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A GUERRA FORMATADA COMO “MISSÃO DE PAZ” E “AMIGA DO AMBIENTE”

Quartéis "verdes" para as bombas de sempre

2020-07-23

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Além de subordinar as forças armadas dos “aliados” ao seu comando por via da NATO, o Pentágono tem vindo a conceber também a integração de corpos militares desses países na sua própria estrutura, retirando-lhes, deste modo, qualquer autonomia que ainda pudessem ter. Isso acontece, sobretudo, na perspectiva da utilização de forças especiais em guerras de agressão. As manobras têm decorrido de forma dissimulada, fora do controlo da opinião pública, como aconteceu agora com a inserção do Comando das Forças Especiais italianas (Comfose) na estrutura do Pentágono em Camp Darby, entre Pisa e Livorno. Um processo apresentado sob as chancelas de “missões de paz” e, como não poderia deixar de ser, de “amigo do ambiente” – isto é, “Quartéis Verdes” assentes sobre milhões de cargas explosivas.

Muitas e importantes actividades mal conseguiram ainda deixar o confinamento e retomar a normalidade, mas há uma que jamais parou e, por isso, está em fase de grande aceleração: o aparelho de guerra. E pode citar-se como exemplo deste febril dinamismo o caso de Camp Darby, o maior arsenal militar norte-americano no mundo fora dos Estados Unidos, situado entre Pisa e Livorno, em Itália. O corte de cerca de mil árvores numa área natural “protegida”, a do Parque Regional de San Rossore, já foi concluído, o que permite a construção de ramal ferroviário que ligará a linha Pisa-Livorno a um novo terminal de cargas e descargas atravessando o Canal de Navicelli sobre uma nova ponte metálica móvel. 

O terminal terá uma altura de uma vintena de metros e integrará quatro cais, podendo cada um acolher nove vagões. Por meio de veículos móveis elevadores de contentores, as armas que chegam serão transferidas para os vagões. O terminal permitirá a movimentação de dois comboios ferroviários diários e que, transportando cargas explosivas, ligarão a base de Camp Darby ao porto de Livorno através de zonas densamente povoadas. Com o aumento do movimento de armas, a ligação por canal e por estrada de Camp Darby com o porto de Livorno e o aeroporto de Pisa têm-se revelado insuficientes. Nos 125 bunkers da base, constantemente abastecidos pelos Estados Unidos, estão armazenados mais de um milhão de projécteis de artilharia, bombas para aviões e mísseis, a que se juntam milhares de tanques de assalto, veículos e outros materiais militares (segundo estimativas aproximadas).

Uma operação dissimulada

Desde 2017 que grandes navios podendo transportar seis mil veículos e outras cargas de âmbito militar fazem escalas mensais em Livorno, carregando e descarregando armas que serão transportadas para os portos de Aqaba, na Jordânia, de Jedah, na Arábia Saudita e outros igualmente no Médio Oriente em condições de serem utilizadas no estrangeiro por forças norte-americanas, sauditas e outras em guerras na Síria, no Iraque e no Iémen. No preciso momento em que está em curso o aumento de capacidades de Camp Darby como maior arsenal norte-americano no estrangeiro, um jornal da Toscânia titula em letras garrafais “Era uma vez Camp Darby”, explicando que “a base foi redimensionada devido aos cortes orçamentais na Defesa decididos pelos governos dos Estados Unidos”. E o diário Il Tirreno anuncia: “Em Camp Darby flutua apenas a bandeira tricolor italiana: a bandeira dos Estados Unidos foi retirada ao fim de quase 70 anos”. Será que o Pentágono está em vias de fechar a base, devolvendo a Itália o território sobre o qual foi instalada? Nada disso.

As Forças Armadas dos Estados Unidos concederam ao Ministério italiano da Defesa uma pequenina parcela da base (34 hectares, isto é, cerca de três por cento de um total de mil hectares), anteriormente zona de contenção, para instalação do Comando das Forças Especiais do Exército italiano (Comfose), inicialmente a funcionar no quartel de Gamerra de Pisa, sede do Centro de Treino de paraquedistas. A transferência efectuou-se silenciosamente durante o confinamento e agora o Comfose anuncia que o seu quartel-general está situado num “novo domínio militar”, de facto anexado a Camp Darby, base onde há muito tempo decorrem os treinos conjuntos dos militares norte-americanos e italianos. 

Pentágono anexa unidades italianas

A transferência do Comfose para uma área anexa a Camp Darby, formalmente sob a bandeira italiana, permite integrar de facto as forças especiais italianas nas norte-americanas para serem utilizadas em operações secretas sob comando dos Estados Unidos. Tudo sob a capa do segredo militar. Em visita ao novo quartel-general do Comfose, o ministro italiano da Defesa, Lorenzo Guerini definiu as instalações como “centro nevrálgico” não apenas para as forças especiais mas também para as “Unidades de Psyops do Exército”.

O objectivo destas unidades é o de “criar o consenso da população local perante os contingentes militares utilizados em missões de paz no estrangeiro”, isto é, convencê-la de que os invasores são os missionários da paz. Para terminar, o ministro Guerini qualificou o novo quartel-general como um exemplo do projecto “Quartéis Verdes”.

Um modelo de “bem-estar” e de ecodurabilidade” que assenta sobre um milhão de ogivas explosivas.


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