NATO TRANSFORMA OS BALCÃS NUMA BASE DE GUERRA
2018-09-03
Louise Nyman, Sarajevo
A NATO inicia este ano a construção de uma base aérea na Albânia, no quadro do reforço da presença norte-americana nos Balcãs, um movimento que se associa a outros no mesmo sentido, como a intenção ilegal de criar forças militares regulares no Kosovo e o convite dirigido em Julho à Macedónia para integrar a Aliança.
As medidas de reforço da presença militar norte-americana na região, com o alegado objectivo de contrariar a influência russa, constam do relatório do Conselho do Atlântico divulgado no final de 2017 sob o título “Balcãs: uma nova estratégia dos Estados Unidos para a região”.
A nova base aérea, cuja construção foi anunciada em Agosto pelo primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, situar-se-á no centro-sul do país, no município de Kukove. Em termos militares, a infraestrutura será utilizada também pela Força Aérea albanesa e complementará o papel da base de Bondsteel no Kosovo, ao serviço do Pentágono e também das chamadas “forças de manutenção da paz” na região, ou KFOR. O documento do Conselho do Atlântico sublinha que a presença militar norte-americana “serve de âncora à capacidade dos Estados Unidos para influenciar desenvolvimentos” regionais.
De notar que a base de Bondsteel no Kosovo foi construída pelo Pentágono em solo sérvio, sem consultar o governo do país – o que viola o direito internacional.
Igualmente contra o direito internacional são as medidas toleradas pela NATO para que o governo do Kosovo se vá dotando gradualmente com forças militares regulares, o que se deduz das declarações nesse sentido proferidas pela vice secretária-geral da organização, Rose Gottemoeller, nas vésperas da recente cimeira de 11 e 12 de Julho. Até ao momento foi instaurada uma chamada “força de segurança” de índole profissional, com possibilidades de ser agregada à Parceria para a Paz da NATO como passo para a transformação em forças armadas regulares do Kosovo.
A confirmar-se, um tal desenvolvimento contraria a resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, que estabelece textualmente a impossibilidade de existirem outras forças militares no território além da KFOR e do exército sérvio.
Este conjunto de transformações que se sucedem praticamente à revelia da comunicação social dominante enquadra-se na reafirmação de velhas ambições regionais que nunca tiveram condições tão favoráveis para se concretizar como as que existem agora.
Grande Albânia
Uma delas é a instauração da Grande Albânia, na qual a secessão do Kosovo da Sérvia se insere. A realidade demonstra que nem a NATO, nem os Estados Unidos, tão pouco a União Europeia se têm empenhado em desencorajar tais ambições – antes pelo contrário.
Um sonho de grandeza ao qual a existência da Jugoslávia funcionou como barreira e que foi reactivado com a destruição da federação através da guerra movida pelas principais potências da NATO e da União Europeia, com recurso tanto à ONU como ao terrorismo dito “islâmico”.
A chamada “autonomia” do Kosovo, manejada como independência pelo próprio governo, com a cumplicidade da NATO, é um passo determinante para uma eventual ligação à Albânia – uma vez que o factor étnico desempenhou um papel decisivo nas justificações que conduziram à secessão em relação à Sérvia.
Outros territórios, em relação aos quais é invocado o mesmo factor, motivam as ambições albanesas: partes da Macedónia, por exemplo o Tetovo; o Vale de Presevo, na Sérvia; e a Malesija, no Montenegro.
À partida parece uma tentativa de aglutinação susceptível de gerar grande dose de anticorpos, mas a partir do momento em que Macedónia e o Montenegro forem ambos membros de pleno direito da NATO as transformações passarão para outros patamares de decisão mais abrangentes – como demonstra o recente acordo entre a Grécia e a Macedónia (FYROM – Antiga República Jugoslava da Macedónia), forçado pela Aliança, com a cumplicidade dos governos de Atenas e de Skopje, para que este território fosse “convidado” a juntar-se ao atlantismo.
Alterações de soberania tornam-se potencialmente mais fáceis em ambiente de instabilidade político-militar, que permanece na região ainda que não enchendo as primeiras páginas da comunicação mainstream.
O governo fundamentalista islâmico do Kosovo, sob a protecção da NATO, continua a manter as comunidades sérvias do território sob pressão belicista, desta feita a pretexto do agrupamento dos municípios kosovares de maioria não-albanesa. Em 2 de Agosto, o presidente do Kosovo, Hacim Thaci, declarou à Rádio Voz da América que a fronteira do território “com a Sérvia precisa de ser redefinida ou corrigida”.
Na Bósnia-Herzegovina, por seu lado, é também a presença de tropas da NATO que contém a deflagração de conflitos étnicos latentes, e que nem a “independência” atenuou.
A história dos últimos 20 anos nos Balcãs está carregada de exemplos segundo os quais muitos dos conflitos que foram desencadeados para destruir a Jugoslávia não foram resolvidos, apenas estão suspensos por acção da presença militar estrangeira, que pode jogar com o seu potencial consoante as conveniências.
Aliás, a situação balcânica caracteriza-se por uma teia de ostensivos equívocos cultivados sob a bandeira da NATO. Não esqueçamos que o Acordo de Florença, dando corpo ao Artigo IV dos chamados Acordos de Paz de Dayton, determina que a estabilidade regional deve ser mantida com assistência da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) – pelo que a NATO está abusivamente no terreno, continuando a entrincheirar-se sempre movida pelo velho pretexto da “ameaça russa”.