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UCRÂNIA E MACEDÓNIA: GOLPE RELIGIOSO EM CIMA DO POLÍTICO

Filarete I, patriarca cismático de Kiev, em convívio dos os terroristas nazis do Sector de Direita

2018-10-12

Urszula Borecki, Kiev; com Castro Gomez, Moscovo

O processo de reforço da influência norte-americana nas regiões europeias que lhe estiveram vedadas durante a Guerra Fria tem uma componente religiosa de peso que normalmente passa despercebida perante as pressões militares, exercidas através da NATO, e as integrações económicas e políticas, impostas via União Europeia.

Actualmente estão em evidência dois casos em que as movimentações de índole religiosa complementam as políticas, militares e económicas: na Macedónia e na Ucrânia. Para ambas existe um centro de acção comum: a Grécia; e um alvo a derrotar: as influências russas de âmbito social, cultural e tradicional existentes em comunidades que têm uma importância fulcral nesses países.
A base do processo é a tentativa de estabelecer uma clivagem, ou mesmo um cisma, entre os Patriarcados de Constantinopla e de Moscovo, dois grandes pilares da Igreja Cristã Ortodoxa, de modo a cortar a influência da Igreja Ortodoxa Russa na Ucrânia e mesmo na Macedónia – uma estratégia que poderá ser válida para a Sérvia se vier a tornar-se necessário.
O homem que dirige as operações por incumbência do Departamento de Estado norte-americano é Geoffrey R. Pyatt, de momento embaixador norte-americano em Atenas e que ocupava cargo equivalente em Kiev quando se deu o golpe que implantou o actual regime fascista na Ucrânia.
A influência da presença de Pyatt na Grécia tem sido bastante evidente nos últimos tempos, através da elaboração do “acordo histórico” entre Atenas e a Macedónia ex-jugoslava para alteração de nome deste país e a sua integração na NATO e, a prazo, na União Europeia. Um acordo que foi rejeitado pela maioria da população do país ao boicotar o recente referendo.

A Ucrânia, base hostil

A questão religiosa é manobrada há mais tempo na Ucrânia, onde o objectivo dos poderes externos que controlam o país é provocar a autonomização da igreja canónica ortodoxa de Kiev em relação ao Patriarcado Ortodoxo de Moscovo, do qual depende em termos orgânicos. Uma operação que se integra no processo de corte absoluto da Ucrânia em relação à Rússia, cuja face mais visível e dramática é a guerra xenófoba conduzida contra as regiões do Leste e sudeste do país, sobretudo no Donbass, onde as influências linguística e cultural russas são muito fortes.
Uma operação que tem, como objectivo global em desenvolvimento, a transformação da Ucrânia numa base hostil contra a Rússia em todos os domínios, uma frente avançada do cerco que a NATO montou ao território russo e que, segundo ameaça proferida muito recentemente, pode transfigurar-se num “ataque preventivo”.
Acontece que os dignitários da igreja canónica de Kiev mantêm a ligação de muitos séculos a Moscovo, posição que perturba a estratégia do Departamento de Estado norte-americano, porque assim não existe sintonia entre a influente igreja oficial ucraniana e o regime que Washington instalou em Kiev.

Filarete entra em cena

Neste cenário, Washington recorre a uma espécie de plano B e faz uma aposta na institucionalização de uma igreja cismática de Kiev na estrutura da Igreja Cristã Ortodoxa.
Trata-se da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana, existente há cerca de 20 anos e que não é reconhecida por nenhum dos sete Patriarcados da Igreja Ortodoxa, a começar pelo de Constantinopla, “o primeiro entre iguais”. É dirigida por Filarete I, “Patriarca de Kiev da Igreja Ortodoxa Ucraniana”, um dignitário que participou nos acontecimentos da Praça Maidan, tal como os coordenadores do golpe, Geoffrey Pyatt e Victoria Nuland, subsecretária de Estado no Departamento de Estado de Washington. São conhecidos os seus laços con o Sector de Direita, o grupo político-militar nazi operacionalmente mais influente no regime de Kiev.
Filarete I, de seu nome Mykhailo Antonovych Denysenko, antigo agente do KGB que entrou em ruptura com Moscovo enquanto metropolita ortodoxo de Kiev no início dos anos noventa, e acabou excomungado devido às peripécias do seu passado, foi um dos principais responsáveis pelo cisma com o Patriarcado russo e pela criação da “Igreja Autocéfala”. Para ele, o presidente Putin é um “Caim” e um “Judas”.
Entretanto, no início do passado mês de Setembro, o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, enviou dois representantes especiais a Kiev com a missão de declarar a Igreja canónica da Ucrânia como independente em relação a Moscovo. A estrutura eclesiástica em funções, porém, não reconheceu a sua legitimidade nem aceitou a interferência.
Uma semana depois, a seguir a um encontro com o presidente Porochenko, os dois enviados de Constantinopla viajaram para Washington na companhia de Filarete I, e foram recebidos no Departamento de Estado. Encontraram-se ainda com o ex-presidente Joseph Biden, uma das eminências do golpe na Ucrânia e cujo filho é membro da administração da principal empresa de exportação de gás ucraniano.
Não foi este, porém, o primeiro sinal de um enfrentamento entre os Patriarcados Ortodoxos de Constantinopla e Moscovo. Já desde Maio deste ano que Constantinopla não passa autorizações a eclesiásticos da Igreja Ortodoxa Russa para visitarem o Monte Atos, na Grécia, onde se concentram os principais mosteiros ortodoxos do mundo.
Aguarda-se, portanto, o momento em que Bartolomeu I anuncie a transferência da bênção oficial ortodoxa para a “Igreja Autocéfala de Kiev”, abrindo-se uma clivagem entre Constantinopla e Moscovo nunca vista na longa história da Igreja Cristã Ortodoxa. Um golpe de profundas repercussões e que já teve resposta. O Patriarca Cirilo I, de Moscovo, anunciou que a sua igreja deixará de mencionar Bartolomeu nas orações e que rompe relações de trabalho em todas as instâncias onde os dois Patriarcados estão presentes.
O Patriarcado de Constantinopla tem jurisdição sobre a Igreja Ortodoxa Grega. Não seria surpreendente que, para lançar estes acontecimentos, se tivessem estabelecido importantes laços operacionais entre o embaixador norte-americano em Atenas, Geoffrey R. Pyatt, e a igreja oficial grega; tal como aconteceu com o governo de Alexis Tsipras.

Segue-se a Macedónia

São evidentes os paralelismos que existem, há alguns anos, nos processos de conspiração montados ao nível da NATO e da União Europeia contra a soberania da Ucrânia e da Macedónia ex-jugoslava. Até um golpe do mesmo tipo do que ocorreu em Kiev em 2014 foi tentado dois anos depois em Skopje.
As semelhanças chegam até ao golpe religioso. Embora a igreja oficial da Macedónia ex-jugoslava, originalmente dependente da igreja sérvia, esteja numa situação de auto-isolamento, o Patriarcado de Constantinopla fez questão de informar que não normalizará relações com a igreja do país enquanto este não aceitar o nome Macedónia do Norte, tal como exigem a NATO e a União Europeia.
A questão de fundo na posição de Constantinopla, reflectindo a da Grécia, é política e pouco ou nada tem de religiosa. A maior comunidade da Macedónia ex-jugoslava entre as que rejeitou o referendo imposto por exigência da NATO e da UE é a cristã ortodoxa, acusada de ter “simpatias por Moscovo”. Pelo que a atitude do Patriarca Bartolomeu I não é mais do que um efeito colateral do corte com a Rússia suscitado pela questão ucraniana. E uma manifestação da abrangência das actividades conspirativas do Departamento de Estado norte-americano.

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