A profunda integração e dependência do sistema financeiro dominado pelos Estados Unidos e a fraca diversificação das suas economias em relação ao mercado norte-americano fizeram com que a América Latina sentisse dores à medida que os bancos dos Estados Unidos se contraíam. Em 2002, mais de 80% da dívida privada da Argentina era em dólares, enquanto apenas um quarto da economia estava volta para a exportação. Esta situação foi o combustível que explodiu em chamas, sobretudo pelo facto de a a dependência em relação ao dólar não ter sido corrigida.
O problema económico exportado pelos Estados Unidos teve grande impacto político, o que acabou por enfraquecer os governos de esquerda, mesmo quando tentaram amenizar os efeitos da crise. Alguns desses governos, como os da Argentina e do Brasil, perderam eleições; e a turbulência social atingiu outros, como a Venezuela e a Nicarágua. É neste contexto que o Fundo Monetário Internacional regressa em pleno à América Latina, e em registo de vingança.
Após duas décadas de relativa ausência deu-se recentemente o regresso do FMI à Argentina (dossier do Tricontinental: Institute for Social Research). A avaliação que fez no âmbito do Artigo IV, em Dezembro do ano passado, realça os problemas do alto endividamento em moeda estrangeira, um diagnóstico que já fora feito em 2001-2002. Devem-se ao poder financeiro internacional, centrado em Nova York e em Londres, as dificuldades em combater esse problema. É mais fácil exigir cortes nos já escassos rendimentos das pessoas comuns.
Em 1994, o México sofreu os efeitos da chamada “crise da tequilla”: o peso mexicano entrou em colapso quando se registou um grande êxodo do capital internacional. O governo não montou dispositivos de controlo de capitais, tentando proteger o peso contra os especuladores de moeda; e então o “efeito tequilla” espalhou-se através da América do Sul. Ninguém estava preparado para enfrentar o dólar e os especuladores.
Foi então que das florestas de Chiapas o subcomandante Marcos dos zapatistas lembrou as vidas difíceis dos mais esquecidos, das pessoas que não provocaram a crise mas que estavam condenadas a arcar com os custos das atrocidades financeiras. Agora, mais uma vez e com a colaboração do FMI, serão os bolsos dos mais esquecidos, do Brasil e da Argentina ao México, que sofrerão para que as finanças permaneçam intactas.
*Historiador, editor, jornalista e escritor indiano. Editor da LeftWord Books. Director do Tricontinental: Institute for Social Research