CHEFES DA UNIÃO EUROPEIA ESCOLHEM-SE À SOBREMESA
2019-06-07
José Goulão; com Pilar Camacho, Bruxelas
Seis dirigentes de países europeus representando os três maiores blocos políticos actualmente existentes no Parlamento Europeu, entre eles António Costa, reúnem-se esta sexta-feira ao jantar em Bruxelas para prosseguirem o grande negócio de atribuição dos lugares de chefia das mais importantes instituições da União Europeia.
Os nomes em jogo pelas mãos dos participantes representam mais do mesmo da política europeia caracterizada pela austeridade, a dispendiosa militarização, os ataques à soberania dos Estados membros e as ingerências nos assuntos internos de países tanto do interior como do exterior da União. Os convivas estão presentes em nome do Partido Popular Europeu (PPE, direita, qualificada “centro-direita” no léxico unionista); os Socialistas & Outros Democratas (S&D, sociais-democratas incluindo a vertente neoliberal); e os Liberais (ALDE, que reivindicam para si a ortodoxia neoliberal que os outros dois também seguem).
Na recente reunião do Conselho os dirigentes dos governos europeus mandataram o actual presidente, o polaco Donald Tusk, para fazer o que poderá qualificar-se como as “entrevistas desemprego” aos putativos candidatos. Os lugares em disputa são os de presidente da Comissão Europeia, presidente do Conselho Europeu, presidente do Parlamento Europeu, presidente do Banco Central Europeu e alto representante da Política Externa e de Segurança Europeia. A fila de candidatos é longa, mas como é tradicional na União Europeia, uns são mais candidatos do que outros. Daí o jantar desta sexta-feira na capital do poder unionista.
PPE delega na extrema-direita
O Partido Popular Europeu faz-se representar por Andrej Plenkovic e Krisjanis Karins, que chefiam, respectivamente, os governos da Croácia e da Letónia. Uma realidade que salta à vista é o PPE ter enviado dois representantes da extrema-direita, dos que estão na corda bamba entre a direita tradicional e a mole de tendências existente na extrema-direita, susceptível de sofrer novas arrumações por grupos já na constituição do Parlamento Europeu. Por esta via, o PPE tenta desde já arregimentar as tendências de extrema-direita – populistas, fascistas e neofascistas, nacionalistas – para apoiarem o seu candidato a presidente da Comissão, Manfred Weber.
A escolha de Weber estava praticamente segura antes das recentes eleições europeias, mas a grande quebra dos partidos que têm funcionado como pilares da União desde a fundação baralhou as relações de forças e obriga a uma negociação mais cerrada do que pretendia a direita tradicional.
Todos os trunfos do PPE nesta jogada são de extrema-direita: o próprio Weber, um alemão bávaro da força política da chanceler Merkel, mas que esta apoia de maneira muito reservada; os representantes no jantar de barganha; e as correntes a cativar. Está à vista uma tentativa do PPE para garantir o apoio de todas as direitas nestas decisões.
Liberais como fiel do neoliberalismo
Uma chave determinante para a atribuição dos lugares é o ALDE, o grupo dos liberais; a sua orientação é igualmente de direita e extrema-direita: à partida garantiriam ao PPE a maioria necessária para eleger Weber e outros.
Porém, os liberais têm agora um grande poder de negociação; e como liberais que são, não terão qualquer problema em fazer maioria com os socialistas, se estes lhes garantirem mais dividendos que o PPE. É que na União Europeia jogam-se muito mais nomes, cargos e mordomias do que ideais políticos porque a política é, por definição, a que é
No jantar desta sexta-feira os liberais jogam com equipa de luxo: os primeiros-ministros belga e holandês, respectivamente Henri Michel e Mark Rutte, sendo este um dos candidatos a um dos cargos em disputa. Equipa de luxo porque muito interveniente na União Europeia, claramente de direita – portanto muito vocacionada para se entender com o PPE e adjacências – mas também com portas escancaradas à sua “esquerda”. Além de ter o apoio potencial do presidente francês, Emmanuel Macron, um “liberal” de fresca data, e beneficiar agora de hostes alargadas no Parlamento Europeu.
Rutte e Michel têm, pois, boas razões para se sentarem esta sexta-feira à mesa com os horizontes muito abertos e uma candidata forte para instalarem na cadeira da presidência da Comissão: a comissária dinamarquesa Margrethe Vestager. A dirigente nórdica tem muita a coisa a seu favor, pois o cargo nunca foi desempenhado por uma mulher; além disso, tem características que podem juntar maiorias ditadas por razões políticas mas também de género e regionais.
Dueto ibérico para um holandês
Os S&D acodem ao jantar com um dueto ibérico, António Costa e o espanhol Pedro Sanchez, a quem não tem faltado vigor para fazer esvoaçar a bandeira do fundamentalismo europeísta. Os sociais-democratas comparecem com uma força mista para abarcar as correntes do grupo, apostam no seu institucionalismo fundador da União e apresentam um candidato, o holandês Frans Timmermans, que é um expoente do carreirismo aparelhista. Timmermans é o “sucessor natural” de Junker sendo o actual vice-presidente da Comissão; os seus pecadilhos em matéria de laxismo no combate à corrupção e da rédea solta permitida às actividades abertas e clandestinas dos lobbies não se voltarão contra ele, porque não é isso que preocupa dos dirigentes europeus dos três blocos à mesa.
Timmermans é, portanto, um peso pesado à altura do europeísmo institucional de Weber; este terá uma característica que pode ser determinante, pois comporta-se como um norte-americano, um trumpista, e tudo fará para cumprir a missão que lhe foi outorgada, a de estilhaçar o estratégico gasoduto russo-alemão Nord Stream 2. Nada nos diz, porém, que Timmermans não venha a estar sintonizado na mesma onda e com potencial para pescar votos no PPE, a somar a uma aliança com os liberais.
A fila está em marcha
Com o jantar desta sexta-feira em Bruxelas, a fila começa a andar. Os lugares são cinco e não chegam para todos os candidatos conhecidos. Além de Weber, Timmermans, Vestager e Rutte há ainda Kristalina Georgieva (presidente do Banco Mundial), Christine Lagarde (presidente do FMI), Dalia Grybauskaite (presidente da Lituânia), Michel Barnier (o chefe negociador do Brexit que humilhou o Reino Unido), Ska Keller, dos Verdes, Jan Zahradil, do grupo dos “Conservadores e Reformistas” (onde se alojam muitos deputados da extrema-direita) e Nico Cué, da “Esquerda Europeia”, designação que não corresponde a qualquer grupo actualmente existente no Parlamento Europeu. E não são todos e todas.
Como a tarefa já terá de estar muito adiantada, quiçá concluída, em 20 deste mês, é provável que até lá se multipliquem os jantares, ceias, almoços e pequenos-almoços de barganha.
É assim que são tratados os votos dos europeus uma vez depositados nas urnas.