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MAÇONARIA: UMA CASA DIVIDIDA À ESPERA DE UNIFICAÇÃO

Fachada com simbologia maçónica na Baixa lisboeta

2019-03-06

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

A Maçonaria é uma ordem iniciática com a natureza de irmandade que procura o aperfeiçoamento intelectual e moral dos seus membros para que melhor possam intervir na sociedade. O seu lema é a divisa da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

No passado foi acossada pelos poderes eclesiásticos e temporais em Portugal. Foi perseguida pela Inquisição, que queimou vários maçons, e pelo Estado Novo, que a proibiu e remeteu para a clandestinidade. Esse passado de repressão justifica que a Maçonaria se mantenha discreta na sua actuação.
Nas suas fileiras passaram muitos ilustres portugueses, desde escritores como Alexandre Herculano, Antero de Quental, Aquilino Ribeiro, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, etc., a jornalistas como Heliodoro Salgado, a arquitectos como Afonso Domingos, Cassiano Branco, Carlos Mardel, Ventura Terra, a historiadores como Oliveira Marques, artistas como Almada Negreiros, a militares como o herói nacional General Gomes Freire de Andrade, médicos como Azevedo Neves, Bissaya Barreto, clérigos como D. João de Deus Pinto, compositores como Domingos Bomtempo, políticos como Fontes Pereira de Melo, Afonso Costa, Ferreira Borges, cientistas como Gago Coutinho e Egas Moniz, entre muitos outros. Mas também presidentes da República, como Bernardino Machado e Mário Soares.
Uma legião de homens que marcaram indelevelmente a História do nosso país. Mas também de mulheres como Ana de Castro Osório, jornalista e uma das primeiras feministas portuguesas, Adelaide Cabete, médica, a sufragista e presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, Carolina Beatriz Ângelo, também médica e primeira mulher a votar em Portugal, em 1911, Deolinda Lopes Vieira, militante anarcossindicalista, e tantas outras.
Elencar estes nomes é mostrar a importância da Maçonaria na definição do rumo de Portugal nos últimos dois séculos, nomeadamente no século XIX, nas primeiras décadas do século XX e, mais tarde, depois do 25 de Abril de 1974.

Após o 25 de Abril até 1984

Perseguida durante o fascismo, a Maçonaria renasce na sequência do 25 de Abril, reocupando o seu Palácio no Bairro Alto. Muitas lojas adormecidas reerguem de novo colunas e reiniciam a sua actividade. As Lojas que então renascem ou se constituem reúnem-se numa única obediência, o Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), primeiro sob a liderança do Grão-mestre Luís Gonçalves Rebordão (cargo que desempenhou de 1956 até 1975) e depois com Luís Dias Amado (cargo que desempenhou até 1981).
Este foi um tempo de expansão do número de Lojas e de reconstrução da Maçonaria em Portugal. A sua influência social e política alargou-se, com personalidade essencialmente ligadas ao Partido Socialista (Raul Rego, Mário Soares, etc.).
Alteração de denominação e cisão
Em 1984 o GOLU retomou a sua primeira designação, passando a chamar-se Grande Oriente Lusitano (GOL), nome que se mantém desde então. Nesse ano também dá-se uma primeira cisão.
Na verdade, nesse ano o médico Fernando Teixeira, em litígio com o Grão-mestre do GOL Simões Coimbra, militar da marinha, sai e funda a Grande Loja de Portugal que, em 1991, levaria à constituição da Grande Loja Regular de Portugal. Apesar de um período conturbado durante o consulado de Nandim de Carvalho, a Grande Loja Regular de Portugal continuou a expandir-se, sendo uma das mais importantes obediências na actualidade, agregando muitos políticos do espectro da direita portuguesa como Miguel Relvas e outros.
Os maçon regulares distinguem-se dos irregulares pela obrigatoriedade de crença num Deus revelado, sendo assim o ramo teísta da maçonaria. E se os regulares (GLRP) olham para o Reino Unido em busca de legitimidade, os irregulares (GOL) viram-se para França.

Reconstrução da Maçonaria Feminina e Mista

Ainda nos anos 80, a Maçonaria mista dita do Direito Humano foi reiniciada depois de uma longa ausência. A Ordem do Direito Humano fora introduzida em Portugal por Adelaide Cabete, mas o Estado Novo conseguiu extinguir este ramo da Maçonaria de origem francesa. É hoje uma pequena obediência maçónica, com nove Lojas.
Também por esse tempo se reergueu a maçonaria feminina, com a iniciação de quatro mulheres em 1982. Pouco depois foi fundada a primeira Loja, e logo outras lhe foram sucedendo. Mas só em 1997 é que se fundou a Grande Loja Feminina de Portugal, que na altura contava com pouco mais de centena e meia de membros.

A explosão de obediências

Ao findar o milénio contavam-se então quatro obediências em Portugal: uma grande e numerosa, o GOL, e três pequenas, a Grande Loja Regular, a maçonaria mista Direito Humano, e a Grande Loja Feminina de Portugal.
Começa então uma proliferação de obediências, que hoje atingem o número de 16 espalhadas por todo o país. Assim, às quatro iniciais vieram juntar-se mais doze, muitas delas de reduzida dimensão.
Logo em 2000 surge a Grande Loja Nacional Portuguesa, também designada Grande Loja dos Antigos Maçons, uma obediência regular constituída por dissidentes da Grande Loja Regular de Portugal.
Volvidos quatro anos surge a Grande Loja Tradicional de Portugal e, no ano seguinte, chega ao nosso país o Grande Oriente Ibérico, uma obediência que congrega lojas de Portugal e de Espanha. Também em 2005, e por cisão da Grande Loja Tradicional, organiza-se o Grande Oriente Maçónico de Portugal.
Em 2006 atingem-se as 10 obediências, com a constituição da Grande Loja Simbólica de Portugal, que introduz o Rito Antigo e Primitivo de Memphis Misraim.
A Grande Loja da Lusitânia, também de rito egípcio, nasce em 2008 e conta hoje sensivelmente meia dúzia de Lojas. Juntam-se depois a Grande Loja Maçónica de Portugal (2011), a Grande Loja Unida de Portugal (2016), que pratica o Rito Português, a Federação Portuguesa da Grande Loja Simbólica de França (2017), do rito Memphis Misraim, a Grande Loja Soberana de Portugal (2018) e o Grande Oriente Internacional Federal Maçonaria Portuguesa (2018).

Porquê tão grande número de obediências?

As tricas pessoais, a prática de diferentes ritos, a facilidade de estabelecimento de obediências com um número muito reduzido de lojas e membros, ajudam a perceber a proliferação de obediências em Portugal.
Apesar de tão grande número de obediências, o GOL continua a congregar o maior número de Lojas e maçons, enquanto da GLLP/GLRP se consolida como segunda maior. Os restantes grupos, apesar de independentes, não têm conseguido impor-se no panorama português, mantendo uma atividade centrada num número escasso de Lojas que, em muitos casos, não ultrapassa a dúzia.
No entanto, a multiplicação de obediências enfraquece a Maçonaria, dispersando os membros e envolvendo-os em infrutíferas discussões entre facções. Na verdade, a influência social e política da Maçonaria tem vindo a reduzir-se nos últimos anos.
Os escândalos ligados à Maçonaria regular têm também afastado muitos membros, que se não querem ver envolvidos nestes casos.

Conclusão

A Maçonaria foi, durante largos períodos da História de Portugal, uma organização influente em Portugal, congregando no seu seio muitos destacados portugueses nas várias esferas sociais. Perseguida pela Estado Novo, a Maçonaria manteve uma vida essencialmente letárgica e clandestina durante essas décadas de ditadura. Após o 25 de Abril, ressurgiu e reorganizou-se, recuperando parte da sua antiga influência. A partir do início do século começou a fracionar-se em múltiplas obediências, fruto essencialmente de cisões internas, um processo que andou a par de um declínio institucional.
Confrontada com os desafios da modernidade saberá a Maçonaria reinventar-se, unir-se e expandir-se? Só o futuro o dirá.

*Economista, MBA

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