KERCH: EUA TESTARAM RESPOSTAS DA RÚSSIA (1)

2018-12-06
Valentin Vasilescu*, Reseau Voltaire/O Lado Oculto
Como estamos recordados, pelo menos os Estados Unidos e Israel planificaram e executaram em conjunto o golpe de Estado em Kiev, em 2014. Ora acontece que nos dias anteriores ao recente incidente no Estreito de Kerch, em 25 de Novembro, aviões de reconhecimento dos dois países foram detectados na zona. O avião norte-americano voava em ligação com o grupo naval do porta-aviões nuclear USS Harry Truman, que estaria pronto para intervir. Tudo se passou, portanto, como se Washington e Telavive tivessem preparado os acontecimentos em conjunto. Coincidência ou premeditação?
Para um avião pirata é muito fácil sabotar a infraestrutura de um grande aeroporto, colocar pistas fora de serviço, provocar rebentamentos nos terminais, fazer explodir aviões no solo. De acordo com as convenções internacionais, sempre que uma aeronave inicia o processo de aterragem sem ter pedido autorização para sobrevoar o espaço aéreo de um determinado Estado e ter obtido aprovação para aterrar torna-se um aparelho criminoso. Por consequência, o avião é automaticamente interceptado por caças. Sempre que se trata de uma aeronave militar ou policial, o Estado a que pertence é considerado um agressor. Todas as convenções internacionais obrigam os Estados signatários a punir a tentativa como um comportamento ilegal.
As mesmas regras aplicam-se à ponte e ao Estreito de Kerch. Porém, a reacção do embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, Kurt Volker, foi a de alguém que não respeita qualquer convenção internacional: “A Rússia limita os movimentos de tráfego marítimo ao atacar e impedir pacíficos navios ucranianos de se dirigirem a um porto ucraniano”. Note-se que a Rússia perdeu algumas horas a perseguir e a tentar dissuadir as vedetas rápidas “pacíficas” da Marinha ucraniana de entrarem no Estreito de Kerch, de modo a resolver o problema pelas vias diplomáticas. Pelo contrário, durante as duas guerras do Golfo, aviões militares norte-americanos bombardearam e afundaram “preventivamente” uma centena de navios iraquianos em águas territoriais iraquianas antes que estes se apercebessem de que a frota dos Estados Unidos estava preparada para começar a invadir o Iraque.
O helicóptero russo de reconhecimento e de ataque KA-52 que acompanhou a evolução dos acontecimentos no Estreito de Kerch estava equipado com um canhão 2A42-1, de calibre de 30 milímetros com ritmo de disparo de 500 projécteis por minuto, e por dois blocos UB-32/57, com 64 mísseis reactivos S-5M. Se a Rússia tivesse adoptado a mesma atitude que os Estados Unidos no Iraque, os dois pequenos navios ucranianos armados, mas não blindados, com uma deslocação de 50 toneladas, teriam sido pulverizados e afundados num instante.
Controvérsia
Os acontecimentos desencadearam vários pontos de controvérsia.
Dois dos três pequenos navios ucranianos implicados (Berdiansk e Nikopol) são da classe Gyurza-M e têm base no porto de Odessa. Desde Julho de 2018, dois outros navios da mesma classe (Lubny e Kremenchuk) foram entregues à Marinha militar e colocados na base militar de Berdiansk, no Mar de Azov. Os navios da classe Gyurza-M são construídos nas fábricas de armamento Kuznya Rybalskomu, no centro da cidade de Kiev. Trata-se de uma fábrica pertencente ao milionário-presidente da Ucrânia, Petro Porochenko. Os quatro navios foram transportados por estrada, entre a fábrica e as suas bases, com o auxílio de reboques. Por que razão a Ucrânia forçou agora as coisas?
Em 5 de Novembro, um avião russo SU-27 interceptou um avião de reconhecimento norte-americano ELINT EP-3 voando nas proximidades das águas territoriais da Crimeia. Em 19 de Novembro, um avião israelita de reconhecimento Gulfstream G-550 Nachson Aitam (identificação de voo 537) sobrevoou o Mar Negro em redor do Estreito de Kerch. O incidente ocorrido no Estreito de Kerch, em 25 de Novembro, foi vigiado permanentemente por aviões de reconhecimento dos Estados Unidos SIGINT (recolha de inteligência). Um deles, do tipo RC-135V, série 64-14841, com identificação JONAS 21 e com base na baía de Souda (Creta, Grécia), evoluiu sobre a margem do Mar Negro, perto da Crimeia. Um segundo aparelho, um drone de elevada altitude do tipo RQ-4B, série 11-2047, com a identificação FORTE10, voou na região leste da Ucrânia, perto do Mar de Azov. O RQ-4B foi expedido da base naval norte-americana de Sigonella (Sicília, Itália).
A seguir aos exercícios da NATO Trident Juncture 2018, o porta-aviões norte-americano USS Harry Truman foi redirigido para o Mar Mediterrâneo. Formou então um grupo de ataque (CSG) com três contratorpedeiros da classe Arleigh Burk e um cruzador da classe Ticonderoga. O USS Harry Truman transportava 90 aviões de combate e helicópteros e iniciara já um exercício de combate não planeado. O CSG era apoiado, a partir da base de Signonella, por um avião de reconhecimento P-8A série 168859, que vigiou a região do Mediterrâneo Oriental, do Mar Egeu e do Mar Negro. Também com este fim, o CSG utilizou o mesmo avião de reconhecimento EP-3 da série 157316, identificação AS17, que foi interceptado pela Rússia em 5 de Novembro sobre a costa da Crimeia e que descolara da base de Souda (Creta).
Os “teóricos da conspiração” dirão que não se trata de coincidências, o incidente no Estreito de Kerch foi planeado previamente, o que faz dele um acto premeditado. Os Estados Unidos empurraram a Ucrânia para suscitar uma reacção militar da Rússia, o que daria a oportunidade às formações CSG em torno do porta-aviões Harry Truman de atacar alvos militares russos na Península da Crimeia. Uma vez mais, apenas a moderação da Rússia evitou uma escalada que teria criado uma possibilidade de intervenção por parte dos Estados Unidos.
*Analista militar; ex-comandante adjunto do aeroporto militar de Otopeni, Roménia